Empregada transgênero proibida de usar o nome social no crachá e o banheiro feminino ganha indenização por danos morais

Empregada transgênero proibida de usar o nome social no crachá e o banheiro feminino ganha indenização por danos morais

Após sofrer assédio moral e transfobia, uma empregada  recorreu à Justiça do Trabalho em busca de indenização por danos morais, em razão de ter sido impedida de usar seu nome social no crachá e de utilizar o sanitário feminino, com alegação de ser necessária realização de cirurgia de redesignação de sexo.

Em sentença de primeiro grau, a empregada teve seu pedido negado, ao julgarem que o uso do banheiro adequado e o nome utilizado no crachá são aspectos de pouca importância diante da significativa transformação pela qual a empregada estava passando. Essa decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, que considerou que, apesar dos desconfortos enfrentados pela empregada, não foi possível constatar conduta discriminatória por parte da empresa.

O caso foi levado ao Tribunal Superior do Trabalho com pedido de transcendência, devido à tese de repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. No julgamento, foi validado o entendimento de que pessoas trans têm direito ao reconhecimento do nome social, em respeito ao direito à autodeterminação sexual, independentemente de procedimentos médicos. Além disso, o poder diretivo do empregador não exime a empresa de proporcionar um ambiente de trabalho saudável e seguro para seus empregados, conforme estabelecido na Constituição.[1]

Portanto, a utilização do nome social pela empregada era necessária para garantir seu direito de personalidade, sem causar prejuízo à empresa. A jurisprudência do STF reconhece o direito à liberdade de gênero e autodeterminação sexual das pessoas trans, protegendo-as contra discriminação com base na orientação sexual.

Quanto à indenização por danos morais, considerando a condição econômica da empresa, o grau de culpa, a extensão do dano, o caráter pedagógico da medida e as condições pessoais da vítima, foi arbitrado pagamento de indenização por danos morais no valor de 25 mil reais.

O art. 2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos garante a liberdade e a dignidade a todas as pessoas, sem distinção de qualquer espécie. Nesse sentido, o art. 5º da Constituição federal garante a igualdade perante a lei, sem discriminações por raça, sexo, cor, idade. No âmbito do trabalho, a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho adota disposições para combater a discriminação em matéria de emprego e ocupação.

Alinhando-se à agenda internacional de direitos humanos e aos princípios constitucionais, o STF vem formulando sua jurisprudência a fim de proteger a liberdade, a igualdade e a dignidade de pessoas trans, como, por exemplo, no julgamento do RE nº 845.779/SC, no qual a Corte reconheceu a possibilidade de uma pessoa ser tratada socialmente como o sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente (Tema nº 778) e o julgamento do RE nº 670.422/RS, em que se discutiu a possibilidade de alteração de gênero no registro civil de transexual, mesmo sem a realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo (Tema nº 761).

Esses avanços representam a intensa luta da comunidade trans por respeito aos seus direitos fundamentais ao trabalho, à saúde, à educação e à cidadania. No entanto, nenhum direito é consolidado e sim fruto de constante disputa.

Para lembrar, o Brasil segue sendo o país que mais mata pessoas trans há 14 anos, segundo a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transsexuais)[2]. No âmbito laboral, a transfobia é uma barreira não apenas para a contratação, mas também para a permanência de pessoas trans no mercado de trabalho. Em pesquisa realizada com homens e mulheres trans pelo projeto TransVida, do Grupo pela Vidda, com apoio do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foi revelado que apenas 15% dos entrevistados teriam emprego formal, enquanto 15,6% estariam em trabalho autônomo formal e 27,2% em trabalho autônomo informal. Para muitos na população trans, a prostituição se torna um recurso, com 14,3% dos entrevistados envolvidos nessa atividade.[3]

Diante desse cenário, é importante relembrar que a transfobia só poderá ser de fato combatida com esforços múltiplos entre governo, Judiciário e sociedade civil que sejam capazes de criar garantias para essa população e que não estejam limitadas apenas no âmbito dos direitos individuais, mas também coletivos.

 

Brasília, 16 de maio de 2024.


 

[1] RR nº 11190-88.2015.5.15.0131.

[2] https://antrabrasil.org/wp-content/uploads/2024/01/dossieantra2024-web.pdf

[3] https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-12/pesquisa-descreve-barreiras-para-acesso-de-pessoas-trans-ao-empreg

João Victor Figueiredo Soares

Estagiário da LBS Advogados
E-mail: joao.soares@lbs.adv.br

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