Arcabouço fiscal: futuro incerto

Após o fracasso da Emenda Constitucional nº 95/16, que instituiu, a partir do ano de 2017, limites para as despesas primárias dos órgãos públicos por vinte exercícios financeiros, o arcabouço fiscal surge como o “novo teto de gastos.”

A obrigatoriedade de apresentação do arcabouço fiscal foi condição do Congresso para aprovação da Emenda Constitucional nº 126/22, denominada como “emenda da transição”, que possibilitou desde o pagamento das aposentadorias até criar espaço extraordinário no orçamento para o pagamento do Bolsa Família.

O texto está em disputa agora na Câmara dos Deputados, e com essa disputa, tem futuro incerto.

A prestação do serviço público poderá ser prejudicada, pois, caso os “gatilhos” sejam acionados pelo não atendimento das metas, não poderão ser realizados novos concursos e os servidores poderão ficar sem receber reajustes, o que independe das demandas sociais.

De todo modo, os servidores públicos, mesmo que os gatilhos não sejam acionados, sofrerão prejuízo em suas remunerações, pois terão que lutar por espaço no orçamento para reajustes com outras despesas primárias.

 

Registra-se que o contingenciamento das despesas em caso do não cumprimento de metas será obrigatório.

O futuro é incerto especialmente quanto à inclusão ou exclusão dos repasses do Fundeb, do Fundo Constitucional do Distrito Federal e dos recursos para o pagamento do Piso Nacional da Enfermagem nos limites do teto de gastos.

Com o novo arcabouço, a vida de todos os brasileiros será impactada, não apenas dos servidores públicos.

Nessa análise, apresentamos ao leitor a situação do Projeto de Lei no Congresso Nacional, especialmente quanto às alterações no texto original e as disputas em torno dessas mudanças pelas Casas Legislativas em relação às despesas que ficarão fora do teto, e como funcionam as faixas de tolerância e os prejuízos ao serviço público.

 

 

Futuro incerto? Texto devolvido para a Câmara dos Deputados

No dia 23 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o texto base do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 93/23, que institui o novo arcabouço fiscal e substitui o teto de gastos atual.

A proposta, até então aprovada pela Câmara dos Deputados, incluía a complementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) e os repasses para o pagamento do piso salarial nacional da enfermagem do limite de despesas do novo teto.

Contudo, ao chegar no Senado Federal, o relator, Senador Omar Aziz (PSD-AM), fez alterações no Projeto já aprovado pela Câmara, excluindo do arcabouço fiscal os recursos do Fundo Constitucional do DF, a complementação do Fundeb e também as despesas nas áreas de ciência, tecnologia e inovação.

Acompanhando o relator, no dia 21 de junho, o plenário do Senado Federal incluiu essas três novas exceções ao arcabouço, o que pode representar pequena vitória.

Contudo, o Piso Nacional da Enfermagem permanece com risco de comprometimento, pois foi mantido no limite de gastos, após a votação no Plenário.

Apesar de haver uma emenda para a exclusão do piso do arcabouço, ela não foi acatada pelo relator.

Como o texto teve alterações no Senado Federal, precisa ser devolvido à Câmara dos Deputados, que fará análise das mudanças feitas, com nova votação.

 

 

Regime mais rigoroso

No teto anterior, o crescimento das despesas públicas estava atrelado à inflação, contudo, pelo “novo teto”, o aumento das despesas estará diretamente vinculado ao crescimento das receitas”, o que traz um regramento muito mais rigoroso, pois as despesas somente poderão aumentar caso as receitas também aumentem, independentemente da inflação.

 

 

Impactos nos investimentos na área de educação

Dentre os principais aspectos questionáveis do texto que havia sido aprovado pela Câmara, está a inclusão da complementação de recursos da União para o Fundeb.

Contudo, no dia 21 de junho, o Plenário do Senado aprovou a exclusão desses recursos do arcabouço fiscal.

Caso a Câmara dos Deputados não aceite a exclusão e decida manter o Fundeb no arcabouço, o risco de retrocesso de investimentos nas áreas de educação é enorme, afetando a merenda, o transporte escolar, o fornecimento de livros didáticos e os programas educacionais em geral.

Além disso, o cumprimento do Piso Salarial Nacional do Magistério da Educação Pública poderá ser prejudicado, em razão das limitações da complementação do Fundo.

Assim, os investimentos da educação terão que concorrer com as demais áreas para obtenção de recursos.

Portanto, foi acertada a decisão do Senado em excluir o Fundeb desses limites, e espera-se que a Câmara mantenha a exclusão.

 

 

Piso Nacional da Enfermagem em risco

Pelo novo arcabouço, o Piso Nacional da Enfermagem constará no limite de despesas e da respectiva base de cálculo do teto de gasto, o que poderá trazer dificuldades ao cumprimento do pagamento do piso à categoria.

No dia 21 de junho, o Senado Federal não acatou a emenda que poderia retirar o Piso Nacional da Enfermagem do arcabouço. No retornar do texto à Câmara, haverá última chance de retirada.

 

 

O Fundo Constitucional do Distrito Federal no arcabouço

A inclusão do Fundo Constitucional do Distrito Federal no teto de gastos também estava prevista no texto aprovado na Câmara, mas foi retirada no Plenário do Senado.

Essa inclusão impossibilitava até mesmo reajustes salariais no futuro aos professores e à segurança pública do Distrito Federal.

Além disso, o texto original fazia previsão de que o fundo constitucional do DF passará a ser corrigido a cada ano pela variação do limite da despesa primária do Poder Executivo Federal, o que pode resultar em diminuição dos valores repassados, comprometendo ainda mais as possibilidades de reajustes.

Trata-se de vitória e é outro ponto que passará por nova votação na Câmara dos Deputados. Espera-se que se mantenha a exclusão do fundo constitucional do arcabouço, conforme decidido no Senado.

 

 

Despesas excepcionadas do teto

Além dos repasses do Fundeb e os recursos do Fundo Constitucional do DF, excepcionados do teto até o momento, graças a Senado Federal, há outras despesas que ficarão fora do arcabouço.

O Projeto prevê que estarão fora do teto de gastos as despesas de universidades públicas federais, das empresas públicas da União prestadoras de serviços para hospitais universitários federais e das instituições federais de educação, ciência e tecnologia vinculadas ao Ministério da Educação, dos estabelecimentos de ensino militares federais, e das demais instituições científicas, tecnológicas e de inovação, nos valores custeados com receitas próprias, ou de convênios, contratos ou instrumentos congêneres, celebrados com os demais entes federativos ou entidades privadas e outros.

Portanto, empresas públicas como a EBSERH, que prestam serviços para hospitais universitários, não estarão dentro do arcabouço.

Trata-se de proteção que foi conferida às universidades públicas, hospitais universitários federais e instituições federais de educação, ciência e tecnologia, que geralmente são as primeiras e mais afetadas com corte de investimentos.

Os créditos extraordinários liberados para urgências, despesas da Justiça Eleitoral com as eleições, parcelamentos de precatórios do antigo Fundef, pagamento de precatórios com deságio aceito pelo credor, despesas da União com obras e serviços de engenharia custeadas com recursos transferidos por Estados e Municípios e outros também não serão afetados.

 

Das limitações orçamentárias e faixas de tolerância

O resultado primário (diferença entre receita e despesa) obtido poderá variar dentro de uma faixa de tolerância de 0,25 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) previsto no projeto da LDO, seja para baixo ou para cima. Essa regra foi incluída na Lei de Responsabilidade Fiscal.

A despesa crescerá ao menos 0,6%, com base na variação da receita. Já o máximo de aumento será equivalente a 2,5%, mesmo que a aplicação dos 70% da variação da receita resulte em valor maior.

Como despesas com a manutenção do serviço público em funcionamento, como renumerações de servidores e reajustes, são despesas primárias obrigatórias, essas também deverão respeitar as limitações orçamentárias.

Dentre outras despesas primárias obrigatórias, destacam-se aqueles relacionados com a manutenção dos direitos individuais (aposentadoria, assistência social, seguro-desemprego) e mínimos constitucionais (saúde, educação e outros).

Na prática, com o arcabouço fiscal, os servidores terão que lutar por espaço no orçamento público para ter reajustes com outras despesas igualmente obrigatórias, no contexto de despesas orçamentárias primárias extremamente limitadas, dentro das faixas de tolerância, o que na prática poderá impossibilitar reajustes, pois, no melhor dos cenários, o aumento de despesas real fica limitado a 2,5%.

 

Mais prejuízos ao serviço público no caso de acionamento dos “gatilhos”

Se no primeiro ano o resultado primário for abaixo do limite inferior, será vedado criar cargos e alterar carreiras, criar ou majorar auxílios e vantagens, bem como criar ou reajustar despesa obrigatória.

No segundo ano consecutivo, caso o resultado primário fique abaixo do limite inferior, serão acionados novos gatilhos, como vedação de reajuste ou aumento a servidor, contratação de pessoal e realização de concurso público.

E, caso a proporção dentre despesas obrigatórias e primárias ultrapassar a 95%, todas essas medidas de restrição poderão ser adotadas.

A vedação de aumentos, reajustes e vantagens, bem como a não realização de concursos públicos e outras medidas a serem tomadas em caso de acionamento dos gatilhos tendem ao retrocesso social nas conquistas de direitos dos servidores públicos, associado à precarização do serviço público em prol do cumprimento da “regra de ouro”, que proíbe que governos façam empréstimos para pagar despesas correntes (exemplo de despesa corrente: salários), regra constante na Lei de Responsabilidade Fiscal.

 

 

Risco de desmonte de políticas sociais

Além dos impactos ao serviço público, o teto abrange os orçamentos fiscal e da Seguridade Social da União, o que certamente provocará repercussão na garantia de direitos como aposentadoria, assistência social e seguro-desemprego.

Apesar de o salário-mínimo ter sido excluído do teto, o Bolsa Família está dentro do limite geral de gastos, ou seja, poderá não ter um aumento “real”, acima da inflação.

 

 

Conclusões

Na prática, o que o gatilho traz é um congelamento que impõe limitação às datas-bases dos servidores públicos quando essas são regulamentadas e limitações semelhantes às da Lei Complementar nº 173/20, porém ainda mais gravosa. O novo arcabouço fiscal traz riscos de prejuízo às políticas públicas, como o pagamento do Bolsa Família e à seguridade social da União, incluídos no teto.

Os “gatilhos” que poderão ser acionados no caso de descumprimento das metas fiscais afetam diretamente o serviço público, com riscos de precarização.

O cenário que o PLP traz não é positivo. Frisa-se que servidores terão que enfrentar um orçamento limitadíssimo para os reajustes futuros, ainda que as metas fiscais sejam cumpridas. Havendo descumprimento das metas, os reajustes não ocorrerão.

O único ponto positivo do Projeto foi afastar do teto as despesas de universidades públicas federais, das empresas públicas da União prestadoras de serviços para hospitais universitários federais e das instituições federais de educação, ciência e tecnologia, vinculadas ao Ministério da Educação, dos estabelecimentos de ensino militares federais e das demais instituições científicas, tecnológicas e de inovação.

Caso o Projeto seja aprovado pelo Congresso Nacional, haverá dificuldade de reversão.

Contudo, o cenário até o momento tem melhorado em comparação ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados e, ainda, ao original do Poder Executivo.

O Senado Federal retirou a complementação da União para o Fundeb e o fundo constitucional do Distrito Federal da limitação do teto. Falta ainda retirar o Piso Salarial Nacional da Enfermagem, e pode ser que isso aconteça no retorno do texto à Câmara dos Deputados.

Trata-se de futuro “incerto” e de muita disputa, mas com esperança de que, ao final, pelo menos os repasses do Fundeb, os recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal e o Piso Salarial Nacional da Enfermagem estejam a salvos.

É necessário continuar acompanhando.

 

Brasília, 26 de junho de 2023.

Camilla Louise Galdino Cândido

Sócia da LBS Advogadas e Advogados

E-mail: camilla.candido@lbs.adv.br

Mádila Barros Severino de Lima

Advogada da LBS Advogadas e Advogados

E-mail: madila.barros@lbs.adv.br

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