• Fale com a gente

Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha – Não seremos silenciadas, nem esquecidas

Hoje, dia 25 de julho, é comemorado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. O que torna essa data especial? O que une as mulheres negras latino-americanas e caribenhas?

Para responder a tais questionamentos, seria necessário adentrar profundamente na história de luta, de sobrevivência e de reconhecimento que vem sendo travada pelas mulheres negras desde que nossas ancestrais, vindas de outro continente, desembarcaram nas colônias europeias que hoje são nosso lar.

Além da história, a arte de escrever e ler versos também é capaz de traduzir em poucas linhas o significado mais profundo sobre qualquer tema. Por isso, trouxemos o poema “Vozes-Mulheres”, de Conceição Evaristo[1], e nos atreveremos a dialogar com cada uma de suas estrofes, explicando a importância e a história do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

“Vozes-Mulheres”

A voz de minha bisavó

ecoou criança

nos porões do navio.

ecoou lamentos

de uma infância perdida.

A voz de minha avó

ecoou obediência

aos brancos-donos de tudo.

Em um passado não tão distante, no período escravocrata, formaram-se os quilombos, que eram organizações políticas de resistência e enfrentamento à escravidão.

Dentre os muitos quilombos que existiram e resistiram, o Quilombo do Quariterê no Mato Grosso tem total relevância para a discussão da data de hoje, porque foi liderado por Tereza de Benguela. O quilombo contava com aproximadamente 79 pessoas negras e 30 indígenas e resistiu à escravidão por duas décadas, até ser destruído em 1770, quando a população foi brutalmente assassinada ou aprisionada.

Por isso, no Brasil, o dia 25 de julho também marca o Dia da Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

Diante de todo o contexto de desigualdade social, preconceito, ausência de oportunidades, violência e precarização da vida das mulheres negras, em 1992 foi realizado o 1º Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, sediado na República Dominicana, pela Organização das Nações Unidas. O encontro é importante marco histórico para a instituição da data hoje comemorada.

Naquela oportunidade, 70 países se reuniram para tratar dos resultados concretos do racismo estrutural decorrente de processos escravocratas e colonialistas. A data marca a luta internacional por resistência e visibilidade das pautas das mulheres negras. Importa dizer ainda que, naquela época, o Brasil foi considerado o país com maior número de feminicídio[2] de mulheres negras entre os 25 países analisados. 

A voz de minha mãe

ecoou baixinho revolta

no fundo das cozinhas alheias

debaixo das trouxas

roupagens sujas dos brancos

pelo caminho empoeirado

rumo à favela

Não obstante todas as contribuições históricas e sociais das mulheres negras, elas continuam sendo a base da pirâmide de exclusão social. O trecho acima ilustra o fato de que as mulheres negras “serviram” aos seus senhores no período colonial e, após a pseudo-abolição, transformaram-se em domésticas, saíram das senzalas e entram nas favelas. Carolina Maria de Jesus, no livro “Quarto de Despejo”, afrma: “Nós somos pobres, viemos para as margens dos rios. As margens do rio são os lugares do lixo e dos marginais”.

Além disso, há que se ter em conta que as mulheres negras estão mais sujeitas à violência sexual e doméstica. Segundo dados da Rede de Observatórios da Segurança (UFBA), em 2017, as mulheres negras representaram 73% dos casos de violência sexual e 68% da população encarcerada no Brasil.

A minha voz ainda

ecoa versos perplexos

com rimas de sangue

E fome.

A voz de minha filha

recolhe todas as nossas vozes

recolhe em si

as vozes mudas caladas

engasgadas nas gargantas.

De 1992 para cá, pouca coisa mudou. O racismo estrutural permanece arraigado na América Latina e Caribe e, por isso, as mulheres negras continuam sendo invisibilizadas e segregadas, até mesmo sob o aspecto histórico e cultural.

Até pouco tempo, as vozes das mulheres negras estavam completamente “mudas, caladas, engasgadas nas gargantas” e eram reduzidas ao nada por falas aparentemente amistosas do tipo “Não existe racismo no Brasil”, “A minha empregada é negra e ela é quase da família”, ou “Não estudou porque não quis”.

A voz de minha filha

recolhe em si

a fala e o ato.

O ontem – o hoje – o agora.

Na voz de minha filha

se fará ouvir a ressonância

O eco da vida-liberdade.

Hoje, as amarras que ainda impõem diferenças e obstáculos às mulheres negras não mais têm o peso do ferro entre os pescoços e tornozelos, mas sim o peso do sustento e da chefia de famílias, da impossibilidade de acesso a direitos básicos, tais como saúde, moradia e saneamento. Ou seja, o peso do preconceito racial permanece impedindo a transformação da realidade daquelas que há muito vivem à margem da sociedade.  

Mas as nossas vozes ecoarão continuamente até que a tão sonhada cidadania seja concretizada. Queremos que as nossas antepassadas sejam relembradas e celebradas por terem participado ativamente da construção do Brasil. Queremos que os nossos corpos sejam respeitados, porque, ao contrário do que foi reproduzido, nós não somos disponíveis. Queremos que as nossas dores, físicas ou emocionais, sejam devidamente tratadas e curadas.

Não queremos e não podemos ser silenciadas, exterminadas e massacradas diariamente!  

É responsabilidade de cada um de nós lutarmos para que as Terezas, Marielles, Mirtes, Terezinhas de Jesus e Marias não sejam apenas um dígito a mais para a conta do racismo estrutural.

Que o dia de hoje nos faça lembrar que é preciso sair da inércia e do ativismo virtual e nos esforçar para a concretização de políticas públicas e sociais para que vidas e histórias de mulheres e pessoas negras realmente importem!

REFERÊNCIAS

[1] Maria da Conceição Evaristo de Brito é uma grande expoente da literatura contemporânea, romancista, poeta e contista, homenageada como Personalidade Literária do Ano pelo Prêmio Jabuti 2019 e vencedora do Prêmio Jabuti 2015. Além disso, Conceição Evaristo também é pesquisadora na área de literatura comparada e trabalhou como professora na rede pública fluminense.

[2] Ainda não havia a tipificação penal do homicídio de mulheres à época.

Gabriela Rocha Gomes

Advogada da LBS Advogados
E-mail: gabriela.gomes@lbs.adv.br

Sandriele Fernandes dos Reis

Advogada da LBS Advogados
E-mail: sandriele.reis@lbs.adv.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.