• Fale com a gente

Trabalho infantil: deixaremos de evoluir?

No dia 12 de junho, comemora-se o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil. O tema de 2019, do Fórum Nacional de Prevenção à Erradicação do Trabalho infantil, é “Criança não deve trabalhar, infância é para sonhar”. O objetivo da campanha é sensibilizar e motivar uma reflexão da sociedade sobre as consequências do trabalho infantil e a importância de garantir às crianças e aos adolescentes o direito de brincar, estudar e sonhar, vivências que são próprias da infância e que constituem fatores decisivos para o seu desenvolvimento.[1]

Pode-se definir como trabalho infantil aquele em que as crianças ou adolescentes são obrigadas a efetuar qualquer tipo de atividade econômica, regular, remunerada ou não, que afete seu bem-estar e o desenvolvimento físico, psíquico, moral e social. São atividades que privam crianças e adolescentes de experiências e vivências próprias de suas idades, como estudar e brincar. É a imposição de carga de responsabilidade desproporcional em tal faixa etária de idade, além de exercer atividades inadequadas a sua estrutura física e psicológica, colocando sua saúde e segurança em risco.

Nos moldes do artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considera-se criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescentes aquelas entre 12 e 18 anos de idade. A Constituição federal proíbe para os menores de 14 anos a execução de qualquer trabalho, salvo na condição de aprendiz. No caso das atividades de aprendizagem, o trabalho não pode ser noturno, perigoso ou insalubre, mesmo para os maiores de 16 e menores de 18 anos. As atividades de aprendizagem também não devem prejudicar a frequência nem os rendimentos escolares dos adolescentes.[2]

Tal proibição é reforçada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que restringe a possibilidade de trabalho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. O direito à profissionalização e proteção no trabalho para os aprendizes também está disposto no ECA.[3]

Infelizmente, ainda em 2019, a mão de obra de crianças e adolescentes é explorada indiscriminadamente. Há crianças pedindo dinheiro ou vendendo produtos nas ruas e nos semáforos, recolhendo lixo, trabalhando em feiras, restaurantes, no campo, em indústrias ou dentro de casa, lugares, na maioria, onde a fiscalização quase nunca ocorre. Além de trabalharem em atividades ilícitas, com tráfico de drogas e exploração sexual, consideradas como uma das piores formas de trabalho infantil.

 

De acordo com o IBGE, responsável pela Pesquisa Nacional de Amostragem de Domicílio (PNAD)[4], desde 1992, o número de crianças e adolescentes que trabalham no Brasil vem diminuindo, mesmo assim, continuamos com número elevado de crianças e adolescentes que estão trocando suas infâncias, brincadeiras e sonhos por uma rotina exaustiva de trabalho.

Pela pesquisa acima citada, de 1992 a 2015, houve uma redução de 62,62%, equivalente a 5.101 milhões. Mesmo com uma grande redução, em 2015, ainda contávamos com 2,7 milhões de crianças e adolescentes trabalhando. A mesma pesquisa também apurou que a Região Nordeste tem maior índice (33%), seguido pela Região Sudeste (28,8%), Sul (16,1%), Norte (14,9%) e Centro-Oeste (7,5%). Chegou-se, ainda, à conclusão de que 66,2% das crianças e adolescentes são pretos/partos, ao passo que 33,3% são brancos e 0,3% indígenas. 

Ou seja, a maioria das crianças é negra, vive em família sem renda ou com baixa renda, sendo que os adultos das famílias têm baixa escolaridade. Pode-se entender, portanto, que o trabalho infantil é uma reprodução do que as crianças vivem em casa, dando continuidade à pobreza e à discriminação social. Muitas iniciam o trabalho para ajudar no sustento pessoal e de sua família, bem como para ter acesso a bens de consumo.

O Mistério da Saúde, entre 2007 a 2013, apurou que cerca de 13.730 crianças e adolescentes se acidentaram no trabalho, resultando em mutilações, amputações e doenças graves. Além disso, dentre os acidentados, 119 morreram trabalhando. Restou ainda comprovado que elas se acidentam duas vezes mais que os adultos.

Nos últimos anos, não obstante, houve grande avanço na erradicação do trabalho infantil. Os governos passados fortaleceram as fiscalizações, criando projetos, ajudando entidades e fortalecendo o reforço escolar e atividades culturais.

Atualmente, porém, após a mudança de governo, é possível observar movimento que dá a entender que o objetivo é legalizar o trabalho infantil. Já houve diversas declarações sinalizando a supressão do ECA, o que significa um retrocesso das poucas garantias de segurança à saúde e bem-estar de nossas crianças e adolescentes.

O Decreto n° 9.759, de 11 de abril de 2019, é outro exemplo, ao prever a extinção e estabelecer diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal que não tenham sido criados por lei. No prazo de 60 dias, cada um teria de justificar a sua existência. Dentre os conselhos atingidos está o Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil.

Na mesma linha, o líder do PSL na Câmara dos Deputados, Delegado Waldir, defendeu que adolescentes devem trabalhar a partir dos 12 anos de idade. Segundo ele, tal prática reduzirá a mortalidade da juventude nessa faixa etária.[5]

É inadmissível que posturas dessa envergadura ocorram sem nenhuma resistência da sociedade. A pergunta inevitável que se faz é: quem esse governo está representando?

E válido, ainda, outro questionamento: será que quando contratamos uma empregada doméstica e ela deixa o seu filho de 10 anos em casa cuidando dos menores, ou quando compramos uma balinha de uma criança no semáforo ou, até mesmo, quando adquirimos algum bem, sabendo que há grande possibilidade de ter sido fabricado por crianças, não estamos contribuindo para a manutenção do trabalho infantil? 

Infelizmente, nenhuma legislação ainda foi capaz de dizer como se faz para ter na mesa um prato de comida todos os dias. Por isso, para muitas crianças, entre ter o que brincar, estudar e comer, a opção escolhida é a proibida.

Ainda há muito que ser feito. Para chegarmos a um país ideal, é preciso a participação da população, responsabilidade e comprometimento do Estado e, principalmente, das famílias, que devem juntos zelar pelas nossas crianças

REFERÊNCIAS

[1] Disponível em <https://fnpeti.org.br/12dejunho/#trabalho-infantil>. Acesso em 09/06/2019.

[2] Artigo 7°, inciso XXXIII, da Constituição federal.

[3] Artigo 403 da CLT e artigo 60 do ECA.

[4]  Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2018/novembro/lancado-3o-plano-nacional-de-prevencao-e-erradicacao-do-trabalho-infantil/copy_of_PlanoNacionalversosite.pdf>. Acesso em 09/06/2019.

[5] Disponível em: <https://www.bol.uol.com.br/noticias/2019/04/10/lider-do-psl-defende-liberar-trabalho-para-adolescente-a-partir-de-12-anos.htm>. Acesso em 09/06/2019.

Samantha Braga Guedes

Sócia da LBS Advogados
E-mail: samantha.guedes@lbs.adv.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.