O Decreto nº 11.443/23[1] reserva às pessoas negras percentual mínimo de 30% na ocupação em Cargos Comissionados Executivos (CCE) e Funções Comissionadas Executivas (FCE) na Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.
A norma é motivo de comemoração, por representar modernização e democratização no serviço público brasileiro, além de significar avanço em políticas de ações afirmativas, especialmente tratando-se de serviço público federal, um espaço que revela estruturas tão desiguais e excludentes quanto o nosso país.
Desde a Constituição federal de 1988, o serviço público tem sido profissionalizado por meio do concurso público, em cumprimento aos princípios da impessoalidade, da eficiência e da publicidade.
Contudo, o acesso ao serviço público, por meio da ocupação de cargos ou até mesmo como beneficiário direto desse serviço, reflete a realidade de exclusão da população negra, especialmente dos espaços de poder e decisão.
Com objetivo de democratizar o acesso aos cargos públicos, o governo federal implementou em 2014 a Lei nº 12.990/14, que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos da Administração Pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.[2]
Apesar do avanço em direção à igualdade, representado pela lei de cotas na administração pública, há dificuldades estatísticas em se mensurar a efetividade de medida no decorrer desses anos, associada ao fato de que, desde 2016, o cenário é de falta de concursos públicos e reposição dos cargos vagos.
A população negra representa 56% do país, porém apenas 6% dos diplomatas e 12% dos auditores da Receita Federal, por exemplo, são negros, sendo estes alguns dos cargos de maior remuneração do Poder Executivo federal.[3]
No Governo Federal, pessoas negras ocupam apenas 35,61% dos cargos, em evidente sub-representação, segundo dados da ENAP.[4]
Já nos cargos comissionados de direção e assessoramento, servidoras e servidores negros ocupam 26,6% do total, enquanto o percentual de pessoas brancas nesses cargos é de 66%, de forma que a disparidade é ainda maior conforme a hierarquia dos cargos, se no DAS-4 os negros são 27,28%, no DAS-6, mais alto, são apenas 15%.[5]
A falta de diversidade gera ausência de priorização de demandas essenciais para a população, especialmente quanto às políticas públicas.
O descompasso entre os criadores e gestores das políticas públicas em relação aos destinatários dessas políticas deve ser repensado. Há falta de representatividade na Administração de pessoas negras, indígenas, LGBTI+ e pessoas com deficiência, ao passo que políticas públicas desenvolvidas para esses grupos são feitas majoritariamente por homens brancos.
Trata-se de oportunizar o “lugar de fala”, bem-conceituado pela filósofa e ativista Djamila Ribeiro, no sentido de dar visibilidade para vozes desses grupos e diversificar as estruturas de poder.
A verdadeira modernização da Administração Pública passa pela construção de um serviço público diverso, capaz de atender as demandas da sociedade e romper com o bacharelismo branco corporativista para espelhar a diversidade social nas estruturas burocráticas e, assim, aproximar o serviço público, bem como as políticas públicas, da população.
Brasília, 29 de março de 2023.
REFERÊNCIAS
[1] Publicado em 22 de março de 2023.
[2] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12990.htm Acesso em 27/03/2023.
[3] Disponível em: https://radar.ibegesp.org.br/representatividade-e-vagas-para-negros-na-administracao-publica-lei-12-990-2014/ Acesso em 27/03/2023.
[4] Ebook: “Onde estão os negros no serviço público?”. Disponível em: <https://republicaorg.wixsite.com/home> Acesso em 22/03/2023
[5] Idem.
Camilla Cândido
Sócia da LBS Advogadas e Advogados
Mádila Barros
Advogada da LBS Advogadas e Advogados