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Manifesto de uma mãe

Filha, 

Esse é o primeiro Dia das Mães que tenho você do meu lado. 

Muitas vezes antecipei em mente esse momento e, em meu imaginário, rascunhei para você as mais lindas palavras de amor, porque amor, minha filha, é o que eu tenho para te oferecer. 

Hoje, no entanto, não é sobre nosso amor que quero falar, porque o nosso é certo, definitivo, natural, visceral. 

Hoje quero te falar sobre o que me aflige, na expectativa de te proteger e preparar para aquilo que nos transcende e nos tangencia. Veja, não estou sendo contraditória: nada melhor do que a maternidade para nos mostrar que somos muito pequenos diante da imensidão desse mundo, mas, ao mesmo tempo, somos absolutamente responsáveis por nossas escolhas. Aliás, nossas escolhas nos definem. 

Neste momento em que te escrevo, muito do que eu acredito está sendo contestado. 

Vivemos tempos de restrição à liberdade de pensamento, cerceio à diversidade, valorização do individualismo, tudo isso em absoluta incompatibilidade com o mundo que desejo para você. 

Tentam abafar nossa voz, proibindo-nos de pensar. Cortes orçamentários para universidades federais e criminalização do pensamento crítico sugerem que pretendem nos matar por inanição. 

Uma reforma trabalhista precarizante coloca uma interrogação em nosso futuro. Quem vai ser você, fruto da quarta revolução industrial, no ambiente de trabalho? Terá você noção de pertencimento? 

Hoje se fala no fim do Estado Social. Os fundamentos de solidariedade e assistência que um dia fizeram parte da minha formação acadêmica aos poucos são substituídos por um sistema de previdência cujo raciocínio parte do individualismo. 

Nunca se esqueça: somos mulheres negras, representamos uma minoria estruturalmente oprimida, lutamos a cada dia por nosso espaço de fala e de poder e, por isso, precisamos estar sempre vigilantes.

Hoje tenho medo, mas sei que estamos em revolução! 

Diariamente, visto meus trajes de guerra, travo batalhas contra o patriarcado que tenta me oprimir e doutrinar, tudo isso porque hoje minha motivação é você.  

Não sei quem você vai se tornar, mas preciso me assegurar de que você poderá escolher sua melhor faceta. 

Alegro-me ao pensar que não estou só nessa luta. Na madrugada, enquanto te amamento, vejo luzes acesas em outros lares e tenho a certeza de que não estou sozinha, não estamos sozinhas. 

Somos plural e estamos todas em uma só!

Assim, me vejo naquela mãe que, ao voltar ao mercado de trabalho, optou por desafiar a lei da física de que um corpo não ocupa dois lugares no espaço ao mesmo tempo, mas reverencio a companheira que decidiu se dedicar com exclusividade à nobre tarefa de formação de um ser humano. 

Caminho ao lado daquele que escolhi para ser meu parceiro, mas rendo todas as minhas homenagens àquelas que decidiram exercer sozinhas sua maternidade. 

Por circunstância, não tive um parto natural, mas me vejo na obrigação de garantir que todas possam parir da maneira que quiserem e que eufemismos não sejam permitidos, pois violência obstétrica não passará, enquanto estivermos juntas. 

Minha luta é pela mãe que amamenta, pela que prefere não fazê-lo, pela mãe da periferia e também pela mais favorecida, pois hoje sei que as dores e as alegrias da maternidade acompanham a nós todas.  

Enquanto mães e mulheres, somos muitas. Sigo defendendo a mim, a você e a todas nós na esperança de que seu dia chegue, se assim você o quiser, e eu possa finalmente saber quem vai ser você.  

Sarah Cecília Raulino Coly

Sócia da LBS Advogados
E-mail: sarah.coly@lbs.adv.br

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