• Fale com a gente

Que mulheres me representam?

Começarei o presente artigo incitando-os a realizarem breve exercício: com seu celular em mãos, abra o Google Imagens[1],  observe cada imagem, elas serão importantes para refletirmos sobre alguns conceitos. Agora digite, não necessariamente nessa ordem, as palavras chaves: composição desembargadores TJ São Paulo. Novamente, agora, busque pelas seguintes palavras chaves: composição ministérios governo Bolsonaro. Mais uma vez, escreva: lista dos 15 livros mais vendidos no Brasil 2019. Por fim, digite: mulheres presidentes dos Estados Unidos.

Algo chamou sua atenção nas imagens? Não? Bom, vamos pensar a respeito dos significados que elas nos trazem, e o que todas elas têm em comum, apesar de parecerem (aparentemente) distintas.

A primeira foto[2], com a composição dos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, mostra que mais de 90% é formada de homens. É possível contar apenas oito mulheres. Nenhuma delas negra. A próxima foto[3] mostra os escolhidos para ocuparem Ministérios no governo. Há apenas duas mulheres entre os 22 homens brancos da imagem (sim, não há nenhum negro). A outra imagem[4] revela que, dos quinze livros mais vendidos no Brasil de 2019, apenas duas autoras mulheres estão nesta lista. E de novo: a presença foi majoritariamente masculina. Agora a última e mais emblemática imagem. A presidência dos EUA: ao procurar no Google, só é possível localizar fotos de primeiras-damas. Nenhuma mulher até hoje foi alçada ao posto político do país mais influente do mundo[5].

São muitas perguntas que precisam ser respondidas.

De acordo com a representação dos locais ocupados pelas mulheres nas imagens sugeridas, percebe-se claro distanciamento dos espaços de concentração do poder na sociedade. Mulheres não possuem as competências desejáveis para ocupar cargos de maior responsabilidade nas organizações? Não produzem conteúdo literário de qualidade? Não têm condições de falar por si próprias? Ou existe algum sistema invisível que marginaliza e limita a atuação das mulheres a alçarem a posições de relevância política, participando de debates importantes na sociedade?

Dando enfoque à realidade brasileira, se as mulheres são 51,11%[6] da população, conforme dados do IBGE em 2019, por qual motivo nossa representatividade é tão pouco significativa nos cargos que envolvem a tomada de decisões, gestão e política? Um dos principais indicativos dessa disparidade entre homens e mulheres reside no fato de as mulheres, historicamente serem as responsáveis pelo papel de reprodução e dos cuidados com os filhos e o lar. Em pesquisa realizada no ano de 2016, apurou-se que as mulheres gastavam o dobro de horas dos homens com os cuidados domésticos[7]

As dificuldades enfrentadas pelas mulheres não se resumem à dupla carga de trabalho. Um estudo produzido em 2019 pela OXFAM[8] mostrou que os trabalhos de cuidado não remunerados realizados pelas mulheres ao redor do mundo, acaso fossem pagom, importaria no acréscimo de um total de US$ 10,8 trilhões por ano à economia global.

Todos estes estudos mostram que o trabalho feminino é sub-valorizado. E o futuro não é animador. Mulheres cumprem dupla jornada e ganham em média 30% a menos que os homens. A Reforma da Previdência (EC nº 103/2019) alterou para 62 anos a idade mínima para aposentadoria para as mulheres, sem qualquer estudo ou critério lógico. Temos um presidente que afirma que não empregaria uma mulher com o mesmo salário de um homem[9]. Os ataques à nossa inteligência e competência são diários. Em recente sessão legislativa ocorrida na Câmara de Vereadores do município de Campinas, o vereador Edison Ribeiro (PSL)[10] afirmou que mães deixam filhos na creche para “fofocar”.

Acredito que os homens que manifestam esse tipo de pensamento que desvaloriza o trabalho feminino não notam o serviço invisível das mulheres à sua volta. A roupa está sempre limpa e passada, a mesa do café sempre posta, o chão sempre limpo e lustroso.

Respondemos: nós sabemos exatamente qual é o nosso valor. Não iremos nos calar. É chegada a hora de darmos as mãos. E nos impor contra essa engrenagem social que nos coloca sempre um degrau abaixo dos homens, não importando o quão qualificadas nos mostremos. É chegado o momento de nos impor, pois a sociedade não opera sem o nosso esforço.

As notícias em destaque nos despertam a necessidade de avaliarmos melhor nossas escolhas políticas, que impactam diretamente em nossa vida, de nossa família e nas políticas públicas e legislações que nos dizem respeito. Se nós não votamos nem elegemos mulheres para cargos políticos, como esperamos nos sentir representadas pelos homens que estão no poder?

Acabamos de celebrar mais um dia 8 de março. Essa data é pautada internacionalmente pelas lutas das operárias mulheres em prol de melhores condições de trabalho e conquista de direitos sociais[11]. Celebrar? Parece-nos que essa não é a palavra mais adequada para representar este dia, na ótica das trabalhadoras, chefes de família, mães, negras, brancas, indígenas, trans, que diariamente necessitam transpor obstáculos que estão inseridos na estrutura da sociedade.

A mensagem transmitida neste dia clama pelo nosso retorno às raízes. Precisamos resgatar a união, a solidariedade entre as mulheres. A sororidade[12]. Devemos disputar os espaços públicos, colocando em pauta nossas demandas. Precisamos nos unir em prol de mudanças que irão gerar impactos positivos em nossas condições de vida. Pautando nossas demandas por condições dignas de trabalho, moradia, saneamento, educação, dentre tantas outras, urgentes e necessárias. Uma igualdade real entre homens e mulheres somente será possível em um horizonte em que as mulheres se entendam e se apoiem mutuamente.  Esse sistema desigual e excludente não será superado se nós não nos colocarmos em oposição. Para avançar nas pautas sociais e políticas que afetam nossos direitos é preciso cruzar os braços, e resistir.

Mulheres à luta!

REFERÊNCIAS

[1] https://www.google.com/imghp

[2] Essas fotos de desembargadores ilustram como a meritocracia premia homens brancos. Disponível em: <http://www.justificando.com/2017/03/30/essas-fotos-de-desembargadores-ilustram-como-meritocracia-premia-homens-brancos/>. Acesso em: 16/02/2020.

[3] Saiba quem são os 22 ministros de Jair Bolsonaro. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/saiba-quem-sao-os-22-ministros-de-jair-bolsonaro/>. Acesso em: 16/02/2020.

[4] Os livros mais vendidos de 2019 no País. Disponível em: <https://www.diariodaregiao.com.br/_conteudo/2020/01/cultura/literatura/1179964-os-livros-mais-vendidos-de-2019-no-pais.html>. Acesso em: 16/02/2020.

[5] FELLET, João. Por que os EUA jamais tiveram uma presidente mulher? Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-36495798>. Acesso em: 16/02/2020.

[6]IBGE. Projeções e estimativas da população do Brasil e das Unidades da Federação. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html?utm_source=portal&utm_medium=popclock&utm_campaign=novo_popclock>. Acesso em: 16/02/2020.

[7] SOUSA, Luana Passos de. A desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estudos Avançados, São Paulo, v. 87, n. 30, p.123-139, 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v30n87/0103-4014-ea-30-87-00123.pdf>. Acesso em: 05/03/2020.

[8] OXFAM. Tempo de Cuidar. Disponível em: <https://oxfam.org.br/justica-social-e-economica/forum-economico-de-davos/tempo-de-cuidar/>. Acesso em: 05/03/2020.

[9] Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?time_continue=2&v=rstRfaGJqyY&feature=emb_title>. Acesso em 05/03/2020

[10] Disponível em: <https://www.acidadeon.com/campinas/politica/nevio-archibald/NOT,0,0,1489939,vereador+diz+que+maes+deixam+filhos+na+creche+para+fofocar.aspx?utm_source=whatsapp&utm_medium=link_whatsapp&utm_campaign=compartilha_noticias_id_undefined>. Acesso em 05/03/2020.

[11] DIA Internacional da Mulher: a origem operária do 8 de Março. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43324887. Acesso em: 09/03/2020.

[12] Relação de irmandade, união, afeto ou amizade entre mulheres, assemelhando-se àquela estabelecida entre irmãs. (https://www.dicio.com.br/sororidade/)

Fernanda Sales de Carvalho

Advogada da LBS Advogados
E-mail: fernanda.carvalho@lbs.adv.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.