No dia 24 de setembro de 2018, no Diário Oficial da União, o Governo publicou o Decreto nº 9.507, assinado pela Presidência da República em 21 de setembro, com entrada em vigor no dia 22 de janeiro de 2019, 120 dias após sua publicação.
O texto revoga o Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997, e foi editado semanas após o Supremo Tribunal Federal julgar constitucional a terceirização em todas as atividades.
O Decreto nº 2.271 possuía âmbito de aplicação menor, dispondo sobre a contratação indireta de atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares e das atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações.
A norma atual trata da execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, com escopo bastante alargado.
Os serviços preferencialmente objeto da contratação indireta serão estabelecidos pelo Ministério do Planejamento, sendo expressamente vedados aqueles que:
a) envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle;
b) sejam considerados estratégicos para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias;
c) estejam relacionados ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção;
d) sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.
Essa vedação, porém, é excetuada com relação aos serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios, restando apenas a proibição de contratação de serviços auxiliares relacionados ao exercício do poder de polícia. A brecha aberta por essa exceção é exagerada? A quem competirá definir quais serviços são auxiliares, instrumentais ou acessórios? Essa regra retoma a renegada distinção entre atividade-meio e atividade-fim?
A terceirização poderá se dar também nas empresas públicas e nas sociedades de economia mista controladas pela União, desde que as atividades não sejam prestadas por servidores com atribuições inerentes às dos cargos integrantes dos planos de cargos e salários.
O Decreto parece proteger os servidores das estatais nesse ponto, contudo, em seguida, elenca exceções, ou seja, mesmo que haja serviços prestados por servidores com cargos, a administração poderá terceirizar no caso de contrariedade aos princípios administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade, tais como na ocorrência de, ao menos, uma das seguintes hipóteses:
a) caráter temporário de serviço;
b) incremento temporário do volume de serviços;
c) atualização de tecnologia ou especialização de serviço, que reduzem o custo ou for menos prejudicial ao meio ambiente;
d) impossibilidade de competir no mercado concorrencial.
Em resumo, a regulamentação abre as portas para a terceirização nas empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União, já que as hipóteses “excepcionais” são mais do que corriqueiras e poderão ser alegadas como justificadoras pelos Conselhos de Administração.
O Decreto estabelece, ainda, regras gerais para os instrumentos de convocação, projeto básico e contratos.
Chama a atenção a possibilidade de os contratos preverem nível de desempenho para aferição da qualidade esperada na prestação dos serviços, com mecanismos de adequação de pagamento em decorrência do resultado. É a gestão de pessoas da Administração Pública transferida às empresas terceirizadas?
Dentre as disposições contratuais obrigatórias, estão cláusulas que exijam da contratada declaração de responsabilidade exclusiva sobre a quitação dos encargos trabalhistas e sociais decorrentes do contrato; estabeleçam que o pagamento mensal pela contratante ocorrerá após a comprovação do pagamento das obrigações trabalhistas, previdenciárias e para com o FGTS pela contratada relativas aos empregados que tenham participado da execução dos serviços contratados, dentre outras. O Decreto, portanto, pretende ir além da legislação recentemente aprovada pelo Congresso Nacional no que diz respeito à responsabilidade da Administração Pública contratante de serviços terceirizados.
É garantida a participação do sindicato representante da categoria do trabalhador, no caso de não apresentação de documentação relativa às obrigações trabalhistas e previdenciárias e inadimplemento dessas obrigações. Mas, por outro lado, o Decreto pretende eximir a Administração Pública de alguns temas objeto de negociação coletiva como, por exemplo, participação nos lucros.
Essas disposições suscitam várias dúvidas que vão desde a definição de qual será o sindicato representativo até a efetiva prevalência do negociado sobre o legislado. A resposta a essas perguntas é crucial para a delimitação dos direitos aplicáveis às pessoas envolvidas em processos de terceirização.
Há regras sobre a gestão e fiscalização da execução dos contratos, repactuação e reajuste e disposições transitórias para os contratos já celebrados até a sua entrada em vigor.
O Decreto, como se vê, comporta comparação mais apurada com o Decreto nº 2.271, assim como análise sobre quais serviços poderão ser terceirizados, a responsabilidade da administração pública e a representação sindical. Salta aos olhos, ainda, as questões da obrigatoriedade de concurso público, princípio constitucional, e da licitação regida pela Lei nº 8.666/93, ambas normas de hierarquia superior. Todos esses temas ser serão objeto de análise mais aprofundada e serão discutidos em artigo a ser publicado brevemente.
Antonio Fernando M. Lopes
Sócio da LBS Advogados
E-mail: antonio.megale@lbs.adv.br
Fernanda Caldas Giorgi
Sócia da LBS Advogados
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