A cultura do racismo e as cotas raciais: privilégio ou direito?

Em tempos de intolerância generalizada, torna-se cada vez mais necessário discutir o conceito de liberdade e direitos fundamentais. É quase uma regra que, para o avanço intelectual da sociedade brasileira, exista reflexão sobre pontos chaves da vida comunitária, entre os quais destaco a educação e ou/a luta pela democratização do acesso à salas de aulas.

Neste momento, alunos ocupam duas das maiores universidades do País, a USP e Unicamp, reivindicando a implementação da política de cotas étnico-raciais. Dada esta questão, é pertinente a discussão dos motivos que levaram a implementação desta política.

É inegável que desde os períodos da escravidão o negro ficou taxado como mão de obra barata, moeda de troca, objeto de compra e venda entre os senhores de terra, realizadores de trabalhos braçais e sem nenhum valor intelectual. Tinham a obrigação de servir aos patrões em troca de más condições de vida, sem nenhuma dignidade. Quando se fala em “dívida histórica” que o País tem com os negros, está se falando desta cultura racista e SEGREGADORA que ainda persiste nos dias de hoje, mesmo que algumas vezes de forma maquiada.

O racismo reduz o negro à posição análoga de escravo (ainda), de inferior, de desfavorecido, de incapaz de ser destinatário de estudo, de uma boa profissão, de ser alguém de sucesso na vida. Esse rótulo decorre exatamente do modelo social escravocrata que fora perpetuado pela sociedade elitista e conservadora para as suas gerações que comandam o sistema nos seus mais variados setores.

Para minimizar as consequências de todo esse erro, as políticas públicas e ações afirmativas de inclusão social vem a contribuir, apostando em medidas que visam estabelecer iguais condições e oportunidades aos que ficaram marcados pela história. Neste rol estão as cotas.

As cotas no Brasil não beneficiam apenas negros. Na Região Norte, por exemplo, as cotas raciais são concedidas aos indígenas e em algumas outras universidades para pardos. Contudo, tem sido frequente a discussão sobre ser contra ou a favor de cotas raciais para negros nas Universidades. O argumento mais utilizado pelas pessoas que são contra diz tratar-se de um “privilégio” que permitiria aos negros usurpar vagas que seriam destinadas a pessoas com maior conhecimento e capacidade de produção acadêmica. Alegam ainda que a tal política fomenta o racismo e coloca os negros numa posição de inferioridade aos demais não cotistas, tendo em vista que assumiram a vaga pela cota, e não por merecimento e bom desempenho em processo seletivo. Entretanto, esta uma avalição que nega o processo histórico que resultou nos dias de hoje.

O negro encontra dificuldades sociais decorrentes da cultura racista que permeia a sociedade. Um exemplo simplista desta situação são os programas as novelas televisivas e comerciais de produtos, nos quais o porteiro, a empregada, a babá, o inspetor da escola, o pedreiro, o motorista e o segurança, na maioria das vezes são, negros. Podemos contar nos dedos das mãos quantos atores negros foram protagonistas de novelas brasileiras. Isso reflete a nossa realidade, uma vez que nos colégios e faculdades particulares o número de estudantes negros é ínfimo ou até mesmo zero, fato este que decorre da falta de acesso à educação e emprego aos negros há gerações. Assim, virou comum associar o negro à serventia da classe burguesa dominante.

Concluo ser notória a situação de que o negro tem grandes dificuldades (ou então com certeza mais dificuldades do que um branco) de conseguir um emprego que subsidie um ensino superior, tampouco uma melhor colocação no mercado de trabalho por conta da ausência de formação. É evidente que o ensino público tem deficiências que contribuem para que seu aluno fique aquém dos estudantes de escolas particulares nos processos seletivos para as faculdades públicas. Por esta razão, as cotas sociais são mais bem aceitas, pois consideram as condições econômicas dos beneficiados. Com esta consciência, convém refletir sobre o aluno NEGRO de escola pública, que soma as duas dificuldades.

Em razão disso, as cotas raciais visam reduzir as dificuldades de quem não tem recursos e, por ser negro, ter menos chances de consegui-los, simplesmente por herdar o rótulo histórico de inferioridade, como já abordado. Devido a esta grande dificuldade vivenciada pelos negros na busca por oportunidades de uma educação de ensino superior e consequentemente de uma colocação no mercado de trabalho, a sociedade atual vive uma segregação racial que não consegue ser desconstruída, pois a situação social dos negros permanece semelhante a de 1888, ainda que de outras formas. As cotas raciais não visam privilegiar negros em detrimento aos brancos, mas são ações afirmativas de inclusão social que visam reparar esta condição construída de modo a garantir aos negros as mesmas condições de dignidade e de direitos que estes teriam não fosse a etnia a qual pertencem.

Não é tratar o negro com racismo, as cotas não segregam, ao contrário disso elas buscam exatamente AGREGAR, incluindo o negro na universidade para que este frequente outros espaços sociais de oportunidades e conquistas. Esta visão reducionista de que cota racial é racista interpreta tal ação afirmativa como um fim em si mesmo, no sentido de simplesmente dizer quem é negro. Reconhecer que existe racismo não é ser racista, é sim um processo de conscientização que antecede ações de combate ao preconceito, e tem o principal objetivo de amenizar desigualdades sociais, econômicas e educacionais entre raças.

Este artigo não busca esgotar o tema, mas provocar a reflexão do ponto de vista social desta ação afirmativa que muito tem a contribuir com as políticas de inclusão fundamentalmente necessárias em um país tão desigual como o nosso.

Louise Helene de Azevedo Teixeira

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