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No 1º de maio, uma reflexão sobre o direito fundamental ao trabalho

Antes de iniciar nossa análise, uma dúvida: falamos Dia do Trabalho ou Dia do Trabalhador?

A origem do dia 1º de maio remonta a Chicago dos idos do século XIX, cidade americana símbolo do nascente capitalismo yankee. Embora tenha havido enorme crescimento da economia norte-americana durante esse período, a história nos mostra que o desenvolvimento americano decorreu de relações desumanas, sustentada na classe operária, cuja força de trabalho era superexplorada, diante da total ausência de condições dignas para o exercício da atividade laborativa. A título exemplificativo dos abusos, destacam-se, de forma negativa, as jornadas de trabalho absurdamente excessivas, chegando a 18 horas por dia, além das condições totalmente insalubres e sem os equipamentos de proteção.

Foi nesse cenário de profunda degradação da relação entre a classe trabalhadora e o Estado capitalista que se iniciou uma onda de protestos na industrial Chicago, atingindo seu ápice de efervescência no dia 1º de maio de 1886, quando cerca de 340 mil operários saíram às ruas para exigir a redução da jornada de trabalho, com a paralisação de mais de 5 mil fábricas. Com a força do movimento grevista, o patronato cedeu à pressão e à mobilização. Estima-se que antes do fim de 1886, 1 milhão de trabalhadores já gozavam da jornada de 8 horas diárias.[1]  

A vitória da classe trabalhadora foi conquistada a duras penas, já que diversos operários foram mortos, feridos ou torturados na prisão, incluindo oitos líderes do movimento grevista, presos e levados a julgamento, sendo três deles condenados à prisão e os outros cinco condenados à pena de morte. Assim, com a ideia de prestar tributo aos “Mártires de Chicago”, o Congresso Operário da Segunda Internacional, realizado em Paris em 1889, fixou o 1º de maio como Dia Internacional do Trabalho.[2]  

No Brasil, a simbologia do 1º de maio ganha força com a instituição da Lei nº 5.452/1943, que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, legislação extremamente avançada para a época de sua promulgação. Também é importante ressaltar que o salário-mínimo no Brasil foi regulamentado em 1º de maio de 1936 [3] , sete anos antes da criação da CLT.

Assim, respondendo à indagação inicial, tem-se que o termo mais consentâneo para o 1º de Maio é Dia do Trabalhador, já que a data rememora, todos os anos, a luta histórica dos trabalhadores por melhores condições de vida e de trabalho, representando a conquista de direitos e o fortalecimento da classe trabalhadora, pilar mais fraco da relação empregatícia.

Em que pese a assertiva de que o 1º de Maio é Dia do Trabalhador, percebe-se claramente o caráter intrínseco entre o trabalho e a pessoa humana – um não existe sem o outro. 

De acordo com Leonardo Vieira Wandelli [4] , “O direito ao trabalho é o mais importante e talvez o menos efetivo dos direitos fundamentais”. O estudioso prossegue no raciocínio indicando que “há cada vez mais evidências científicas de que o trabalho é central na vida das pessoas, pois, se dele pode resultar o pior, em termos de adoecimento, acidentes, alienação, perda de dignidade, exploração, também é certo que o trabalho é indispensável para que possa suceder o melhor, em termos de construção da identidade, da saúde psíquica, formação de relações de solidariedade, participação útil na sociedade”.

Partindo da premissa de que o direito ao trabalho é um direito fundamental, cita-se inicialmente o art. 23, I, da Declaração Universal dos Direitos Humanos [5] , cujo texto estabelece que “todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”. Na mesma linha, a Constituição de 1988, em seu art. 6º, concretiza o trabalho como um direito social fundamental. A Carta Magna prevê ainda, em seu art. 170, que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano, bem como que a ordem social nacional tem como base o primado do trabalho (art. 193).

Mesmo sob forte proteção constitucional, há claras dificuldades para a efetivação plena desse imprescindível direito social.  No Brasil contemporâneo, a relação umbilical entre trabalho e trabalhador sofre forte deterioração, acentuada, sobretudo, pela volta do neoliberalismo ao país.  

A Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), imposta a fórceps aos trabalhadores, é claro exemplo disso. O “remédio para o fim do desemprego” não gerou resultados, não servindo nem de placebo, pois, diferentemente do fármaco, que é inerte, a Reforma Trabalhista se mostra transgressora, visto que reduziu os já escassos direitos trabalhistas, seja no âmbito individual – caso das novas modalidades contratuais, seja no âmbito coletivo, com ataques aos sindicatos, objetivando seu enfraquecimento.

Não obstante o advento da Reforma, cercada pela delirante promessa de criação de dois milhões empregos formais, o que se vê no dia a dia é justamente o inverso. Distante do pleno emprego, vivenciado em um passado não muito distante, pesquisa recente mostra que a taxa de desempregados aumentou, ficando em 12%, o que em números absolutos dá um total de 12,7 milhões de trabalhadores [6] .  Ainda, estudo do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) aponta que o trabalhador brasileiro teve perde salarial com a Reforma Trabalhista. [7]  Os referidos dados negativos evidenciam uma óbvia conclusão: reduzir direitos não gera empregos!

O mote da precarização dos direitos sociais não é problema exclusivo do Brasil. Antônio Baylos [8] , importante jurista espanhol, aponta que a crise global de 2008, agravada em 2010 pela crise do euro “atingiu em cheio o direito do trabalho, como construção teórica e como sistema normativo”. Na Espanha, seu país natal, “as reformas alteraram fortemente o chamado modelo democrático e constitucional das relações de trabalho. Foi imposta uma norma de classe que se desenvolve em uma clara direção depreciativa e degradante dos direitos individuais e coletivos dos trabalhadores”. O “recorte” da Reforma Trabalhista espanhola é similar ao verificado em outros países europeus, como a Itália, e, mais recentemente a França.

No Brasil, a crescente desestruturação dos direitos sociais – notadamente o direito ao trabalho, somada ao desempenho pífio da economia nacional –, vem provocando o crescimento vertiginoso do fenômeno da uberização, fincado na exploração da mão de obra, sob a falsa premissa do “seja seu próprio chefe”. Estima-se que a massa de autônomos a serviço de aplicativos como Uber, Ifood, Rappi e Cabify chegue a quase 4 milhões de trabalhadores. [9]  Não esqueçamos, ainda, dos impactos da denominada 4a Revolução Industrial em curso, que afeta diretamente a forma de produção e os modelos de negócios, substituindo o trabalhador – humano – por máquinas, robôs e automação.

Outro ponto de destaque é o impacto do já combalido mercado de trabalho brasileiro na Previdência Social. Estudo elaborado pelo CESIT [10]  aponta cenário de perda de R$ 30 bilhões ao ano na Previdência Social, ante os impactos da Reforma Trabalhista. De igual modo, o IBGE, ao divulgar os resultados de 2018 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), aponta diminuição das contribuições previdenciárias e o aumento da informalidade no mercado de trabalho, o que diminui a participação de contribuintes para a Previdência. [11] A combinação desses dados endossa a tese de que o problema real da Previdência não é o suposto rombo nas contas públicas e sim a queda da arrecadação, associada ao desemprego, à informalidade e à redução do valor da contribuição previdenciária daqueles empregados contratados sob novos modelos.

Previdência Social e o trabalho, portanto, entrelaçam-se, o que endossa a tese de inconformidade com a Reforma da Previdência. À vista disso, Marilane Oliveira Teixeira aponta que “a Reforma da Previdência só fará agravar ainda mais o frágil mercado de trabalho brasileiro em que a formalização e a proteção social convivem lado a lado com a ilegalidade, a precariedade e a vulnerabilidade social”. [12]   

Nessa enunciação, a ausência de emprego se materializa como a face primeira e mais cruel da negação aos direitos sociais. A lógica aqui colocada é clara e impiedosa: sem trabalho, o indivíduo fica impossibilitado de acessar outros direitos essenciais, como, saúde, educação e a seguridade social.

O direito ao trabalho se encontra ameaçado em seus mais diversos aspectos. Relembrar a trajetória de lutas da classe trabalhadora é preciso, para que não nos esqueçamos das ampliações dos direitos sociais, conquistados a duras penas. O momento atual pede resistência, pela manutenção dos direitos, tendo como horizonte a efetiva concretização do direito fundamental ao trabalho. 

REFERÊNCIAS

  [1] Disponível em: <https://www.cut.org.br/noticias/a-origem-e-o-significado-do-1-de-maio-a819>. Acesso em 28/04/2019.

[2] Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/01/internacional/1462078570_224431.html>. Acesso em 28/04/2019.

[3] Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2010/01/salario-minimo>. Acesso em 28/04/2019.

 [4] Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-direito/o-direito-humano-e-fundamental-ao-trabalho-2pd29rb9n08qw3vkj5219lgem/>. Acesso em 28/04/2019.

  [5] Disponível em: <https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/>. Acesso em 28/04/2019.

  [6] Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/economia/desemprego-sobe-e-atinge-127-milhoes-de-trabalhadores/>. Acesso em 28/04/2019.

  [7] Disponível em: <https://www.valor.com.br/brasil/5635495/empregado-teve-perda-de-salario-com-reforma-trabalhista-diz-diap>. Acesso em 28/04/2019.

  [8] BAYLOS, Antonio. Crise do direito do trabalho, crise no direito do trabalho. Tradução: Nathaniel Figueiredo. Disponível em: <http://www.dmtemdebate.com.br/crise-do-direito-do-trabalho-crise-no-direito-do-trabalho/>. Acesso em 28/04/2019.

[9] Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2019/04/28/internas_economia,752032/aplicativos-como-ber-e-ifood-sao-fonte-de-renda-de-quase-4-milhoes-de.shtml>. Acesso em 28/04/2019.

  [10] Disponível em: <https://iree.org.br/reforma-da-previdencia-que-futuro-queremos/>. Acesso em 28/04/2019.

[11] Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2019/02/informalidade-tambem-puxa-para-baixo-contribuicoes-a-previdencia>. Acesso em 28/04/2019.

  [12] Disponível em: <https://radiopeaobrasil.com.br/colunistas/a-desestruturacao-do-mercado-de-trabalho-e-o-desmonte-previdenciario/>. Acesso em 28/04/2019.

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