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Greve política e a restrição inconstitucional feita pelo TST

Em recente decisão proferida nos autos do DCG nº 1000418-66.2018.5.00.0000, a maioria dos ministros do Tribunal Superior do Trabalho decidiu pela ilegalidade de greve deflagrada contra a privatização do setor elétrico. Prevalecendo o voto divergente do Ministro Ives Gandra Filho, concluiu-se que o movimento paredista seria “nitidamente abusivo, pois desvirtua o direito de greve, para transformá-lo em instrumento de manifestação política, no qual saem prejudicadas as empresas e a população que utiliza os serviços paralisados”.  

O entendimento não é novo e, sem dúvidas, vai contra o art. 9º da Constituição Federal, que não traz qualquer restrição ao direito de greve, inclusive colocando nas mãos dos trabalhadores a responsabilidade para decidir “sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. 

Ora, resta evidente que se mostra válido – e constitucional – o direito de greve por motivos políticos. Eventuais restrições, como as detectadas em legislações infraconstitucionais, não poderiam se sobrepor ao direito dos trabalhadores de reivindicar melhores condições não apenas em seu ambiente de trabalho, mas também em aspectos e situações mais amplas (contra eventuais reformas realizadas pelo Estado, em solidariedade a outras categorias etc.). 

Tanto é que a própria Organização Internacional do Trabalho reconhece que “os interesses profissionais e econômicos, defendidos pelos trabalhadores mediante o exercício do direito de greve, abrangem não só a obtenção de melhores condições de trabalho ou as reivindicações coletivas de caráter trabalhista, mas também a busca de soluções para as questões de política econômica e social”(1) .

Ou seja, inexiste qualquer limitação legal à greve política, de modo que ela pode ser empregada como meio de defesa de interesses políticos. É o que também defende Mauricio Godinho Delgado:

“(…) sob o ponto de vista constitucional, as greves não precisam circunscrever-se a interesses estritamente contratuais trabalhistas (embora tal restrição seja recomendável, do ponto de vista político-prático, em vista do risco à banalização do instituto – aspecto a ser avaliado pelos trabalhadores). Isso significa que, a teor do comando constitucional, não são, em princípio, inválidos movimentos paredistas que defendam interesses que não sejam rigorosamente contratuais – como as greves de solidariedade e as chamadas políticas. A validade desses movimentos será inquestionável, em especial se a solidariedade ou a motivação política vincularem-se a fatores e significativa repercussão na vida e trabalho dos grevistas.(2)  (Grifos nossos) 

Neste mesmo sentido, também podemos mencionar votos proferidos no âmbito do Supremo Tribunal Federal, direcionando no sentido de que a greve por motivos políticos é válida, estando protegida por nossa Carta Magna. Como exemplo, é o seguinte voto do Ministro Eros Grau, nos autos do Mandado de Injunção nº 712:

‘’A Constituição, tratando dos trabalhadores em geral, não prevê regulamentação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve: greves reivindicatórias, greves de solidariedade, greves políticas, greves de protesto.”(3) (Grifos nossos) 

Não obstante os limites de nossa Constituição federal, a doutrina já apresentada e também as regras emanadas pela OIT, reitera-se que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, órgão que tem o papel de uniformizar a jurisprudência trabalhista no Brasil, tem se declinado a entender ilegais as greves por motivações políticas.

Poucos de seus ministros têm votado a favor da não abusividade de greves por motivações políticas. Um deles é o já citado Godinho Delgado, valendo aqui transcrever o seu voto divergente proferido nos autos do Dissídio que trata da paralisação contra a privatização do setor elétrico:

“A esse respeito, enfatize-se, uma vez mais, que a Constituição de 1988 conferiu, efetivamente, amplitude ao direito de greve. É que determinou competir aos trabalhadores a decisão sobre a oportunidade de exercer o direito, assim como decidir a respeito dos interesses que devam por meio dele defender (caput do art. 9º, CF/88). 

A par disso, se a greve, ainda que detenha um viés político ou de solidariedade, mostra real conexão com temas de importante interesse profissional dos grevistas, naturalmente que ela deve ser tida como harmônica ao disposto no art. 9 ° da Constituição de 1988. 

É claro que a grande maioria das greves se dirige a temas contratuais, reivindicações trabalhistas, sendo esse o conduto essencial de desenvolvimento do instituto ao longo da história do capitalismo. 

Entretanto, sob o ponto de vista constitucional, as greves não necessitam se circunscrever a interesses estritamente contratuais trabalhistas (embora tal restrição seja recomendável, do ponto de vista político-prático, em vista do risco da banalização do instituto-aspecto a ser avaliado pelos trabalhadores). No caso concreto, transparece a presença de relevantes interesses profissionais no contexto da greve, porque, obviamente, interessa ao trabalhador, particularmente ao empregado, preservar a empresa. E a defesa da empresa, por parte do trabalhador, é uma conduta e um pleito que ostentam nítido sentido econômico-profissional.” (Voto vencido nos autos do DCG 1000418-66.2018.5.00.000. Acesso pelo www.tst.jus.br)

Ora, a Constituição eleva a greve a direito fundamental dos trabalhadores, de modo que não seria possível mitigar esse direito com base nos interesses dos empregadores, sob o pretexto de que as paralisações geram prejuízos na produção. 

Isso não pode ser utilizado como motivo para restringir ou impedir qualquer tipo de movimento paredista realizado pelos empregados, de modo que as práticas antissindicais devem ser denunciadas, inclusive no âmbito da Organização Internacional do Trabalho, fazendo valer as regras das Convenções nºs 98 e 87, tendo os sindicatos papel importante no controle de proteção do direito de greve, acionando-se também o Judiciário sempre que este direito for violado. 

Assim sendo, não restam dúvidas de que a jurisprudência atual do TST tem fechado os olhos para o papel social das entidades sindicais e, não menos, dos movimentos realizados pelos trabalhadores, em busca de melhores condições de trabalho não apenas dentro de seu ambiente laboral, mas também em hipóteses mais amplas, em solidariedade a outras categorias ou para debater qualquer ato (ou omissão) de órgãos do governo que afronte direitos socialmente garantidos.

Eduardo Henrique Marques Soares é sócio de LBS Advogados.

Publicado em 26/02/2019

Referências

1) Princípios do Comitê de Liberdade Sindical referentes a greves. 1983. OIT/Ministério do Trabalho e Emprego.
2) DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17ª edição. São Paulo: LTR, 2018, p. 1.423.
3) Acesso pelo endereço eletrônico http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2244628

Eduardo Henrique M. Soares

Sócio da LBS Advogados
E-mail: eduardo.henrique@lbs.adv.br

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