Demissão por Justa Causa nos Bancos Públicos

Na legislação brasileira são duas as formas de rescisão do contrato de trabalho pelo empregador. A primeira e mais comum é a demissão sem justa causa, caracterizada pela simples manifestação de vontade do empregador para que o contrato de trabalho seja extinto, sendo garantido pagamento de multa ao trabalhador. A outra forma, objeto do presente estudo, refere-se à demissão por justa causa.

A rescisão por justa causa é prevista no art. 482 da CLT e caracteriza-se pela ocorrência de falta grave pelo empregado. O dispositivo legal é taxativo nas hipóteses que geram a possibilidade da referida demissão. As alternativas para rescisão com justa causa dependem exclusivamente que o empregado tenha cometido:

a) Improbidade – ação desonesta do trabalhador. Exemplo: empregador furtar a empresa;

b) Incontinência – atitudes que desobedeçam expressamente os valores éticos da organização. Exemplo: o empregado realizar atos obscenos em frente aos demais colaboradores;

c) Negociação habitual – empregado que exerce atividade concorrente ou que prejudique o exercício da empresa. Exemplo: bancário prestar serviço a outro concessor de empréstimos;

d) Condenação criminal – empregado que esteja cumprindo pena sob a guarida do poder público. Observação: o trabalhador que ainda não foi condenado judicialmente não abarca a presente situação;

e) Desídia – empregado que constantemente pratica falta leves. Exemplo: empregado chegar atrasado rotineiramente;

f) Embriaguez habitual – utilização de psicotrópicos costumeiramente. Observação: a jurisprudência considera o vício como doença, o que impede a demissão na presente forma se comprovada essa natureza;

g) Violação de segredo da empresa – revelar segredo do negócio a pessoa que possa prejudicar a organização que labora. Observação: todos os bancários possuem tal obrigação prevista em lei;

h) Indisciplina ou insubordinação – empregado que desobedece regulamento da empresa ou que não obedece o determinado pelo seu chefe. Observação: o descumprimento à norma interna deve ser de fato relevante para que se torne falta grave;

i) Abandono de emprego – empregado que abandona o emprego por mais de 30 dias. Observação: a organização deve notificá-lo e convocar seu retorno;

j) Ofensas físicas – praticar violência física contra qualquer pessoa com a qual haja relação do emprego. Exemplo: bancário agredir fisicamente o cliente da instituição;

k) Lesão à honra – empregado que ofende a dignidade do colega de serviço. Observação: a justa causa deve levar em consideração os hábitos do ambiente do trabalho;

l) Jogos de azar – empregado que realiza jogos de aposta com o intuito de lograr algum lucro. Observação: são permitidos, por óbvio, os regulados por lei como a mega sena.

Conforme visto acima, as hipóteses para referida demissão são inúmeras, sendo que diversas delas são extremamente subjetivas. Por tal razão, imprescindível compreender que a justa causa se relaciona com a perda da confiança do empregador por uma conduta indevida do empregado. Vale esclarecer que a empresa deve comprovar a infração da falta grave apontada, pois a simples alegação não é crível, nem mesmo deixar ao empregado o ônus da prova, uma vez que a legislação determina que o fato deva ser comprovado por quem alega.

Superado o conceito e hipóteses, vem o presente trabalho esclarecer as especificidades da ocorrência de justa causa nos bancos públicos. A primeira e maior diferença da configuração do instituto deste estudo para os entes do Estado é a compreensão de que a administração pública é regida por princípios basilares constitucionalmente previstos.

O artigo 37 da Constituição Federal garante que as entidades do poder público estão regidas pelos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Nesse mesmo sentido, é necessário, ainda, que todos os atos realizados sejam devidamente motivados, ou seja, justificados e não podendo a decisão ter como argumento a simples vontade do gestor.

Por tal razão, a demissão por justa causa nos bancos públicos apenas pode ocorrer através de processo administrativo. O referido processo, por sua vez, está adstrito aos princípios do devido processo legal, garantindo amplo acesso ao processo pelo arrolado e o direito de resposta.

Exatamente nesse ponto reside a ilegalidade. O que se nota na prática da advocacia nos sindicatos e ações judiciais é que os bancos se negam a obedecer aos princípios supracitados. O Banco do Brasil, por exemplo, sequer permite que o arrolado tenha acesso ao processo, muitas vezes, inclusive, promovendo a demissão sem sequer explicar a razão da justa causa.

Outros bancos públicos, apesar de garantirem a defesa do arrolado e o acesso ao processo, emitem seu parecer conclusivo baseado em meras evidências, ignorando por completo os argumentos esposados pelo empregado em sua defesa, nem ao menos buscando provas necessárias para o enquadramento da rescisão por falta grave. Conforme exposto acima, os bancos em geral resistem a cumprir a legalidade e se negam a comprovar a falta alegada. A conduta do banco é repudiada no judiciário. O entendimento jurisprudencial é cristalino na necessidade de prova cabal para a demissão por justa causa.

A ilegalidade das demissões por falta grave é usual. O banco público ignora por completo os ditames determinados na legislação, age como se não fosse uma organização de todo povo brasileiro e refuta princípios básicos da organização do Estado, como os princípios do devido processo legal, da legalidade, da moralidade, da ampla defesa e do contraditório.

Em verdade, a punição do empregado é apenas mais uma forma de demonstrar quem detém o julgo do poder, mostrando que o regime nas instituições bancárias não permeia pelo campo da proteção aos direitos do empregado e das garantias de uma sistema de punição idôneo.

Os incontáveis casos que militamos em defesa de um processo administrativo dentro dos princípios basilares demonstram que o setor financeiro permanece parado em um tempo onde as decisões eram guiadas por interesses políticos.

O que preocupa é a observância dos crescentes casos de demissões por justa causa nos bancos públicos, demonstrando o desinteresse das instituições para sanar o assunto na esfera administrativa. Apenas quem atende a categoria entende a dor que é ver nos olhos de um trabalhador toda sua história e luta ser claramente afrontada, vê-lo em um mercado de trabalho com tamanha mancha em seu currículo, sem saber de que forma sustentará sua família e, ainda, sendo tratado como cidadão de segunda classe, julgado sem as garantias mínimas previstas pela lei.

Pelas razões acima citadas, imprescindível que todos os atores desse processo – colegas advogados, dirigentes sindicais, bancários ou qualquer cidadão não se calem diante de tais condutas do banco. Como diria Rui Barbosa “A força do direito deve superar o direito da força”.

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¹Este artigo foi originalmente publicado no livro Direito do Trabalho Bancário – Temas Atuais na Prática da Advocacia Especializada (Projeto Editorial Praxis, Canal 6 Editora, 1ª edição, 2016). 

Uma resposta

  1. Concordo plenamente com todo o artigo da LBS. Nestes casos, esperamos que seja feito justiça. O problema é ter que esperar alguns anos o julgamento da repercussão geral 1022 pelo STF para que os processos de reintegração continuem a andar.

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