A partir da leitura da Constituição federal de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, é possível afirmar, sem prejuízo da promoção e do incentivo de políticas sociais, que, por meio da Administração Pública, o Estado garante direitos sociais como a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados.
As próprias mudanças adotadas pela Administração Pública, que refletem o modelo adotado – seja patrimonialista, burocrático ou gerencial – trazem reflexos diretos nas políticas públicas e são resultado de como determinado governo vê o papel do Estado.
É comum é que a troca de governantes promova também alterações na Administração Pública em maior ou menor grau, conforme as prioridades e agenda política adotada.
Assim, no dia 1º de janeiro de 2023, foi publicado o primeiro pacote de medidas do novo governo, que começou a fazer suas primeiras mudanças na Administração Pública, para concretizar um modelo gerencial de Administração, no qual se preza pela participação dos cidadãos ao passo que objetiva a eficiência e a qualidade com a concretização do regime democrático.
Em busca de um modelo gerencial de Administração, foi criado o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, pelo Decreto nº 11.345, de 1º de janeiro de 2023[1], que tem a função de estabelecer diretrizes, normas e procedimentos voltados à gestão administrativa; à política de gestão de pessoas; à transformação digital, governança e compartilhamento de dados; e à administração do patrimônio imobiliário da União.
Vislumbra-se, ainda, a abertura de diálogo para construção de um ordenamento que efetive os direitos dos trabalhadores, lembrando que as forças precisam, neste momento, ser reequilibradas e a atuação sindical fortalecida.
Dentre as outras medidas relevantes adotadas ainda na primeira semana de governo, está também a interrupção do processo de privatização de empresas públicas. A determinação, via Despacho Presidencial[2], solicita que os ministros encaminhem proposta que retirem do processo de privatização empresas como Petrobras, Correios, EBC e Conab.
Quanto à temática de privatização de serviços públicos, é necessário mencionar que o primeiro governo pós-redemocratização, governo Collor (1990-1192), foi marcado pela liberalização da economia, associada à privatização de empresas incluídas em seu Plano Nacional de Desestatização, como a Usiminas, a Celma e a Cosinor.
No governo Itamar Franco (1992-1994), ocorreram as privatizações das empresas Embraer e Companhia Siderúrgica Nacional, ao passo que no de Fernando Henrique Cardoso (1995-2022) foi a vez da privatização da Vale do Rio Doce, Telebras, Embratel, Banespa e Banco Meridional. O governo Temer (2016-2018) também foi marcado por privatizações, como da Eletrobras.
O governo Bolsonaro, por sua vez, tinha como objetivos reduzir a participação das estatais na economia, sob alegação de abertura de espaço para capitais privados, e pretendia privatizar a Eletrobras, os Correios, o Serpro e a Dataprev.
A promessa, agora, é arrefecimento das privatizações no país, embora seja incerto prever como o governo atual administrará a agenda de Parcerias Públicas-Privadas (PPPs) e concessões no país.
Foi publicada também a Medida Provisória nº 1.154/23[3], que recria ministérios como Transportes, Esporte, Desenvolvimento Social e Desenvolvimento Agrário, com transferência de estruturas e secretarias, e o remanejamento de cargos e funções de confiança. Também criou ministérios, como o Ministério dos Povos Indígenas e o Ministério da Igualdade Racial, que não tinham vinculação com as estruturas anteriores.
Além da criação do Ministério dos Povos Indígenas, o novo governo editou uma série de medidas que visam combater o desmatamento e a degradação do meio ambiente, como o Decreto nº 11.367/23[4], que restabelece as ações de combate ao desmatamento na Amazônia e determina que o Ministério do Meio Ambiente proponha, em 45 dias, nova regulamentação.
A FUNAI passa a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas e estará à frente das políticas públicas voltadas aos povos indígenas e terá proximidade com as pautas ambientais. O órgão será presidido por Joenia Wapichana – primeira mulher indígena a presidir a instituição em 55 anos –, que pretende atuar sem interferências políticas e com decisões pautadas por consulta aos povos indígenas.
A situação de precarização e desmonte da Funai ficou evidente após assassinato do indigenista Bruno e do jornalista Dom Phillips, caso que revelou a realidade dos servidores quanto às condições de trabalho na Fundação, em especial daqueles que trabalham nas frentes de proteção etnoambientais e das bases de proteção, responsáveis pela execução das políticas de proteção dos territórios de povos indígenas em isolamento voluntário e recém-contatados.
Já o Decreto nº 11.376/23[5] dispõe, no âmbito da Administração Pública Federal, sobre os atos de nomeação e de designação para cargos em comissão e funções de confiança de competência originária do Presidente da República e institui o Sistema Integrado de Nomeações e Consultas – Sinc.
Por fim, é importante citar a preocupação quanto ao pacote de medidas do governo na MP nº 1.156/23[6], que extinguiu a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e transferiu suas competências para os Ministérios da Saúde e das Cidades. A MP tem sido criticada pelas entidades representativas de servidores, por possíveis prejuízos à universalização do saneamento e insegurança jurídica quanto à futura lotação e exercício dos servidores e empregados da FUNASA, que depende de regulamentação por ato do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
O serviço público, que sofreu diversas tentativas de precarização com a Reforma Administrativa silenciosa, poderá caminhar para a democratização do acesso aos serviços essenciais, sem censura nem discriminações, desde que seja pautado pelo diálogo com os trabalhadores e trabalhadoras.
O caminho a ser trilhado não é o de extinção de órgãos e entidades, mas sim de promover reestruturações que forem necessárias para melhorias nas condições de trabalho no serviço público, carreiras e renumerações.
Ainda é cedo para se fazer maior diagnóstico – há apenas duas semanas de governo –, mas a valorização do serviço público e de seus agentes é urgente.
Os servidores, as servidoras, os empregados e as empregadas estão na linha de frente da efetivação de políticas públicas diretamente relacionadas à promoção de diretos sociais, como alimentação, educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança e previdência. Assim, precisam trabalhar com condições dignas, sem espaço para perseguições ideológicas e com abertura para que tenham suas demandas ouvidas.
Brasília, 11 de janeiro de 2023.
REFERÊNCIAS
[1] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11345.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%2011.345%2C%20DE%201%C2%BA%20DE%20JANEIRO%20DE%202023&text=Aprova%20a%20Estrutura%20Regimental%20e,comiss%C3%A3o%20e%20fun%C3%A7%C3%B5es%20de%20confian%C3%A7a.> Acesso em 10/01/2023.
[2] Despacho disponível em: < https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/despacho-do-presidente-da-republica-455351891> Acesso em 05/01/23.
[3] Medida Provisória nº 1.154/23 disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1154.htm#:~:text=MEDIDA%20PROVIS%C3%93RIA%20N%C2%BA%201.154%2C%20DE,da%20Rep%C3%BAblica%20e%20dos%20Minist%C3%A9rios> Acesso em 05/01/2022.
[4] Decreto nº 11.367/23 disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-11.367-de-1-de-janeiro-de-2023-455351826 > Acesso em 05/01/23.
[5] Decreto nº 11.376/23 disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11376.htm> Acesso em 05/01/23.
[6] MP nº 1.156/23 disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1156.htm> Acesso em 05/01/23.
Ana Luyza Caires
Advogada da LBS Advogados
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Mádila Barros
Advogada da LBS Advogados
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