À professora, ao professor…

Professora, você passou mais tempo comigo do que com seus filhos;

Professor, você rodou provas e atividades em um velho mimeógrafo cheirando à álcool;

Professora, você doou livros para a biblioteca;

Professor, você doou prendas para a rifa e, não satisfeito, comprou a rifa, a pizza, o bingo, o brigadeiro, o bolo;

Professora, você ensaiou mil vezes a mesma quadrilha junina, a mesma cantiga de natal, a mesma canção pelo dia dos pais, das mães, das avós, das crianças;

Professor, você se orgulhou do meu primeiro bê-á-bá, do meu diploma de Ensino Médio, do meu nome na lista do vestibular, da minha aprovação na Iniciação Científica, do meu título de Graduado, Pós-Graduado, Mestre, Doutor;

Professora, você fez “vaquinha” para comprar pó de café quando o governo parou de fornecer;

Professor, você fez o café em um velho canecão, com um fogão lento e uma garrafa térmica manchada;

Professora, você se sentou em uma mesa baixa, com cadeiras fracas e comeu a merenda comigo, sorrindo como se fosse um banquete, sabendo que boa parte da verba foi desviada e comíamos o mínimo necessário e possível;

Professor, você foi proibido de comer a merenda e passou a levar uma ou duas marmitas, dependendo de quantas escolas iria estar naquele dia;

Professora, você foi às ruas pelos seus direitos e recebeu em troca balas de borracha;

Professora, você foi recebida pela cavalaria e ouviu do Sr. Governador que não precisava de aumento, que seu salário servia apenas para comprar calcinhas e que não era mal remunerado, era mal casado;

Professor, você voltou para a sala de aula, mesmo assim;

Professora, você ganhou uma “ite” pelo pó do giz e pelo movimento repetitivo de escrever, diariamente, a matéria na velha lousa verde;

Professor, você dividiu a lousa em quatro partes, enquanto dividia na sala os alunos da 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries por fileiras;

Professora, você enfrentou a Ditadura para me contar a verdadeira história;

Professor, você desafiou o colégio “religioso” para me ensinar a questionar todos os dogmas;

Professora, você precisou de greve para conseguir cada um dos seus merecidos reajustes e, ao final da luta, muitas das vezes, voltou para casa com uma meia-vitória;

Professor, você correu atrás de financiamento para pesquisa, preencheu uma infinidade de formulários e precisou tirar uma parte de seu próprio bolso para completar o orçamento;

Professora, você me incentivou a continuar quando eu estava cansado e, no fundo, eu me questionava por que você ainda continuava;

Professor, você foi vendido e gritaram: “FUTURE-SE”;

Professora, você passou horas explicando para quem pretende licitar seu trabalho que não é possível jogar bola no Jardim Botânico e que áreas de preservação devem ser pre-ser-va-das;

Professor, você deu aula, fez pesquisa, orientou, publicou artigos e livros, participou de incontáveis bancas, organizou palestras, congressos, eventos e ainda se arrumou para ser paraninfo, patrono, homenageado;

Professora, você foi contingenciada e ouviu do Sr. Ministro que era provisório e pode “aguardar” um pouco;

Professor, você foi gravado à mando do próprio Governo Federal e culpado por uma “ideologia” baseado em fake news;

Professora, você precisou explicar em uma reunião de pais e mestres que se quer existe dinheiro para fornecer material escolar, quiçá para uma “mamadeira de piroca”;

Professor, você ouviu o Sr. Ministro da Educação criticar o usa da palavra “educação”, a cor vermelha e chamar o seu salário de “zebra gorda”;

Professora, você assistiu ao Congresso retirar sua aposentadoria em meio a discursos hipócritas de que é um “mal necessário”;

Você é professor(a), tio(a), “fessor(a)”, dona, mestre, doutor, orientador, catedrático, docente, educador, instrutor, preceptor, formador, mentor, pedagogo.

E eu?

Eu aprendi a resistir, mesmo diante dos horrores atuais e do porvir, mesmo diante do iminente fascismo, aprendi que a luta dignifica, que é possível reverter a história, que enfrentar balas de borracha e blindados dói menos que ver seu nome jogado na latrina.

Eu aprendi com o Mestre e … com carinho, resisto!