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80 anos do dia da Servidora e do Servidor Público – Há o que comemorar?

O dia da Servidora e do Servidor Público foi instituído em 1939 por um Decreto-Lei do Presidente Getúlio Vargas. Transcorridos 80 anos da instituição da data, os servidores e servidoras alcançaram vitórias e derrotas na defesa de seus direitos. Mas será que podemos falar que essa é uma data para ser comemorada?

A Constituição de 1988 trouxe grandes avanços na proteção de servidores e servidoras, dentre os quais destacamos:

– a contratação exclusivamente mediante concurso público, assegurando formalmente a igualdade de condições de acesso ao serviço público; 

– a estabilidade funcional, minimizando o risco de demissões motivadas por perseguição política e da interferência dos agentes políticos; 

– a necessidade de instituição de regime jurídico único, garantindo a homogeneidade na forma de contratação do pessoal da administração; 

– a implementação de planos de carreira, evitando a predileção nas progressões funcionais; 

– as cotas para pessoas com deficiência, possibilitando à população com deficiência o acesso ao serviço público; e 

– o regime próprio de previdência social, não apenas pela questão previdenciária, mas especialmente por se tratar de uma política de retenção de mão de obra qualificada no serviço público.

Na última década, há de se ressaltar a instituição das cotas para negros e negras no serviço público federal, que representou passo significativo na reparação histórica devida pelos anos de escravidão.

Todas essas garantias tinham por objetivo a implementação do Estado Social ali previsto: um Estado provedor e protetor dos direitos sociais. 

Logo após a promulgação da Constituição, porém, iniciam-se diversos e sucessivos ataques ao serviço público, a maioria deles escondidos sob o manto da necessidade de eficiência da Administração Pública, de sua modernização, do combate à corrupção ou da suposta necessidade de redução de despesas. Esses ataques agravam-se após o golpe de 2016, por meio, especialmente, das seguintes normas e projeto:

– Emenda Constitucional nº 95/2016, a chamada Emenda do Teto dos Gastos Públicos, a qual restringiu novos investimentos do Estado, a realização de novos concursos e a concessão de reajustes salarial real;

– Decreto nº 9.507/2018, que permitiu a execução indireta de diversos serviços públicos;

– Medida Provisória nº 873/2019, pela qual tentou-se proibir o de desconto em folha da contribuição sindical dos servidores;

– Decreto nº 9.739/2019, pelo qual o governo restringiu a realização de novos concursos àquelas áreas em que a atividade não possa ser desempenhada por trabalhadores terceirizados;

– Proposta de Emenda Constitucional nº 06/2019, que promove a implosão do modelo de seguridade social previsto na Constituição.

Como se não bastassem todos esses ataques, em breve o governo deve apresentar uma proposta de reforma administrativa que mudará drasticamente o serviço público. Apesar de esse projeto ainda não ter sido apresentado, o governo já indicou algumas das medidas que devem fazer parte da reforma, dentre as quais:

– a flexibilização da estabilidade dos novos servidores e servidoras, sendo garantido tal direito apenas a determinadas carreiras;

– a contratação de servidores por tempo determinado;

– a modificação nas regras de progressões funcionais, extinguindo-se as progressões por tempo de serviço e implantando-se sistemas de progressão baseados na meritocracia;

– a modificação das carreiras, com redução dos valores dos vencimentos para os ingressantes no serviço público, visando à equiparação dos vencimentos aos pagos pela iniciativa privada;

-a possibilidade de redução de jornada e vencimentos em caso de crise fiscal;

– a redução do número das carreiras federais.

Estas medidas, somadas às demais implementadas ou em implementação desde o golpe de 2016, afetarão não somente os servidores públicos, mas toda a população, uma vez que é por meio do serviço público que os direitos sociais são efetivados.

Com o serviço público, a maioria da população brasileira tem acesso à saúde, educação, assistência social, segurança, previdência. Sem dúvidas há muito que se avançar para plena efetivação desses direitos, mas o caminho não é a privatização, terceirização ou precarização do trabalho.

As medidas que vem sendo adotadas, ao contrário do que afirmado pelo governo, não geram qualquer melhoria nos serviços públicos, apenas sua precarização: desmotivam o ingresso de pessoas capacitadas nas carreiras públicas; incentivam a saída de pessoal altamente qualificado do serviço público, tais como médicos especialistas, professores universitários, pesquisadores, entre outros; retiram dos servidores garantias essenciais para o desempenho pleno e imparcial de suas atividades, sem a interferência ilícita de agentes políticos, tais como prefeitos, deputados, vereadores, entre outros.

Assim, além de afetar diretamente os servidores públicos, a reforma administrativa restringirá ainda mais o acesso da população a serviços públicos de qualidade, consumando um grave ataque ao projeto de Estado Social previsto na Constituição de 1988 em caminho à instauração de um Estado mínimo.

Diante de todo esse quadro, esta data não é um momento de festa, mas sim de reflexão sobre o papel dos servidores e servidoras na construção de um Estado Social, livre, justo e solidário que seja capaz de prover saúde, educação, lazer, entre outros direitos sociais para a população, erradicando a pobreza, tal como previsto na Constituição Cidadã.

 

Rivadavio de Oliveira Guassú

Sócio da LBS Advogados
E-mail: rivadavio.guassu@lbs.adv.br

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