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Mães não querem e não precisam padecer no paraíso

No hiato entre o dia do trabalhador (01/05) e o dia das mães (13/05) proponho uma reflexão sobre a maternidade. Embora intrínseca à condição humana, a capacidade da mulher de gerar vidas é extremamente desvalorizada pelo mercado de trabalho. E neste contexto, a possibilidade de engravidar é diferença preponderante entre homens e mulheres. Não raras vezes, a mulher, após tornar-se mãe, quando retorna ao mercado de trabalho, seja por necessidade ou desejo, tende a experimentar significativa desvantagem com relação aos homens/pais e mulheres que optaram por não ter filhos, com aprofundamento da desigualdade quando não se tem rede de apoio, nem incentivos.

Já é de domínio público que a desigualdade entre os gêneros no mercado de trabalho ocasiona ineficiência econômica, tanto é que países desenvolvidos buscam implementar políticas públicas para reduzi-las. Licença parental em que homens e/ou mulheres podem se dedicar com exclusividade aos cuidados com a criança recém-chegada; ampliação dos benefícios sociais, creches e escolas em período integral são alguns exemplos de políticas públicas adotadas em países como Dinamarca e Noruega. 

O Fundo Monetário Internacional reconhece que a força de trabalho feminina deve fazer parte na equação de crescimento e estabilidade das economias em desenvolvimento, além de ser um imperativo moral, nas palavras de Christine Lagarde, primeira Diretora executiva do FMI. 

Certo que indicadores econômicos seduzem as governanças a investigarem soluções para o problema apontado, cujas causas perpassam desde a escolaridade, discriminação, opção por áreas com menor remuneração, não se pode perder de vista que a busca por igualdade deve ser uma obrigação na vida de todo cidadão na luta por um Estado que proporcione bem-estar social. 

Deve-se destacar que a elevação da participação feminina no mercado de trabalho configura-se como um dos fenômenos mais marcantes ao longo das últimas décadas no Brasil , com duas implicações que devem ser observadas: 1) a sobrecarga de trabalho das mulheres já que as atividades domésticas e os cuidado com os filhos recaem sobremaneira para as mães – nesse sentido, estudos apontam que homens cumprem em média onze horas semanais de afazeres domésticos, enquanto entre as mulheres brasileiras a média é em torno de vinte e seis horas semanais -, e 2) O número significativo de mulheres que tem optado por não ter filhos, com redução na taxa de natalidade. 

Entre a sobrecarga de trabalho doméstico que impede a mulher de se dedicar em condição de igualdade com homens no mercado de trabalho e a opção à dedicação a carreira profissional em detrimento da reprodução faz sentido ao analisar o resultado de recente pesquisa que concluiu como principal causa da diferença de salário entre os gêneros o fato da mulher ter um filho. 

Reportagem da revista Vox Americana (publicada em 19/02/2018, leia aqui) destacou dados da pesquisa de Henrik Kleven, economista da Universidade de Princeton, que utilizou como estudo a Dinamarca – país com uma das redes de segurança social mais robustas do mundo. Lá, é oferecido aos novos pais um ano inteiro de licença remunerada após o nascimento de um filho. O governo disponibiliza  creches públicas para crianças menores de 3 anos, no equivalente a US $ 737 por mês.

No entanto, a Dinamarca tem uma lacuna salarial de gênero quase do mesmo tamanho que a dos Estados Unidos, onde as mulheres não têm os mesmos direitos. O economista encontrou um declínio acentuado nos ganhos das mulheres após o nascimento do primeiro filho – sem queda salarial comparável para os homens, bem como sem queda significativa para mulheres que não tinham filhos. O efeito cumulativo foi enorme: as mulheres acabam ganhando 20% menos do que seus colegas do sexo masculino ao longo de sua carreira.

A matéria é ilustrada com outro estudo, de 2009, liderado por Marianne Bertrand, da Universidade de Chicago. Nele, examinou-se os ganhos de milhares de graduados em faculdades de administração. Descobriu-se que no início da carreira homens e mulheres tinham salários similares, mas após nove anos os homens estavam ganhando 60% mais que as mulheres.

O economista Kleven conclui que fatores históricos como a diferença de escolaridade estão desaparecendo, mas que o único fator que não apresenta alteração é o efeito “filho” que tem se mostrado persistente e constante .

Em termos de política pública pela igualdade de gênero a Dinamarca e os países escandinavos estão anos luz a frente do Brasil e ainda assim apresenta como uma das principais causas da diferença remuneratória entre homens e mulheres a maternidade. Cada país precisa buscar uma forma de reduzir essa desigualdade, além disso, Angel Gurría, secretário-geral da OCDE, em um comunicado alerta que é preciso “mudar as políticas públicas ao mesmo tempo que os estereótipos, as atitudes e os comportamentos”.

No Brasil, parcos dias de licença paternidade dão o tom do desequilíbrio entre responsabilidade afetas ao pai e à mãe. As políticas públicas existentes não foram capazes de reduzir significativamente o abismo das diferenças.  Longe de alcançar padrão Dinamarca- que, conforme estudo apresentado não é, ainda, ideal- caminhamos a passos lentos na estruturação de políticas públicas que possibilitem os cuidados compartilhados, como licença mais extensa e dividida entre pais e mães, acesso às creches públicas, auxílio creche digno e até mesmo redução da jornada de trabalho, como política de incentivo de manutenção da mulher no mercado de trabalho nos primeiros anos de vida do filho.

A diminuição da natalidade aliada à maior escolaridade da população feminina vai exigir que o Estado brasileiro e o universo corporativo enfrentem suas deficiências nas políticas públicas voltadas à permanência, inserção ou reinserção da mulher no mercado de trabalho após a maternidade. Não se pode descartar essa valiosa mão de obra, assim como é necessário manter taxa de natalidade para manutenção econômica e previdenciária.

Reconhecer que vivemos um momento histórico complexo e contraditório, em que mulheres tentam equilibrar o desejo de se afirmar como protagonistas que constroem história junto com os homens, no âmbito econômico, político e social, e o desejo da maternidade e seu exercício pleno em relação ao acompanhamento do desenvolvimento dos filhos é uma tarefa que cabe a todos. É importante, além do apoio estrutural proporcionado pelo Estado, a divisão igualitárias das tarefas domésticas, o que significa uma mudança cultural, uma revolução dentro de cada lar.

Mães não querem e não precisam padecer no paraíso. Ou saímos do paraíso para uma maternidade possível aliada aos desafios do mercado de trabalho ou sugerimos que os pais entrem, e padeçam também, no paraíso!  

Referências

1) http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-41612016000100161

2) http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/mercadodetrabalho/170505_bmt_62.pdf

3) https://www.vox.com/2018/2/19/17018380/gender-wage-gap-childcare-penalty

Camilla Louise G. Cândido

Coordenadora Jurídica
E-mail: camilla.candido@lbs.adv.br

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