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Ideologia x realidade em tempo de campanha presidencial 

Você já escutou discursos do tipo: “Vou deixar meu emprego e ser meu próprio chefe”, “Apenas com o meu esforço, o sucesso é garantido”, “A pobreza é resultado da incompetência profissional”, “Se não estou realizado é porque não planejei meu sucesso”, “Deixei meu emprego com carteira assinada e agora trabalho 18 horas por dia, mas me sinto realizado”? Com certeza, sim! Afinal são frases que fazem parte do “mundo corporativo atual”.

Porém, em análise mais detida, podemos perceber que essas afirmações trazem consigo questionamentos mais profundo,s tais como: será que, de fato, são condizentes com a realidade e com as possibilidades dessas pessoas?  A meritocracia e o individualismo são meios suficientes para a obtenção da tão sonhada liberdade financeira e profissional? 

A corrente de filósofos marxistas explica essas falas com base na ideologia – aqui entendida como um conjunto de ideias criadas e mantidas pelas classes dominantes para produzir e difundir conceitos que têm como objetivo fazer com que membros da sociedade se identifiquem com características comuns e que resultem na domesticação do pensamento. 

Essa ideologia é difundida e positivada através da infraestrutura e da superestrutura,  novamente conceitos marxistas.  Quando tratamos da infraestrutura nos referimos as forças de produção e da base econômica da sociedade, onde de fato, ocorre a exploração da força de trabalho. Já a superestrutura é o conjunto de fatores imateriais da sociedade, tais como cultura, arte, educação, filosofia, Estado, religião e até mesmo o direito, que trasmitem uma falsa percepção da realidade, o que resulta na alienação das pessoas.

Esse processo ideológico parece ser complexo, mas na verdade, o mesmo se concretiza de forma tão sutil, que os trabalhadores se veem diante de “verdades” absolutas e autônomas, quando na realidade estão sendo domesticados e alienados, e por isso, passam a reproduzir discuros fundamentalmente meritocráticos que estão distantes da sua realidade. 

Retomando as afirmações iniciais: elas são baseadas na capacidade individual de produção de riqueza e partem do princípio do qual cada pessoa é dotada de ferramentas e habilidades suficientes para conquistar o sucesso e independência dentro do nosso sistema capitalista liberal, pois as oportunidades são infinitas, desde que você esteja disposto a sacrificar algumas “regalias”. 

Nesse contexto, as supostas “regalias” são, na verdade, direitos trabalhistas e sociais tais como limitação da jornada de trabalho, obrigatoriedade de percepção de um salário-mínimo, garantia de aposentadoria digna por meio de previdência social estatal, possibilidade de ter a sua rescisão contratual homologada junto ao seu sindicato de classe, etc. 

Nos últimos tempos, até mesmo o acesso ao Judiciário tem sido mitigado e entendido como algo dispensável ante a capacidade de autotela e independência das partes, em tentativa de se comparar patrões e empregados. 

A sociedade está sendo lesada por essa mentalidade meritocrata exarcerbada e, consequentemente, pela desregulamentação e flexibilização da relação de trabalho. Os cidadãos perdem o sentimento de pertencimento aos movimentos coletivos e sindicais, deixam de buscar melhorias nas relações de trabalho em busca de uma independência financeira que na atual conjuntura política, social e econômica, não está ao alcance de todas as pessoas irrestritamente, como é largamente difundido.

 Enquanto as pessoas se apropriam de discursos e de atitudes que parecem leva-lás ao sucesso, na verdade, estão renunciando a direitos sociais e trabalhistas que foram obtidos por meio de reivindicações, greves operárias e movimentos sindicais que remontam à Revolução Industrial do século XVIII, sem nem mesmo perceber. 

Para ilustrar o resultado da difusão das ideologias meritocratas, temos como exemplo os índices de empregos informais e de desemprego no Brasil. Segundo dados divulgados pelo IBGE, no último trimestre do ano 2017 , o número de pessoas em empregos informais (pessoas empregam sua força de trabalho sem garantias e proteçoes trabalhistas) superou o dos empregados formais, sendo que o primeiro grupo de trabalhadores representava 37,1% da população economicamente ativa. Isso significa dizer que houve crescimento de 5,7% de pessoas inseridas no mercado informal de trabalho. 

Neste ano, o cenário é ainda mais assustador. Segundo o IBGE, tivemos decréscimo de 1,1% de pessoas ocupadas no último trimestre (até abril de 2018),  ou seja, aproximadamente 969 mil pessoas que integram a população economicamente ativa estão fora do mercado de trabalho. 

As pessoas devem refletir de forma mais consciente sobre o rumo que o nosso país está tomando. Teremos em breve  eleições presidenciais e é muito importante estarmos atentos. Direitos e garantias sociais estão sendo sutilmente renunciados em detrimento do lucro de empresas, que  beneficiam pequeno grupo de privilegiados. 
A responsabilidade para retormar os avanços sociais e trabalhistas é de cada um de nós, notadamente na hora do voto. Você sabe  que o seu candidato pensa sobre o tema?

Referências

TEODORO, Maria Cecilia Máximo, A síndrome de Patrao, 2017, Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI258217,51045-A+Sindrome+de+Patrao, acesso: 08.08.2018

BUENO AIRES, Myrene, SLVA, Gabriele Bins Gomes. A corrosão do tempo livre pelo tempo de trabalho: uma reflexão sobre a captura da subjetividade, Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=19431, acesso em 12.08.2018. 

VALADAO, Carla Cirino. A REPERSONALIZACAO DO DIREITO DO TRABALHO,repersonalizacao do direito do trabalho, Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, 2017.

CAMPANA, Priscila. O impacto do neoliberalismo no Direito do Trabalho: desregulamentação e retrocesso histórico. Revista de informação legislativa : v. 37, n. 147 (jul./set. 2000) , Disponivel em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/614 , acessado em 05.08.2018. 

Villas Boas, Vitor, DESEMPREGADOS NO BRASIL SOMAM 13 MILHOES, NOTA IBGE, DISPONIVEL EM:. https://www.valor.com.br/brasil/5556765/desempregados-n Mo-brasil-somam-134-milhoes-nota-ibge, acesso em 30.07.2018. 

MANGOLIN, Cesar. A IDEOLOGIA DE MERITO PESSOAL, A MERITOCRACIA E AS COTAS . DISPONIVEL EM: https://cesarmangolin.wordpress.com/2014/06/05/a-ideologia-do-merito-pessoal-a-meritocracia-e-as-cotas/. Acesso em: 13.08.2018.

 

Sandriele Fernandes dos Reis

Advogada da LBS Advogados
E-mail: sandriele.reis@lbs.adv.br

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