• Fale com a gente

A dependência química e o ambiente de trabalho

Quem nunca se estressou no trabalho? O ambiente de trabalho, muitas vezes, pode ser lugar estressante para o empregado, seja pela pressão psicológica para cumprir metas, seja pelo acúmulo de serviço e até mesmo pelo cansaço físico ou intelectual decorrente do esforço gasto em algumas atividades.

Na maioria das situações, tais fatores passam despercebidos pelos trabalhadores, que acreditam se tratar de consequência natural do ambiente de trabalho, amoldando-se à realidade vivenciada e submetendo-se às tais situações, até por questão de sobrevivência.

Em outros casos, os próprios trabalhadores reconhecem o desgaste emocional vivenciado, precisando “fugir” dessa realidade, a fim de diminuir a dor e o estresse.

O fato é que, independentemente do modo de percepção do trabalhador, as atividades e o ambiente  de trabalho em que está inserido demandam especial atenção, tendo em vista sua consequência direta à saúde e bem-estar.

Assim, é importante voltar especial atenção aos trabalhadores que utilizam medicamentos, drogas lícitas e ilícitas (psicotrópicos) e até mesmo o álcool como forma de “modificação dos estados de consciência”, na intenção de aliviar a carga da responsabilidade que se torna demasiadamente pesada[1].

O uso de drogas e o alcoolismo no ambiente laboral foram revelados por Engels já em 1845, em seu livro A situação da classe trabalhadora da Inglaterra, no qual evidenciava naquele início do capitalismo durante a 1ª Revolução Industrial a degradação do proletariado em meio às condições de trabalho, demonstrando o álcool como único refúgio da drástica situação em que se encontrava inserido.

Apesar das grandes mudanças no ambiente de trabalho, atualmente adentrando na Revolução 4.0, muitos trabalhadores continuam buscando refúgio nessas substâncias, na tentativa de “fugir” da realidade estressante,  que tanto os machucam e os sobrecarregam.

Com o passar do tempo, a reiterada utilização de tais substâncias faz com que os trabalhadores acabem adentrando em um ciclo vicioso, no qual a droga ou o álcool deixam de ser meio para lidar com suas dificuldades no ambiente laboral, passando a ser fim em si mesmos.[2]

O vício em tais substâncias acarreta prejuízos e consequências diretas na vida social do indivíduo, trazendo reflexos inclusive para seu ambiente de trabalho, sendo que, dificilmente sem a ajuda necessária, o indivíduo sairá ileso de tal situação.

Diante dessa realidade, algumas empresas estão investindo em programas internos sobre o uso indevido de álcool e de outras drogas como medida preventiva relacionada à saúde e à segurança dos trabalhadores, obtendo ganho social e inclusive financeiro, pois relatam a diminuição de acidentes de trabalho.

No entanto, a maioria das empresas não possui preocupação direta com o bem-estar do trabalhador, preferindo, nessas situações de doença, retirar tarefas, transferi-lo para outra unidade ou mesmo dispensá-lo em vez de auxiliar na superação da doença e vício.

Tal conduta, além de completamente discriminatória, viola expressamente a jurisprudência dos Tribunais, bem como a Súmula nº 443 do TST, que proíbe a dispensa discriminatória pelo estigma ou preconceito, no caso narrado, pela dependência em substâncias químicas ou alcoólicas. Vale aqui mencionar decisão do Tribunal Superior do Trabalho:

RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. 1. DEPENDÊNCIA QUÍMICA. ALCOOLISMO CRÔNICO. DISPENSA MERAMENTE ARBITRÁRIA DE EMPREGADO PORTADOR DA DOENÇA, AINDA QUE NÃO OCUPACIONAL. PRESUNÇÃO RELATIVA DE DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. REINTEGRAÇÃO. SÚMULA 443/TST. ATO DISCRIMINATÓRIO E JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL. (…). No caso concreto, é incontroverso que o Autor, há muitos anos, é portador da síndrome de dependência de álcool, encontrando-se, à época da dispensa, em fase de reabilitação, com acompanhamento psicoterápico e medicamentoso. Frise-se ainda que a doença era de conhecimento da empresa, que, inclusive, já havia manifestado a intenção de despedir o reclamante em razão da mesma. Consequentemente, presume-se discriminatória a dispensa, nos moldes do entendimento da Súmula 443/TST, sendo devida a reintegração do empregado. Recurso de revista não conhecido no aspecto. Processo: RR – 775-73.2013.5.04.0664 Data de Julgamento: 24/02/2016, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/02/2016

Outro ponto importante a ser tratado quanto ao tema saúde do trabalhador dependente químico é o limite ao poder diretivo do empregador especificamente quanto à exigência do exame toxicológico.

A atual jurisprudência tem entendido que somente as atividades que justifiquem o exame toxicológico permitem ao empregador exigi-lo. Exemplo disso é a atividade de motorista, a qual inclusive tem previsão legal no artigo 168, § 6º e 7º, da CLT.[3]

Já para outras categorias, como a dos trabalhadores marítimos, em especial trabalhadores contratados por empresas estrangeiras para trabalhar em cruzeiros no verão brasileiro, a jurisprudência tem sido unânime em não admitir o uso do exame toxicológico durante o contrato, entendendo se tratar de prática abusiva.[4]

Assim, a exigência do exame toxicológico deve estar fundamentada no risco da atividade laborativa, não podendo expor o trabalhador a situações vexatórias e discriminatórias, ainda mais em casos de doenças que demandam  atenção e tratamento.

A grande preocupação é quando o trabalhador não busca a ajuda necessária, escolhendo isolar-se em seus pensamentos negativos e abraçar o uso de substâncias ilícitas, ou álcool, sem qualquer respaldo inclusive do seu empregador.

O trabalhador nessas condições deve buscar ajuda de amigos, familiares, especialistas, além deseu sindicato de classe, frisando que a VIDA  não se resume à carga de trabalho a ele atribuída.

 

[1] LIMA, Maria Elizabeth Antunes. Dependência química e trabalho: uso funcional e disfuncional de drogas nos contextos laborais. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 35, n. 122, p.260-268, dez. 2010. FapUNIFESP (SciELO), p. 4

[2] Ibid., p. 6

[3] Artigo 168 da CLT –

§ 6º Serão exigidos exames toxicológicos, previamente à admissão e por ocasião do desligamento, quando se tratar de motorista profissional, assegurados o direito à contraprova em caso de resultado positivo e a confiabilidade dos resultados dos respectivos exames.

§ 7º Para os fins do disposto no §6º será obrigatório exame toxicológico com janela de detecção mínima de 90 (noventa) dias, específico para substâncias psicoativas que causam dependência ou comprovadamente, comprometem a capacidade de direção, podendo ser utilizada para essa finalidade o exame toxicológico previsto na lei 9.503 de 23.09.1997 – Código de Trânsito Brasileiro, desde que realizados nos últimos 60 dias. 

[4] (…) Como se não bastasse, para além dos exames admissionais exigidos do reclamante, ele alega, o que não foi contestado, que foi submetido a exame toxicológico para avaliação de eventual uso de drogas e álcool, sendo constrangido a realizar tal exame durante a viagem no departamento médico da reclamada, exame este cuja justificativa médica deveria estar amplamente demonstrada em razão de eventuais riscos individuais e coletivos, que de nenhuma forma podem ser presumidos. No particular e considerando que o art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, assegura a inviolabilidade da intimidade e o direito a indenização decorrente de sua violação, e tendo em vista o reconhecimento pela reclamada no que tange aos exames realizados sem a anuência do reclamante, caracterizada a abusividade da conduta patronal, o que enseja reparação correspondente. (…) TRT15 0001220-34.2010.5.15.0036

 

Matheus Cunha Girelli

Advogado da LBS Advogados
E-mail: matheus.girelli@lbs.adv.br

Luciana Lucena Baptista Barretto

Sócia da LBS Advogados
E-mail: luciana.barretto@lbs.adv.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.