O Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular representa um compromisso internacional firmado em Conferência Intergovernamental em dezembro de 2018 em Marraquexe, Marrocos, endossado pela Assembleia Geral da ONU e ratificado por 181 países filiados à Organização, incluindo o Brasil.
O convênio tem como objetivos principais o alívio da pressão sobre os países anfitriões, o aumento da autossuficiência dos refugiados, a ampliação do acesso a soluções de países terceiros e o auxílio na criação de condições nos países de origem para um regresso dos cidadãos em segurança e com dignidade.
O documento é baseado em compromissos já previamente discutidos desde 2016 na Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes e representa importante marco regulatório no que se refere ao gerenciamento da migração internacional com enfoque multilateral (e não conduzido de maneira isolada por determinado Estado), baseado em uma plataforma plural de cooperação entre diferentes Nações.
Além do ordenamento formal, as relações internacionais são pautadas por costumes, tradições e princípios de Estados-Nações que se reúnem em torno de premissas que lhe são comuns. Sendo assim, quando diante de temas internacionais, concede-se elevado grau de importância a compromissos firmados, porquanto diante da manifestação de vontade de determinada Nação que, mesmo sabedora de sua autonomia interna, decide se submeter a pactos para além de suas fronteiras, não em razão de uma obrigação formal, mas em virtude do reconhecimento e exercício de sua soberania.
Nesse sentido, o Pacto Global diz respeito a acordo multilateral com natureza não vinculativa, de maneira que seu conteúdo não tem o condão de impor obrigações aos Estados signatários que, ao aderirem ao ajuste, apenas reafirmam a motivação comum de conceder tratamento humanitário aos fluxos migratórios em suas diversas modalidades, o que compreende não apenas o movimento migratório não documentado, mas também aquele relacionado a deslocamentos formais.
Nesses termos, é importante destacar que, embora ondas migratórias advindas do Haiti e da Venezuela sejam pauta do dia, o Brasil é responsável por um contingente não negligenciável de imigrantes, contando com um número superior a três milhões de brasileiros residindo fora de suas fronteiras. São milhões de pessoas que, ao menos sob a ótica da bilateralidade de direitos e obrigações preconizada pelas relações internacionais, passam a estar desassistidas frente ao posicionamento adotado pelo governo brasileiro.
Apesar da formalização do ajuste ser recente, em janeiro de 2019 o Brasil revogou o tratado, sob a justificativa de que o documento ofende a soberania nacional. Por meio do twitter, veículo pouco ortodoxo para se tratar de temas afetos a Direito Internacional, seara reconhecidamente protocolar, o Presidente Jair Bolsonaro afirmou que “a imigração não pode ser indiscriminada. É necessário critérios, buscando a melhor solução de acordo com a realidade de cada país” (sic).
É importante frisar que, embora o Pacto Global não possua os contornos clássicos do princípio da reciprocidade aplicável no Direito Internacional, a decisão do Brasil de revogar o convênio dá o tom da nova orientação dada à política internacional pelo atual governo. Em verdade, tal qual se observou com as modificações na parceria com o governo cubano no Programa Mais Médicos, trata-se de mais um exemplo da alteração de condução das políticas públicas internacionais, com foco no protecionismo interno e em um discurso nacionalista de soberania.
Assim, ainda que seja correto afirmar que o Pacto Global não possua o condão de impor sanções aos países signatários que não implementarem medidas concretas para a viabilização do compromisso, a assinatura do documento internacional demonstra, ao menos em tese, a intenção dos Estados-membros que o ratificaram de comungar de seus objetivos principais, com ênfase em uma visão multilateral pautada em ordenamento que assume as cortes e organismos internacionais como esferas judiciais supraconstitucionais.
Sarah Cecília Raulino Coly é advogada e membro do Instituto Lavoro.