A relação de trabalho define-se pela dependência de um sujeito em benefício de outrem, com a finalidade de trocar a sua força de trabalho por um bem material (na maioria das vezes salário) necessário para prover a subsistência própria e da família.
É preciso destacar que embora o Estado há muito tempo tenha invocado para si o poder de ingerir nas relações contratuais e aplicar punições quando algum direito é descumprido, concedeu ao empregador o poder diretivo dos seus negócios, dentre os quais, como exemplo, o de aplicar diretamente punições (advertência, repreensão e inclusive demissão por justa causa) em face do empregado, bem como promover a fiscalização das atividades laborais destes, traçando metas, objetivos e etc.
Sendo assim, mesmo que as prerrogativas do poder diretivo estejam previstas em lei, todos os casos em particular devem ser analisados à luz dos direitos humanos, pois a dignidade do ser humano em nenhum aspecto deve ser violada.
As nuances da relação empregatícia podem marcar e mudar a vida de um empregado, especialmente quando direitos fundamentais são violados. Há de se destacar que a relação de emprego é campo fértil para violações de direitos fundamentais, justamente por competir ao empregador o poder diretivo, bem como estar o empregado sob as ordens patronais.
Um exemplo pode ser o acidente de trabalho que acarreta morte do trabalhador, quando por negligência da empresa na manutenção dos aparelhos utilizados. Essa situação caracteriza grave violação ao direito fundamental à vida do trabalhador e a dos seus familiares.
Da mesma forma, a cobrança excessiva e desenfreada pelo cumprimento de metas inatingíveis tem o efetivo condão de abalar o psíquico daquele que trabalha, matando aos poucos a saúde mental trabalhador. Inclusive, este tipo de violação a direito fundamental laboral dia após dia tem acarretado infindáveis afastamento previdenciários e formado uma legião de pessoas privadas da sua liberdade, saúde e vida digna.
Sobre este tema específico, a OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que 300 milhões de pessoas no mundo sofram com a depressão. Atentando-se para esta grande cifra, no dia 10 de outubro de 2017 – Dia Mundial na Saúde Mental – a OMS lembrou a importância de empresas e gestores do mundo todo adotarem iniciativas que promovam o bem-estar físico e psicológico de funcionários no ambiente de trabalho, justamente para prevenir referida doença que se alastra pelo mundo afora.
Da mesma forma, a humilhação, o rebaixamento, a despedida arbitrária, a falta de pagamento de verbas salariais e rescisórias, dentre outros direitos que são suprimidos do trabalhador, caracterizam grave afronta aos direitos humanos relacionados ao trabalho.
A Constituição Federal de um Estado Democrático de Direito tem a precípua finalidade de traçar os princípios fundamentais que devem orientar as decisões de um país e, principalmente, servir como garantia de legitimação e limitação do poder estatal.
Neste passo, a atual Constituição brasileira, a denominada Constituição Cidadã, promulgada em 05 de outubro de 1988, sofrendo forte influência das disposições contidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos – publicada pelas Nações Unidas no dia 10 de dezembro de 1948 – tratou de enviesar os direitos e garantias constitucionais à luz dos direitos humanos e, sobretudo, garantindo condições dignas de trabalho, inclusive informando que “os valores sociais do trabalho” caracteriza fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso IV/CF88).
Em breve síntese histórica das principais cartas mundiais tratando sobre os direitos humanos e trabalho, podemos destacar que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) dispôs que o trabalho é inalienável e possui efetivo valor social, sendo certo que o homem não se trata de mera mercadoria passível de escambo e ilimitada sujeição:
XVIII – Todo homem pode empenhar seus serviços, seu tempo; mas não pode vender-se nem ser vendido. Sua pessoa não é propriedade alheia. A lei não reconhece domesticidade; só pode existir um penhor de cuidados e de reconhecimento entre o homem que trabalha e aquele que o emprega.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, declarada pela ONU, como dito alhures, também dispôs sobre o viés social do trabalho, o seu valor e as garantias:
Artigo 23: 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todos tem direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual; 3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. 4. Todas as pessoas tem direito de fundar com outas pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.
Neste compasso, a Constituição Federal de 1988, em seu Capítulo II, do Título II, consagrou como Direitos Sociais aqueles inerentes ao trabalho, sem prejuízos de outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados.
Referidos direitos, necessários para garantir a dignidade da pessoa humana, serviu e deve servir de parâmetro necessário para influenciar as demais normas infraconstitucionais, as quais, como complemento à Constituição Federal, tem a função de garantir a liberdade e bem-estar do trabalhador. O direito a vida, à igualdade salarial, à liberdade de contratação, à proibição do trabalho escravo, à privacidade são alguns exemplos de direitos intimamente humanos assegurados pelo ordenamento jurídico.
Pois bem. Não se pretende com o presente artigo exaurir e/ou transcrever toda a legislação pertinente ao tema, mas sim informar, esclarecer e desenvolver o raciocínio crítico no sentido de que direitos humanos são constantemente violados na relação de emprego, sendo certo que situações como estas devem ser fiscalizadas tanto pelo empregador, quanto pelo empregado.
Ao empregador cabe o dever de zelar por um ambiente laboral saudável, concedendo aos trabalhadores níveis de igualdade, adequada alimentação e ergonomia, plausibilidade na cobrança de metas e etc. Em contrapartida, o empregado também deve contribuir pela salubridade do seu local de trabalho e deve ter a consciência de que o nosso ordenamento jurídico lhe garante direitos fundamentais, sendo certo reivindica-los administrativa e/ou judicialmente quando necessário.
A garantia das liberdades fundamentais na relação de trabalho é um dos caminhos para a construção de uma sociedade fraterna, de igualdade e solidária.
Referências
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7391 (acesso em 03/04/2018)
http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf (acesso em 03/04/2018)
https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/ (acesso em 03/04/2018)
https://nacoesunidas.org/oms-empresas-devem-promover-saude-mental-de-funcionarios-no-ambiente-trabalho/ (acesso em 10/04/2018)
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/economia/nacional/noticia/2017/11/23/afastamentos-por-doencas-do-trabalho-crescem-25_porcento-no-pais-diz-dieese-317005.php (acesso em 10/04/2018)