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Os dados são os novos ricaços

“Roberto Medina é libertado após 15 dias de cativeiro”, dizia o título de uma reportagem publicada pelo “O Globo” no dia 22 de junho de 1990. “Sequestradores torturaram estudante”, informou outra matéria no dia 1º de dezembro de 1992. “Pai do atacante Romário é sequestrado na Vila da Penha”, contou o jornal carioca no dia 6 de maio de 1994, semanas antes da Copa do Mundo dos EUA.[1]

Ano de 2001, dois dias depois da libertação de sua filha Patrícia, o empresário Silvio Santos passa sete horas sequestrado dentro de sua casa por Fernando Dutra Pinto. O drama só terminou depois que o governador Geraldo Alckmin foi ao local garantir ao criminoso a sua integridade física.[2]

Os anos 90 e o início dos anos 2000 foram marcados pelos cinematográficos sequestros de ricaços conhecidos da mídia. Valores altíssimos foram entregues na mão de sequestradores para liberação das vítimas, no caso de Silvio Santos, o Governo do Estado de São Paulo se mobilizou para garantir a liberação do famoso.

Dia 3 de novembro de 2020: a moderna onda de sequestros é noticiada em todos os meios de comunicação: o Superior Tribunal de Justiça teve seus dados criptografados por “hackers” por meio de um ataque “ransomware”.

Hoje, 6 de novembro de 2020, são publicadas as primeiras notícias de que os “hackers” fizeram contato e pediram valores para “resgate” dos dados.

A sociedade sofreu uma inversão de seus valores econômicos. Hoje não é mais interessante sequestrar um ricaço, colocar sua vida em risco, ficar sob a mira da polícia e da mídia por um resgate milionário. O sequestro de dados é muito mais eficiente e drástico quanto aos prejuízos causados a um sem número de pessoas. Milhares de processos estão parados, informações de boa parte dos brasileiros estão “criptografadas”, a perda dos dados pode gerar um trabalho de anos de reconstrução de processos, decisões perdidas, andamentos interrompidos.

É irônico como esta “bomba” cai no mesmo ano em que, finalmente, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais entra em vigor. Não é possível evitar o trabalho dos “hackers”. Essas pessoas vivem de estudar formas de quebrar sistemas de segurança, mas é possível que toda pessoa jurídica, privada ou pública implemente medidas de proteção e privacidade de seus dados.

Não é muito difícil. Vejamos o que acontece no STJ: pelas poucas informações passadas, os “backups” ficavam salvos dentro do próprio servidor, portanto, ao invadir o sistema, foi muito fácil para o “hacker” quebrar toda a cadeia de acessos e informações. Qualquer pessoa sabe que guardar a chave reserva do carro dentro do próprio carro não é a coisa mais inteligente de se fazer e, mais dia, menos dia, você irá trancar o carro com a chave dentro e verá sua reserva igualmente inacessível.

A LGPD pode parecer um “bicho de sete cabeças”, mas, na verdade, ela representa uma mudança de paradigma, uma mudança na forma como pensamos e tratamos os dados. O ataque ao STJ é a prova disso!

Estamos sentados em cima de milhões de informações, seja de nossos clientes, de nossos parceiros, bem como fornecemos nossos dados para todos e qualquer um, mas não estamos nem um pouco preocupados com os alertas, já antigos, do uso de dados para fraudes, manipulação, crimes, sem falar nas incessantes e inoportunas ligações de “telemarketing”.

Precisamos descer dessa pilha de dados acumulados, jogar fora o que não tem necessidade, finalidade ou adequação e construir muros, minimamente altos, para evitar que sejamos as próximas vítimas.

Campinas, 6 de novembro de 2020.

REFERÊNCIAS

[1] Disponível em: <https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/rotina-de-sequestros-no-rio-marcou-anos-90-mudou-habitos-dos-mais-ricos-22730742>. Acesso em 06/11/2020.

[2] Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/inter/reuters/2002/02/03/ult27u18963.shl>. Acesso em 06/11/2020.

Ariane Elisa Gottardo Emke

Advogada da LBS Advogados
E-mail: ariane.gottardo@lbs.adv.br

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