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São Paulo, um encontro

Tobias chega feliz para trabalhar na sexta-feira, imaginei, algo vai fazer no final de semana, está ansioso, eufórico, mas, ao contrário da minha sensação, sua euforia era por ter ido no dia anterior para São Paulo. A primeira vez que foi à cidade.

 

Lembrei dos versos na música “São Paulo, São Paulo” do Premeditando o Breque, “é sempre lindo andar na cidade de São Paulo, o clima engana, a vida é grana em São Paulo”; enquanto Tobias contava que fez tudo rapidinho, que conseguiu conhecer o Itaquerão e ir à Vila Madalena. Me espantei ainda mais, quando ele anunciou que fez tudo isso num passeio de Metrô, às seis da tarde. Simplesmente circulou por três linhas do Metrô. Conheceu literalmente o sufoco que é viver em São Paulo, aquele da “japonesa loura, a nordestina moura de São Paulo, Gatinhas punks, um jeito yankee de São Paulo”. Nos túneis e trilhos do Metrô, passou pelos extremos da cidade, só conhecendo as marcas dos rostos. Elas são bem mais significantes que os prédios, as avenidas e os viadutos.

 

São Paulo é daquelas cidades que na sua loucura do trânsito, da lotação do transporte público, das mazelas sociais, você viaja pelo mundo em questão de horas, minutos, segundos. Você poderá estar em Nova Iorque, Paris, mas também nas misérias de Daca em Bangladesh ou Mogadíscio na Somália. A cidade é um choque!

 

Nas falas de Tobias, eu viajava na minha memória.

 

São Paulo sempre foi algo muito próximo e fascinante na minha vida. Adorava ir para a casa da minha tia Geni. Falar em ir para lá era festa! Um quarto e sala na Bela Vista, era motivo de celebração. A casa organizada, tudo no seu lugar para nós bagunçarmos sem bagunçar, com lembranças das viagens, as gavetas com um punhado de recordações da vida; mas ir para lá significava que em alguma hora almoçaríamos na Cantina D’Angelo; passearíamos na Brigadeiro Luiz Antônio; o prédio da Federação Paulista de Futebol; o teatro Paramount dos festivais; passaríamos na frente do Teatro Bandeirantes, onde a Elis cantou; com certeza a tia Geni estaria com as bombas de chocolate e creme da Confital preparadas para sobremesa. Liberdade, o Centro, tudo era grande, espantoso! Sonhava com o Pacaembu, o Morumbi, a Rua Javari. Pequenos prazeres e sonhos para marcar uma memória da infância.

 

Mas as lembranças não param, durante anos o destino em dezembro era a colônia de férias no Guarujá, e o desafio era ultrapassar São Paulo. Meu pai não gostava de mapas ou guias, uma paradinha, um “Por favor, como faço para pegar a Anchieta?”. Numa diversidade de caminhos, um era roteiro pelo Ipiranga; outro pela Lapa/Centro; até o labirinto Diadema. Esse foi o auge! Totalmente perdidos e espremidos dentro de um Fusca. Lógico que a teimosia era rememorada, virava discussão, folclore, diversão.

 

Nesse ritmo fui aguçando minha curiosidade em conhecer a cidade. A gente cresce, a cidade cresce, nela a vida é a contradição para odiar e amar.

 

O ódio é do quanto ela é desigual, o quanto se torna injusta. A música continua, “Não vá se incomodar com a fauna urbana de São Paulo; Pardais, baratas, ratos na Rota de São Paulo; E pra você criança muita diversão e poluição; Tomar um banho no Tietê ou ver TV”. Nesse caminho, o quinto mundo surge, pessoas vivendo de forma degradada, perseguidas como se fossem culpadas por assim viver, com os ratos da Rota gritando -“Polícia, aqui é autoridade”-, como se para estes bastaria um banho no Tietê.

 

Aliás, a cidade é muito música, é a do Criolo, onde não existe amor em SP, a do Premê, do Paulo Vanzolini, do Caetano, o que falar então do Adoniran, um lado onde arte e criação é brilho. Uma arte muitas vezes das ruas, que transforma o rude em poesia, na alegria de encontrar forças, “Pra quebrar a rotina num fim de semana em São Paulo, Lavar um carro comendo um churro é bom pra burro, Um ponto de partida pra subir na vida em São Paulo, Terraço Itália, Jaraguá, Viaduto do Chá”.

 

É incrível, mas viva a experiência de passar como o Caetano pela Ipiranga com São João. Você poderá se assustar, mas nada mais São Paulo que o entorno que se forma por essa esquina. Seus prédios, seus jardins, suas sujeiras, os sobreviventes do mundo por ali circulam, que gritam, falam alto, sorriem, ainda conseguem apesar de tudo sorrir.

 

Uma cidade que tem uma avenida para manifestar-se. Ela como um todo pode ser um grande protesto, mas se for na Paulista tudo ficará mais sério, até porque estaremos gritando do alto do planalto, a cidade toda vai ouvir ou vai parar com o nosso grito.

 

Nas alturas de seus prédios, alguns acreditam que estão construindo-a, mas se enganam, pois nos pixos, nos grafites, nos poetas e cantores das ruas, na comilança em qualquer canto da cidade, ela vai se modificando, vai se transformando, “Na grande cidade me realizar morando num BNH, Na periferia a fábrica escurece o dia, Na periferia a fábrica escurece”.

 

O pulsar da vida na cidade clareia o dia, até porque se eu perder esse trem que saí agora as 11 horas, só amanhã de manhã…

 

São Paulo, 25 de janeiro de 2022.

 

 

Eduardo Surian Matias

Sócio da LBS Advogados
E-mail: eduardo@lbs.adv.br

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