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A portas fechadas, parecer da MP nº 905/2019 é aprovado

Na tarde de ontem, 17 de março, em reunião conturbada e com acesso restrito a parlamentares e poucos assessores em razão da pandemia do coronavírus, a Comissão Mista que aprecia a Medida Provisória nº 905/2019, denominada “MP da Carteira Verde e Amarela”, aprovou o Projeto de Lei de Conversão (PLV) apresentado pelo relator, Deputado Christino Aureo (PP-RJ).

No início da reunião, a oposição tentou suspender os trabalhos, tendo em vista que nenhuma outra comissão funcionou no Congresso por causa das medidas de restrição de acesso ao Congresso, mas a bancada do governo, por ter a maioria, insistiu e a reunião foi instalada.

De maneira absurda, para este assunto, ignoraram a pandemia atual!

Por 14 votos a 1, o PLV foi aprovado. Após, foi requerida conferência de presença e suspensão da reunião, mas sem êxito.

Depois de aprovado o texto-base, a Comissão passou a votar os destaques. Havia acordo celebrado anteriormente de que estes seriam votados nominalmente, mas não foi cumprido pela presidência da Comissão, mesmo sob os protestos da oposição.

Dos seis destaques apresentados, foi aprovado apenas o Destaque 66, do Senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), que torna objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou redução do vale-transporte.

Para lembrar

A MP nº 905, em vigor desde 11 de novembro de 2019, institui o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo e altera brutalmente a legislação trabalhista. 

Após a apresentação do texto pelo governo, instalou-se Comissão Mista em 11 de dezembro de 2019, presidida pelo Senador Sergio Petecão (PSD-AC), tendo como relator o Deputado Christino Aureo (PP-RJ). Aberto o prazo para emendas, a MP recebeu 1.930 propostas de alteração.  

Em 19 de fevereiro, foi apresentado o relatório, com Projeto de Lei de Conversão (PLV), acolhidas 476 emendas de forma integral e outras parcialmente1.

Em 4 de março, o relator apresentou Complementação de Voto ao PLV e, em 10 de março, uma errata dessa complementação, com alterações em vários dispositivos do texto.

Depois da aprovação de ontem, a matéria segue para discussão no Plenário da Câmara dos Deputados e, em seguida, no Senado, que ainda não têm data para funcionar.

A MP perde a validade no dia 20 de abril. 

 

Relatório – Projeto de Lei de Conversão aprovado 

O texto substitutivo aprovado mantém praticamente todos os problemas já identificados anteriormente no texto original da MP (veja abaixo nossa análise dos pontos da MP original).  

O Relatório deixa expressa a intenção da MP e chancela o projeto político do governo: desonerar as empresas, com isenções fiscais e previdenciárias, precarizar as relações de trabalho e onerar trabalhadores e trabalhadoras: 

“(…) o Verde e Amarelo fundamenta-se na substancial desoneração dos encargos sobre a folha de pagamento, na simplificação das normas contratuais trabalhistas e da abertura plena do mercado de trabalho ao jovem entre 18 e 29 anos.” (Relatório, p. 25) 

“Trata -se de propiciar aos empregadores regras simples e claras, fáceis de entender e abrangentes. Não se trata de retirar direitos, trata-se de dar um mínimo a quem hoje nada tem e sofre na informalidade ou na desocupação.” (Relatório, p. 28) 

E os jovens são tratados com o estigma de “trabalhadores indesejáveis”, porque os gastos com sua qualificação profissional e ganho de experiência são caros e, portanto, inconvenientes para as empresas: 

“Capacitar um pessoa para o mercado trabalho custa caro, por isso o mercado busca trabalhadores com mais experiência. E não só a educação formal e instrução profissional capacitam os trabalhadores. O desenvolvimento pessoal e as vivências no ambiente de trabalho também ensinam muito. Trata-se de ter experiência na vida e no trabalho. Em relação a isso a pouco idade do jovem é um passivo natural para ele. Esse passivo faz do jovem um trabalhador mais caro, porque necessita de tempo e investimento para produzir e menos produtivo.” (Relatório, p. 24) 

Em relação às regras previdenciárias, o relator, na justificativa, deturpa o sistema constitucional de seguridade social ao tratar a previdência como um projeto individual de cada cidadão, e não uma política de Estado: 

“A contribuição do empregador é um ônus suportado para sustentar o caixa da Previdência Social. Por outro lado, a contribuição devida pelo empregado se faz em seu próprio benefício, de modo que possa receber as prestações e benefícios do Seguro Social. Parece-me de uma clareza solar que não há simetria nas duas contribuições: a do empregador é apenas um encargo social, um tributo; a do empregado é uma participação financeira no sistema de benefícios totalmente direcionado em seu próprio benefício.” (Relatório, p. 29) 

Como se vê claramente, o texto aprovado mantém a essência do contrato verde e amarelo em relação aos jovens. Mas não para por aí: amplia seu escopo para a denominada “economia prateada” (Relatório, p. 26), composta por pessoas com 55 anos ou mais, além de alterar regras da Consolidação das Leis do Trabalho e previdenciárias. 

Neste texto, destacamos as principais modificações: 

Contrato verde e amarelo 

– Amplia o público-alvo do contrato verde e amarelo para pessoas com 55 anos ou mais que estejam sem vínculo formal de emprego há mais de 12 meses (“economia prateada”, segundo denominação do relator). 

– Aumenta o limite de contratações de 20% para 25% do total de empregados da empresa. 

– Explicita o âmbito de aplicação das novas regras sobre adicional de periculosidade, que estão restritas à nova modalidade de contratação. A saber: caso o empregador opte pela contratação de seguro privado, pagará apenas 5% de adicional sobre o salário-base, quando houver exposição do trabalhador à condição de periculosidade por, no mínimo, 50% da jornada de trabalho. 

– Permite o uso do contrato verde e amarelo no setor rural, exceto para o contrato de safra. 

– Possibilita a redução da jornada de estudante mediante acordo individual tácito ou escrito.

 

FGTS 

– Suprime o dispositivo referente à contribuição adicional sobre o FGTS, pois a multa de 10% do FGTS já foi extinta pela Lei nº 13.932/19. 

 

Jornada de trabalho 

– Estabelece regras mínimas sobre o repouso semanal remunerado aos domingos para todos os setores da economia: para comércio e serviços, o descanso deve coincidir com o domingo uma vez a cada quatro semanas; para indústria, agroindústria, aquicultura, pesca e demais setores da economia, deve coincidir uma vez a cada sete semanas. 

– Fixa remuneração em dobro do trabalho em domingo ou feriado caso não seja assegurada folga compensatória na mesma semana de trabalho. 

– Altera a lei do Programa do Microcrédito, incluindo a previsão de que “o profissional que atua nas operações e concessões de crédito não está sujeito ao controle de jornada e que “a atividade prestada pelo profissional que atua nas operações e concessões de crédito é regulada por esta Lei específica, não se equiparando à atividade bancária para fins trabalhistas e previdenciários”. 

– Altera as regras de profissões com jornadas diferenciadas: pode haver extensão da jornada mediante acordo individual ou convenção/acordo coletivo, sendo que as horas extras serão remuneradas com acréscimo de 20%, não se confundido com as horas extras eventuais.

 

Jornada de trabalho dos bancários 

– Altera a jornada dos bancários de 7 às 22 horas para 7 às 21 horas, mantendo o texto original da MP que estabelece como duração normal do trabalho 8 horas diárias e limita a jornada de 6 horas diárias e 30 semanais exclusivamente para a função de caixa. 

– Afasta exigência de acordo individual ou convenção coletiva para que jornada dos caixas bancários possa ser superior a 6 horas, com limitação a 8 horas diárias. 

– Aumenta para 40% o valor mínimo da gratificação de função para permitir que caixas atuem mais de 6 horas diárias, sendo essa gratificação paga a título de 6a e 7a horas trabalhadas. 

– Autoriza o trabalho aos sábados, domingos e feriados, a título permanente, em atividades envolvidas no processo de automação bancária; teleatendimento; telemarketing; Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC e ouvidoria; serviços por canais digitais, incluídos o suporte a estes canais; áreas de tecnologia, segurança e administração patrimonial, atividades bancárias de caráter excepcional ou eventual e atividades bancárias em áreas de funcionamento diferenciado, como feiras, exposições, shopping centers, aeroportos e terminais de ônibus, trem e metrô. 

 

PLR 

– O texto do relator exige apenas que a comissão de negociação seja paritária, com representantes de patrões e de empregados, e, uma vez composta, notifique o ente sindical para que indique representante no prazo máximo de 7 dias, findo o qual a comissão poderá iniciar e concluir suas tratativas. 

 

Seguro-desemprego 

– Mantém a incidência de contribuição social sobre o seguro-desemprego, admitindo a opção de não pagar. Ou seja, transforma em facultativa a contribuição, condicionando a contagem de tempo ao pagamento da alíquota de 7,5%. 

 

Registro profissional 

– Restabelece o registro profissional no caso das seguintes profissões: jornalistas, publicitários, atuários, sociólogos, secretários, estatísticos, músicos, arquivistas, radialistas e corretores de seguros.

– Determina que o registro profissional será realizado prioritariamente pelos respectivos conselhos profissionais (autorregulamentação), caso existentes; pelos respectivos sindicatos da categoria ou, excepcionalmente, por meio de sistema eletrônico do Ministério da Economia, com caráter auto declaratório, de responsabilidade do requerente, e emissão automática do registro profissional. 

 

Acidente de percurso 

– Muda as regras do acidente de percurso, que só será equiparado, para fins previdenciários, a acidente de trabalho se ocorrido no percurso da ida para o local de trabalho, bem como no da volta, em veículo fornecido pelo empregador, desde que comprovada a culpa ou dolo deste ou de seus prepostos no acidente

– Mantém a natureza de acidente de trabalho do acidente de percurso. O texto do relator assegura ao trabalhador cobertura integral do valor do benefício (auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte), mas não atribui o custo ao empregador e sim aos cofres públicos. 

Depósito recursal

– Depósito recursal em processo trabalhista, que é corrigido com os mesmos índices da poupança, passará a ser atualizado na forma do § 7º do art. 879, ou seja, pelo IPCA mais juros da poupança, e  poderá ser substituído a qualquer tempo por fiança bancária ou seguro garantia judicial, a critério do recorrente. 

  

Importante relembrar (análise da MP original)  

Há outros dispositivos contidos no texto original da MP nº 905/2019, que não foram modificados pelo PLV aprovado ontem e que representam grave desestruturação do sistema protetivo do trabalho. Trata-se, na verdade, de verdadeira “mini/mega Reforma Trabalhista”. Merecem destaque: 

Contrato verde e amarelo 

– Quitação antecipada das parcelas proporcionais referentes a 13º salário e férias, acrescidas de um terço, pagas com a remuneração do período. 

– Alíquota relativa ao FGTS reduzida a 2% sobre a remuneração. 

– Rescisão contratual (inclusive por justa causa). Redução da multa de 40% para 20% sobre o saldo da conta vinculada do FGTS, cujo pagamento também pode ser antecipado. Compensação de jornada extraordinária, no mesmo mês, por meio de acordo individual, tácito ou escrito.

– Adoção de regime de banco de horas por meio de acordo escrito, com compensação no período de seis meses. 

– Isenção do recolhimento da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento, do salário-educação e da contribuição social para os integrantes do Sistema “S”, Sebrae e Incra. 

 

Demais modificações na legislação trabalhista e previdenciária 

– Criação do Programa de Habilitação e Reabilitação Profissional, cuja fonte de custeio será, pelo período de 5 anos, as receitas advindas de multas ou penalidades aplicadas em decorrência de descumprimento de acordo judicial ou de Termo de Ajustamento de Conduta celebrados em ações civis públicas trabalhistas; as multas por descumprimento da obrigação de contratar pessoa com deficiência e os valores relativos a danos morais coletivos, decorrentes de TAC ou acordo judicial. 

– Alteração no procedimento de registro do empregado e anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social — CTPS.

– Alteração do trabalho aos domingos: a) exclusão da ressalva de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço para o trabalho aos domingos; b) extinção da necessidade de permissão prévia da autoridade competente para o trabalho em domingos; c) reúnem-se no texto celetista dispositivos contidos em legislação esparsa, dispondo sobre a observância da legislação local. 

– Alteração nas regras sobre embargo de atividade ou interdição de estabelecimento do empregador. 

– Alterações nas disposições relativas à remuneração: a) o fornecimento de alimentação, in natura não possui natureza salarial e nem é tributável para efeito da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários e não integra a base de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa física; b) a gorjeta não constitui receita dos empregadores e serão distribuídas aos trabalhadores, conforme convenção, acordo coletivo de trabalho ou assembleia geral da categoria; c) as gorjetas devem ser inseridas na nota fiscal correspondente; d) as empresas inscritas em regime de tributação federal diferenciado poderão reter até 20% das gorjetas lançadas nas notas de consumo para custear os encargos sociais, previdenciários e trabalhistas derivados da integração dessa parcela à remuneração dos empregados; para as empresas não inscritas, o percentual é de 33%; e) os valores das gorjetas serão registrados separadamente em relação ao salário fixo e, do mesmo modo, anotados na CTPS, pela média dos últimos 12 meses; f) a gorjeta cobrada pelo estabelecimento por período superior a um ano se incorpora à remuneração do empregado pela média dos últimos 12 meses; g) a multa por descumprimento dos dispositivos relativos à gorjeta corresponderá a um trinta avos da média de gorjetas recebidas pelo empregado por dia de atraso, limitada ao piso da categoria. 

– Alterações no critério da dupla visita na atividade de fiscalização dos auditores. 

– Alterações relativas aos recursos contra imposição de multas: a) a decisão de recursos em segunda e última instância administrativa poderá valer-se de conselho recursal paritário e tripartite; b) o prazo do recurso é ampliado de 10 para 30 dias, atribuindo efeitos suspensivo e devolutivo; c) a renúncia ao direito de interpor recurso permite a redução do valor devido em 30%; d) redução de 50%, em caso de microempresa, empresa de pequeno porte e estabelecimento ou local de trabalho com até 20 trabalhadores, havendo renúncia ao direito de interposição de recurso. 

– Atualização monetária dos débitos trabalhistas será feita pela variação do IPCA-E, ou por índice que venha a substituí-lo, aplicado de modo uniforme por todo o prazo decorrido entre a condenação e o cumprimento da sentença.  

– Juros de mora dos débitos trabalhistas reduzidos de 1% ao mês para o índice da caderneta de poupança, que girou em torno de 0,3434% ao mês em 2019.

– Alterações no regime jurídico do auxílio-acidente: a) será concedido, como indenização, ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente, remanescerem sequelas especificadas em lista elaborada pelo Poder Executivo e atualizada a cada três anos; b) será devido somente enquanto persistirem as condições que ensejaram sua concessão e corresponderá a 50% do benefício de aposentadoria por invalidez a que o segurado teria direito. 

 

Antonio Fernando Megale

Sócio da LBS Advogados
E-mail: antonio.megale@lbs.adv.br

Fernanda Caldas Giorgi

Sócia da LBS Advogados
E-mail: fernanda.giorgi@lbs.adv.br

José Eymard Loguercio

Sócio da LBS Advogados
E-mail: eymard@lbs.adv.br

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