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O que a sociedade precisa saber sobre a Reforma Administrativa

A Reforma Administrativa, PEC nº 32/20, está em trâmite no Congresso Nacional juntamente com vários projetos de lei que interferem na prestação dos serviços públicos.

Sabemos que a proposta abarca a ampliação dos poderes do presidente da República, altera princípios norteadores da administração pública e, principalmente, pode ser utilizada para reduzir salários e retirar a estabilidade das servidoras e dos servidores públicos.

Se, por um lado, a Reforma Administrativa importa àqueles que querem entrar no serviço público, aos que são servidores e empregados públicos e os que já se aposentaram, a verdade é que esse é um tema que afeta toda sociedade.

Sendo assim, a fim de contribuir com o debate, apresentaremos toda semana textos e vídeos com reflexões sobre o que a sociedade precisa saber sobre a Reforma, para a defesa de um serviço público profissionalizado e permanente.

Princípio da subsidiariedade: Estado como coadjuvante da vida pública

Para começar nossa série de textos, explicaremos neste o princípio da subsidiariedade.

Uma das características mais relevantes da Reforma Administrativa foi a inclusão da subsidiariedade no rol dos princípios norteadores da administração pública, no “caput” do art. 37 da Constituição federal.

Em meio a 3.557 termos utilizados na PEC, a subsidiariedade guarda a força e o tom que se buscou dar às mudanças propostas.

A concepção do princípio da subsidiariedade, no Brasil, tem berço no Ato Institucional nº 4 e na reforma administrativa do Decreto-Lei nº 200/1967, que previa atuação do Estado subsidiária à iniciativa privada. Naquela época, na economia se adotava um modelo ortodoxo em que buscavam conter o déficit público e combater inflação (coincidência, não?!) e implementou, como modelo de administração, a descentralização das atividades do Estado mediante a criação e fortalecimento das empresas públicas e autarquias.

No período anterior à Constituição Democrática de 1988, houve crescimento na atuação do Estado, via administração indireta e, após a Constituição, manteve-se essa estrutura com ampliação dos mecanismos de controle orçamentário, participação do Poder Legislativo e ampliação da transparência.

A atual Constituição, mesmo com todas as emendas, não recepcionou esse princípio. Além disso, atribuiu ao Estado o protagonismo na prestação de serviços públicos. É o que está descrito em seu art. 175, que deve sempre ser acompanhado da leitura do art. 6º, que estabelece os direitos de todos os brasileiros à educação, saúde, moradia, transporte, lazer, segurança e previdência, mediante atuação e regulamentação do Estado.

Atualmente, porém, o que implica alçar a subsidiariedade do Estado ao rol dos princípios norteadores da administração pública? Ao que tudo indica, busca-se relegar a atuação do Estado, na prestação dos serviços públicos, a mero coadjuvante.

Muitos administrativistas defendem que o princípio da subsidiariedade pressupõe respeito à autonomia de determinado órgão/ente quanto às suas competências, assegurando a atuação complementar por parte da União quando necessário, em decorrência da integração e autonomia típicas da Federação. Sob esse aspecto, a subsidiariedade seria algo positivo.

No entanto, ele pode, do ponto de vista de prestação de serviço público, limitar a atuação do Estado, para não abranger todos os cidadãos, mas tão somente aqueles que não possuem condições de alcançar determinado serviço, bem como relegar a atuação do Estado, oportunizando o protagonismo à iniciativa privada, ao modo da sua forma mais primitiva, que nasce no fascismo.

Esse princípio é o principal ponto dessa Reforma, já que, da leitura da PEC, percebe-se o caráter subsidiário que se pretende imprimir à União, para reduzir a atuação do Estado, com destaque a projetos típicos do neoliberalismo que entregam a prestação de serviço público, como saúde e educação, à iniciativa privada. Restará ao Estado o papel de mero “pagador de voucher” e a iniciativa privada a detentora da prestação de serviço.

O Chile e a Suécia, que adotam o sistema de voucher para educação, “registraram efeitos muito perniciosos, como o aumento da segregação socioeconômica e racial nas escolas e o aumento das desigualdades nos resultados educacionais de aprendizagem e trajetórias escolares”.[1]

A princípio, parece que não há nada de novo, mas a mudança é substancial. Um paradoxo ao Estado de bem-estar social, que tem como objetivo fundamental erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. É preciso consciência para não aceitar que se aprofunde ainda mais nossa desigualdade. A Constituição democrática elegeu o Estado como protagonista da vida pública, não mero coadjuvante, como se propõe.

Brasília, 26 de outubro de 2020.

REFERÊNCIA

[1] https://revistaeducacao.com.br/2019/10/08/vouchers-escolares/#:~:text=No%20estudo%2C%20diz%20que%20o,o%20Chile%20e%20Estados%20Unidos.&text=Segundo%20o%20seu%20estudo%2C%20a,forem%20implementados%20universalmente%20por%20l%C3%A1.

Camilla Galdino Cândido

Advogada da LBS Advogados
E-mail: camilla.candido@lbs.adv.br

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