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A Ilegalidade da Cobrança Compulsória de Contribuições Para Sistemas de Saúde

Com o argumento de melhorar a qualidade do atendimento médico e hospitalar de seus servidores, alguns Estados criaram serviços complementares de saúde, geralmente denominados “Instituto de Assistência ao Servidor”. Ocorre que não raramente a lei instituidora prevê uma contribuição compulsória descontada diretamente na folha de pagamento dos trabalhadores e destinada à manutenção da entidade.

Em São Paulo, tal assistência é prestada pelo Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (IAMSPE), cuja principal fonte de financiamento são as contribuições descontadas compulsoriamente dos servidores públicos estaduais, conforme estabelecido no Decreto Lei 257/70. A redação da Constituição de 1988, após a Emenda Constitucional 41/2003, limitou a imposição de contribuição compulsória somente àquela destinada à previdência, conforme Art. 149, § 1º. A partir de tal modificação, a imposição de contribuição compulsória para sistemas de saúde passou a ser considerada ilegal.

Nesse sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que vem considerando a compulsoriedade da contribuição ao IAMSPE ilegal. Vejamos:

“AÇÃO ORDINARIA – Ação objetivando a cessação dos descontos relativos ao custeio de assistência médica prestada pelo IAMSPE – Instituto de Assistência Medica ao Servidor Público Estadual – Contribuição de 2% dos vencimentos e proventos – Obrigatoriedade prevista na Lei Complementar Estadual n° 180/78 não recepcionada pela Constituição Federal de 1988 – Sistema de saúde que não pode ser de filiação obrigatória – Sentença de procedência mantida – Precedentes dos C. Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e desta E. 9ª Câmara de Direito Público – Reexame necessário não provido.” Relator(a): Rebouças de Carvalho. Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Público. Comarca: Piracicaba. Data do julgamento: 30/09/2015. Data de registro: 01/10/2015. Processo 3009638-60.2013.8.26.0451.

“REEXAME NECESSÁRIO. Mandado de Segurança. Cessação do desconto da contribuição referente ao IAMSPE, que se destina ao custeio da prestação de serviços médico-hospitalares. Rol taxativo da partilha constitucional de competências para criação de tributos. Estado-membro competente para instituição da referida espécie tributária apenas para fins previdenciários. Artigo 149, § 1º, da Constituição Federal. Precedentes do E. Supremo Tribunal Federal e desta C. Câmara. Sentença de parcial concessão da segurança. Manutenção. Reexame necessário não provido.” Relator(a): Marcelo Semer. Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Público. Comarca: São Paulo. Data do julgamento: 17/08/2015. Data de registro: 19/08/2015. Processo: 1014314-18.2013.8.26.0053.

Esse também foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário 573.540 / MG, no qual se discutia a compulsoriedade da contribuição para prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e farmacêuticos ao Instituto de Previdência do Estado de Minas Gerais:

“CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA MÉDICA, HOSPITALAR, ODONTOLÓGICA E FARMACEÚTICA. ART. 85 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 62/2002, DO ESTADO DE MINAS GERAIS. NATUREZA TRIBUTÁRIA. COMPULSORIEDADE. DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS. ROL TAXATIVO. INCOMPETÊNCIA DO ESTADO-MEMBRO. INCONSTITUCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. I – É nítida a natureza tributária da contribuição instituída pelo art. 85 da Lei Complementar nº 64/2002, do Estado de Minas Gerais, haja vista a compulsoriedade de sua cobrança. II – O art. 149, caput, da Constituição atribui à União a competência exclusiva para a instituição de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas. Essa regra contempla duas exceções, contidas no arts. 149, § 1º, e 149-A da Constituição. À exceção desses dois casos, aos Estados-membros não foi atribuída competência para a instituição de contribuição, seja qual for a sua finalidade. III – A competência, privativa ou concorrente, para legislar sobre determinada matéria não implica automaticamente a competência para a instituição de tributos. Os entes federativos somente podem instituir os impostos e as contribuições que lhes foram expressamente outorgados pela Constituição. IV – Os Estados-membros podem instituir apenas contribuição que tenha por finalidade o custeio do regime de previdência de seus servidores. A expressão “regime previdenciário” não abrange a prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e farmacêuticos.” Recurso Extraordinário 573.540

Como se não bastassem tais decisões, nos autos da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 3.106, em trâmite pelo Supremo Tribunal Federal, foi declarada a Inconstitucionalidade da compulsoriedade da contribuição ao Instituto de Previdência do Estado de Minas Gerais para prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e farmacêuticos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 79 e 85 DA LEI COMPLEMENTAR N. 64, DE 25 DE MARÇO DE 2002, DO ESTADO DE MINAS GERAIS. IMPUGNAÇÃO DA REDAÇÃO ORIGINAL E DA REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI COMPLEMENTAR N. 70, DE 30 DE JULHO DE 2003, AOS PRECEITOS. IPSEMG. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL DOS SERVIDORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS. BENEFÍCIIOS PREVIDENCIÁRIOS E APOSENTADORIA ASSEGURADOS A SERVIDORES NÃO-TITULARES DE CARGO EFETIVO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO § 13 DO ARTIGO 40 E NO § 1º DO ARTIGO 149 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Artigo 85, caput, da LC n. 64 estabelece que “o IPSEMG prestará assistência médica, hospitalar e odontológica, bem como social, farmacêutica e complementar aos segurados referidos no art. 3º e aos servidores não titulares de cargo efetivo definidos no art. 79, extensiva a seus dependentes”. A Constituição de 1988 — art. 149, § 1º — define que “os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefícios destes, de sistemas de previdência e assistência social”. O preceito viola o texto da Constituição de 1988 ao instituir contribuição compulsória. Apenas os servidores públicos titulares de cargos efetivos podem estar compulsoriamente filiados aos regimes próprios de previdência. Inconstitucionalidade da expressão “definidos no art. 79” contida no artigo 85, caput, da LC 64/02. 2. Os Estados-membros não podem contemplar de modo obrigatório em relação aos seus servidores, sob pena de mácula à Constituição do Brasil, como benefícios, serviços de assistência médica, hospitalar, odontológica, social, e farmacêutica. O benefício será custeado mediante o pagamento de contribuição facultativa aos que se dispuserem a dele fruir. 3. O artigo 85 da lei impugnada institui modalidade complementar do sistema único de saúde — “plano de saúde complementar”. Contribuição voluntária. Inconstitucionalidade do vocábulo “compulsoriamente” contido no § 4º e no § 5º do artigo 85 da LC 64/02, referente à contribuição para o custeio da assistência médica, hospitalar, odontológica e farmacêutica. 4. Reconhecida a perda de objeto superveniente em relação ao artigo 79 da LC 64/02, na redação conferida LC 70/03, ambas do Estado de Minas Gerais. A Lei Complementar 100, de 5 de novembro de 2007, do Estado de Minas Gerais — “Art. 14. Fica revogado o art. 79 da Lei Complementar nº 64, de 2002”. 5. Pedido julgado parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade: [i] da expressão “definidos no art. 79” — artigo 85, caput, da LC 64/02 [tanto na redação original quanto na redação conferida pela LC 70/03], ambas do Estado de Minas Gerais. [ii] do vocábulo “compulsoriamente” — §§ 4º e 5º do artigo 85 [tanto na redação original quanto na redação conferida pela LC 70/03], ambas do Estado de Minas Gerais.”

Outras decisões também discutem essa questão, sob o aspecto da impossibilidade da obrigatoriedade de vinculação dos Servidores públicos à esses serviços suplementares de saúde, sob o fundamento de que tal imposição ofende o Art. 5º, XX da Constituição Federal, que prevê que ninguém será forçado à associar-se ou manter-se associado à determinada entidade.

Tais decisões demonstram que a jurisprudência é pacífica no sentido de que a vinculação obrigatória de servidores públicos à serviço complementar de saúde, assim como a imposição da contribuição obrigatória para manutenção desses sistemas, é ilegal. Diante disso, o servidor que deseje desvincular-se desses serviços, com a consequente cessação das contribuições descontadas em folha de pagamento, pode pleitear tal desvinculação judicialmente.

 

Rivadavio A. de Oliveira Guassú

Sócio da LBS Advogados
E-mail: rivadavio.guassu@lbs.adv.br

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