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Da Pejotização

Estabelece o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho que para caracterizar uma relação de emprego é preciso preencher alguns requisitos: pessoalidade, subordinação, dependência da empresa e onerosidade. Ou seja, somente o trabalhador contratado deve e pode desempenhar a atividade para a qual foi designado, recebendo ordens de seu superior, sob a dependência da empresa e de forma onerosa. Estando presentes tais requisitos não restam dúvidas da existência de uma típica relação de emprego.

Infelizmente, hoje no Brasil vem crescendo um fenômeno denominado de “pejotização”. Consiste, basicamente, na contratação de uma pessoa jurídica por outra pessoa jurídica, envolvida por todas as características de uma relação de emprego. Ou seja, tal contratação nada mais é que uma forma de burlar o sistema jurídico uma vez que a “pessoa jurídica” contratada se enquadra em todos os requisitos acima elencados, estabelecidos pelo artigo 3° da CLT. Tal contratação foi à forma encontrada pelas empresas para desonerar de tributos e encargos trabalhistas. 

As empresas transformam a relação de trabalho em um contrato de prestação de serviço com uma clara redução de custos, uma vez que não assume nenhum direito trabalhista em relação à pessoa contratada. É um feito que frauda toda legislação trabalhista. Ao invés de assinar a carteira de trabalho, a empresa obriga o contratado a abrir uma empresa para emissão de notas fiscais. Logo, o contratado passa a trabalhar em uma relação emprego com todos os requisitos estabelecidos pela legislação trabalhista, todavia, revestida de uma falsa relação empresarial.

Quem é contratado como pessoa jurídica não deveria ter pessoalidade em sua prestação de serviço, poderia delegar tal atividade a qualquer um de seus empregados. Não deveria cumprir uma jornada de trabalho estabelecida pela empresa, nem ser subordinado a ninguém. Ocorre que a autonomia e a independência desaparecem quando uma pessoa jurídica assume o papel de empregado, de um trabalhador comum a qualquer outro da empresa que deveria apenas e tão somente prestar algum tipo de assessoramento ou prestação de serviço.

Contrata-se uma pessoa jurídica apenas formalmente, mas prestando serviço idêntico a qualquer empregado. Ele presta conta, cumpre horário, desempenha suas atividades de forma pessoal, não podendo se ausentar sem qualquer justificativa, recebendo salário como qualquer outro empregado. Todavia a ele não é pago nenhum direito trabalhista.

Quem é contratado dessa forma abre mão de direitos trabalhistas previstos em lei como FGTS, INSS, 13°, 1/3 de férias (muitas vezes até as próprias férias), horas extras, abonos, etc. A maioria dos empregados trabalha em carga horária excessiva, extrapolando e muito a jornada de trabalho estipulada em lei, ficando ainda mais expostos aos riscos de acidentes do trabalho e a demissões. Caso ocorra o seu desligamento a empresa não precisa se preocupar com o pagamento ou cumprimento do aviso prévio, nem mesmo o pagamento de multa rescisória, como por exemplo, 40% do FGTS. E se o contratado sofrer algum acidente no decorrer de sua jornada não poderá se afastar pelo INSS, uma vez que a sua contratação não envolve qualquer tipo de recolhimento previdenciário.

Imagine que um banco poderá contratar um gerente para atendimento de pessoa física ou jurídica sem assinar a sua carteira e pagar qualquer direito trabalhista. O banco apenas impõe uma condição: que ele abra uma empresa de consultoria financeira, de vendas ou na área comercial. Aparentemente pode parecer que uma empresa vai assessorar a outra, mas na verdade não é isso. Na prática, o empregado vai cumprir expediente normalmente, ter uma mesa para atender o público, os clientes do banco, metas, receber ordens e até possuir um crachá do banco. É uma relação de emprego sem a sua formalização. 

Não restam dúvidas, portanto, que há uma clara tentativa de burlar a legislação. E com a Reforma Trabalhista e aprovação da Lei da Terceirização tal prática somente vai crescer e tomar forma. Com a possibilidade da terceirização da atividade fim, uma empresa poderá contratar um funcionário, via pessoa jurídica, para prestar os mesmos serviços que um empregado prestaria, sem nenhum encargo trabalhista, fiscal ou social.

Alguns podem até tentar induzir o cidadão a erro ao afirmar que a reforma trabalhista conseguiu banir a pejotização. Ocorre que tal afirmação é totalmente equivocada. O que a reforma traz é apenas uma proibição da empresa contratar um ex-empregado, no período de 18 meses, através de uma pessoa jurídica. No entanto, a regra poderá ser ineficaz considerando a abertura no conceito de grupo econômico, as facilidades de contratação na cadeia produtiva e a possibilidade de sucessivas subcontratações (quarteirização).

E mais, com a possibilidade de contratação de autônomo, com ou sem exclusividade, o incentivo a pejotização estará, praticamente, legalizado. A partir do momento que uma empresa contrata um autônomo com exclusividade, a autonomia no trabalho por ele desempenhado desaparece por completo. Não restam dúvidas que tal possibilidade frauda, por completo, o artigo 3º da CLT.

Portanto, com o atual cenário político que estamos vivendo vamos chegar a uma triste e rápida terceirização sem limites. Uma precarização de todos os direitos trabalhistas que demoramos anos para conseguir. Ao autorizar uma empresa a terceirar todas as suas atividades estamos sim facilitando a contratação cada vez mais de pessoas na forma de pejotização, mesmo preenchendo todos os requisitos estabelecidos pela legislação trabalhista como caracterizações da existência de vinculo de emprego.  

Samantha Braga Guedes, advogada trabalhista de LBS Advogados, Pós Graduada em Direito Público pela Faculdade Projeção.

*Esta é uma versão atualizada. Artigo originalmente publicado no livro “Direito do Trabalho Bancário – Temas Atuais da Reforma Trabalhista: Enfrentamento e Resistência (Projeto Editorial Praxis).

Samantha Braga Guedes

Sócia da LBS Advogados
E-mail: samantha.guedes@lbs.adv.br

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