- Introdução
No dia 21/03/2024, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 2.110 e 2.111.
O objetivo deste texto é esclarecer a repercussão da decisão no Tema nº 1.102 do STF, Revisão da Vida Toda, além de demonstrar como, apesar de não tratar diretamente sobre o assunto, impactará negativamente sobre a tese, ainda pendente de conclusão de julgamento.
- Qual é o fundamento da tese conhecida como Revisão da Vida toda (Tema nº 1.102)?
Conhecido como Revisão da Vida Toda, o tema trata sobre a revisão de benefício previdenciário mediante a aplicação da regra definitiva do art. 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram no Regime Geral de Previdência Social antes da publicação da referida Lei nº 9.876/99, ocorrida em 26/11/99.
Simplificando: a tese buscava reconhecer a possibilidade da consideração de todas as contribuições anteriores a julho de 1994, ocasionando um benefício mais justo e maior isonomia entre os segurados que começaram a contribuir antes de 1994 e não tiveram esses recolhimentos incluídos em seu cálculo.
Poderiam buscar a revisão os segurados prejudicados que tiveram seu benefício concedido entre 29/11/1999 e 12/11/2019, de:
- Aposentadoria especial
- Aposentadoria por idade
- Aposentadoria por invalidez
- Aposentadoria por tempo de contribuição
- Auxílio-doença
- Pensão por morte
O Tema nº 1.102 do STF está na pauta de julgamento da sessão presencial do dia 03/04/2024.
- Qual a decisão no julgamento das ADIs nºs110 e 2.111 e como ela afetará o resultado do julgamento da Revisão da Vida Toda
As duas ações diretas buscavam a declaração de inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 9.876/99, que alterou o texto do art. 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91. A regra de transição, que prejudicou os segurados, não poderia ser aplicada e o INSS seria obrigado a utilizar a forma de cálculo da regra definitiva, caso o STF tivesse declarado inconstitucional o dispositivo da lei. O resultado seria benéfico para os segurados e para o julgamento da Revisão da Vida toda.
Entretanto, ao julgar as ADIs, o STF se posicionou diretamente sobre um dispositivo que é o pilar do fundamento da Revisão da Vida Toda, sepultando qualquer interpretação diversa da textual, impossibilitando o acolhimento da tese.
A decisão:
“O Tribunal, por maioria, conheceu parcialmente das ADIs 2.110 e 2.111 e, na parte conhecida, (a) julgou parcialmente procedente o pedido constante da ADI 2.110, para declarar a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999, vencidos, nesse ponto, os Ministros Nunes Marques (Relator), Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes; e (b) julgou improcedentes os demais pedidos constantes das ADIs 2.110 e 2.111, explicitando que o art. 3º da Lei nº 9.876/1999 tem natureza cogente, não tendo o segurado o direito de opção por critério diverso, vencidos, nesse ponto, os Ministros Alexandre de Moraes, André Mendonça, Edson Fachin e Carmen Lúcia. Foi fixada a seguinte tese de julgamento: “A declaração de constitucionalidade do art. 3º da Lei 9.876/1999 impõe que o dispositivo legal seja observado de forma cogente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública, em sua interpretação textual, que não permite exceção. O segurado do INSS que se enquadre no dispositivo não pode optar pela regra definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91, independentemente de lhe ser mais favorável”. Redigirá o acórdão o Ministro Nunes Marques (Relator). Presidência do Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 21.3.2024.” (ARE nº 1.018.459, Relator Ministro Gilmar Mendes, publicado em 30/10/23)
Os dispositivos:
a) Lei n. 9.876, de 26 de novembro de 1999
Art. 3º. Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.
b) Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991
Art. 29. O salário-de-benefício consiste:
I – para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário;
II – para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo.
Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:
I – quanto ao segurado:
- a) aposentadoria por invalidez;
- b) aposentadoria por idade;
- c) aposentadoria por tempo de contribuição;
- d) aposentadoria especial;
- e) auxílio-doença;
(…)
- h) auxílio-acidente;
- O julgamento
A Lei nº 9.876/99 alterou as regras de cálculo dos benefícios previdenciários, que passaram a corresponder à média dos 80% maiores salários de contribuição de todo o período contributivo. A regra anterior determinava o valor do benefício a partir da média aritmética simples dos 36 últimos salários de contribuição dos meses anteriores ao do afastamento da atividade, pelo segurado, ou da data da entrada do requerimento administrativo.
O art. 3º dessa lei inseriu uma regra de transição, estabelecendo que, no cálculo do salário de benefício dos segurados filiados à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação da Lei nº 9.876/99, seriam consideradas somente as contribuições vertidas a partir de julho de 1994 (início do Plano Real).
No ordenamento jurídico, regras de transição são criadas para reduzir o impacto das mudanças nas normas previdenciárias, garantindo que os segurados não sejam atingidos de forma abrupta por regras mais rígidas de cálculo dos benefícios.
Contudo, após debaterem, os Ministros Nunes Marques (relator), Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Flávio Dino, sete dos onze ministros do STF formaram a maioria e com isso impuseram o entendimento da constitucionalidade do art. 3º da Lei nº 9.876/99, para que haja aplicação cogente (obrigatória) do dispositivo.
Assim, apesar de estar na pauta de 03/04/2024, o Recurso Extraordinário nº 1.276.977, que deu origem ao Tema nº 1.102 do STF, já foi afetado pelo julgamento das ADIs nºs 2.110 e 2.111.
O entendimento firmado no julgamento das ADIs, no sentido de que haja aplicação cogente do art. 3º da Lei nº 9.876/99, impede a aplicação da tese da Revisão da Vida Toda (inviabilizando a escolha da regra mais benéfica).
Em nossa visão, o entendimento firmado pela maioria dos ministros do STF viola os princípios da garantia do melhor benefício, da contrapartida, da isonomia e da segurança jurídica.
É importante destacar que ao resolver, de forma indireta, a Revisão da Vida Toda, os Ministros acabaram por descartar o voto firmado pela Ministra Rosa Weber que, antes de se aposentar, proferiu voto favorável aos interesses dos segurados.
A consequência é que a tese deverá ser derrubada com a aplicação do entendimento firmado no julgamento das ADIs nºs 2.110 e 2.111, acarretando a inviabilidade do acatamento do pedido de revisão dos benefícios. Contudo, somente após o julgamento do Tema 1.102 (Revisão da Vida Toda) é que todos os Juízes, Desembargadores e Ministros deverão aplicá-la, com efeito vinculante, aos processos atualmente paralisados. Somente, então, poderemos avaliar, caso a caso, as consequências acessórias.
Brasília, 26 de março de 2024.
Roberto Drawanz
Advogado da LBS Advogados
E-mail: roberto.drawanz@lbs.adv.br