O Dia Mundial de Conscientização do Autismo é celebrado no dia 2 de abril, com o objetivo de promover conhecimento sobre o espectro autista, suas necessidades e os direitos das pessoas autistas.
A despeito da maior conscientização sobre o autismo nos últimos tempos, a ignorância ainda é uma das maiores barreiras para essas pessoas. Recentemente, por exemplo, um homem gravou vídeo com ataques homofóbicos em shopping, ao acreditar, no auge de sua ignorância e preconceito, que sinalização de vaga para autistas era símbolo LGBT.
Presente em uma a cada 44 crianças nos Estados Unidos e em uma a cada 160 no mundo, o Transtorno do Espectro Autista (TEA), comumente chamado autismo, consiste em alterações físicas e funcionais do cérebro, afetando o desenvolvimento motor, linguístico e comportamental. E é justamente por se tratar de um espectro que, diferentemente de outras deficiências, síndromes e condições, a pessoa autista não se limita a uma característica física ou mental, ou seja, não é estereotipada, podendo estar enquadrada em qualquer nível e apresentar vários ou poucos sinais, dentro do espectro.
Observado no comportamento, os primeiros sinais do autismo podem ser percebidos nos primeiros meses de vida: dificuldade em interagir socialmente, realizar contato visual, expressar suas emoções e compreender comunicação gestual. Além disso, pode haver uso repetitivo de comportamentos motores e verbais, conhecidos como estereotipias, bem como manias com organização, apego a rotinas e interesse intenso, nem sempre duradouro, por assuntos ou coisas específicas, conhecido como hiperfoco.
Além disso, é comum que pessoas autistas apresentem alguma outra comorbidade associada ao TEA, como, por exemplo,deficiência intelectual; TDAH; distúrbios do sono, gastrointestinais e alimentares; epilepsia; ansiedade e/ou outros transtornos do neurodesenvolvimento, o que reforça a necessidade de intervenções e tratamentos adequados.
O diagnóstico é clínico e multidisciplinar, envolvendo profissionais psiquiatras, neurologistas, psicólogos, fonoaudiólogos dentre outros, os quais, também multidisciplinarmente, irão cuidar e tratar a pessoa autista.
Objeto de debate há pouco tempo no Brasil, somente em 2012 criou-se uma legislação de proteção à pessoa autista. A Lei nº 12.764/12 instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, a qual sedimentou o enquadramento do autismo como deficiência e, assim, garante todos os direitos inerentes à tal condição, nos termos do Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/15.
Sabe-se que a identificação e o encaminhamento precoce para tratamento são essenciais para assegurar qualidade de vida e melhora do quadro de interação social, estereotipias e de comportamento, sendo a ciência “ABA” (do inglês Applied Behavior Analysis, que significa Análise do Comportamento Aplicada) o método mais popular e eficaz de integração do autista ao meio de que faz parte. Contudo, a realidade daqueles que recorrem ao acesso à terapia e, consequentemente, buscam a efetividade do direito à saúde previsto na Constituição federal e demais legislações específicas, ainda é de desgaste e de intensa luta.
Embora não esteja previsto expressamente no rol exemplificativo da Agência Nacional da Saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede hospitalar privada, por meio dos planos de saúde, são obrigados a oferecer o tratamento, porém são recorrentes os casos de negativa. No primeiro caso, por vezes, pela inexistência de estrutura profissional habilitada e, no segundo, pelo conhecido descaso de atendimento, cuja cobertura só é liberada após ajuizamento de ações judiciais.
Uma vez comprovada, mediante relatórios e prescrições médicas, ser a ciência ABA o método terapêutico mais eficaz no caso concreto, ou seja, individualmente aplicável à pessoa autista, de modo que não haja outro alternativo e igualmente ou superior aplicável, o Estado por meio do SUS e os planos de saúde são obrigados a oferecê-lo e custeá-lo, sem limitação de sessões/hora, cuja definição será feita por médico especialista, pelo tempo de duração necessário.
Conquanto haja a determinação judicial de custeio e fornecimento de tratamento, deve-se observar se a clínica/profissional designados ou conveniados são, de fato, especialistas no atendimento de pessoas autistas, pois o encaminhamento a profissionais não especialistas é comum e a prática, que é imoral e ilegal, deve ser coibida.
Além do método ABA, há outros métodos terapêuticos eficazes para integração da pessoa autista ao meio no qual está inserida, como os métodos PRT (Pivotal Response Treatment) e DENVER (Early Start Denver Model, ESDM na sigla em inglês), igualmente passíveis de prescrição e, em caso de negativa, objetos de judicialização, caso sejam os melhores meios de tratamento individuais.
O transtorno do espectro autista pode ser manifestado de várias formas, individualmente, de modo que o melhor tratamento e método terapêutico também será individualizado, cabendo aos planos de saúde e SUS garantirem, mesmo que judicialmente, o que for necessário, cientificamente comprovado e clinicamente prescrito, para o alcance do tratamento pleno e, assim, a promoção integral do direito à saúde e vida às pessoas com deficiência.
Além do acesso ao tratamento adequado e cientificamente comprovado, por ser pessoa com deficiência, a pessoa autista pode recorrer a todos os direitos específicos previstos no Decreto nº 3.298/99: educação em rede regular de ensino inclusivo em todos os níveis e aprendizados ao longo de toda a vida, inclusive com apoio especializado, se necessário; trabalho e serviços que propiciem a igualdade de oportunidades; gratuidade de transporte público interestadual, de medicação e isenção de alguns impostos, bem como benefício de prestação continuada (BPC). Aos cuidadores, é possível a redução da jornada de trabalho sem compensação ou redução de salário e saque do FGTS para apoio ao tratamento.
Todos esses direitos, infelizmente, podem ser negados administrativamente e também pode ser objeto de ações judiciais para a sua garantia.
Ainda há longo caminho a ser percorrido, especialmente quanto ao preconceito e ao efetivo cumprimento da legislação vigente. Nesta data, é necessário reforçar as características únicas das pessoas diagnosticadas com algum grau do Transtorno do Espectro Autista e a necessidade de normalizar a neurodiversidade, reconhecendo que o funcionamento cerebral, assim como cada indivíduo, é diferente e único.
Referências
https://lbs.adv.br/artigo/orgulho-autista-movimento-que-garante-inclusao-e-integracao/
https://www.cdc.gov/ncbddd/autism/data.html
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm
Pedro Madeiro
Advogado da LBS Advogadas e Advogados