Foi aberto o período de inscrição de candidaturas para as listas tríplices destinadas à composição do Conselho Nacional de Proteção de Dados e Privacidade Pessoal da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, com prazo de 30 dias contados da publicação do Edital (04/02/2021), encerrando-se no dia 06/03/2021.
O Conselho tem papel importante, consultivo, junto à Autoridade Nacional de Proteção de Dados, a ANPD, podendo, entre outras atividades, elaborar estudos, consultas públicas e relatórios acerca da política nacional de proteção de dados.
A Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei nº 13.709/18) é lei moderna, que garante direitos relativos à privacidade dos cidadãos, e depende muito da participação ativa da sociedade para que seja implantada adequadamente entre nós.
Ela estabelece novos direitos, garantindo algum controle dos cidadãos com relação à utilização de seus dados pessoais, transparência com relação à existência de seus dados, capacidade de correção dos dados e, em muitos casos, a possibilidade de exigir a eliminação de seus dados – como, por exemplo, daquelas empresas com as quais não desejo me relacionar e que telefonam, mandam e-mails, textos, constantemente.
Para o bom funcionamento da Lei, é necessário que a sociedade civil se apodere dela (assim como foi feito em passado próximo com o Código de Defesa do Consumidor, que trouxe direitos novos que foram abraçados e defendidos, como o estabelecimento claro da responsabilidade de fabricantes e fornecedores, direito a garantia, direito de troca etc.), exigindo seu cumprimento e das empresas e demais instituições que façam a sua adequação.
A ANPD é ligada diretamente ao governo federal e certamente sofrerá, em sua atuação, os reflexos políticos de uma administração que não tem qualquer compromisso com interesses da classe trabalhadora.
Apesar disso, a Lei – que não é de propriedade nem de iniciativa desse governo – ao prever a participação da sociedade civil e, em especial, a participação de representação dos trabalhadores, com duas vagas no Conselho Nacional de Proteção de Dados e Privacidade Pessoal, abre a possibilidade de que esses interesses possam ser representados.
PARTICIPAÇÃO DE ENTIDADES REPRESENTATIVAS DO SETOR LABORAL
Por meio do Edital nº 5[1], de 3 de fevereiro de 2021, publicado no Diário Oficial da União em 4 de fevereiro de 2021, o Diretor-Presidente da Autoridade Nacional de Proteção de Dados convocou as entidades representativas do setor laboral para apresentação de indicação de um nome, objetivando a formação de lista tríplice para o preenchimento de duas vagas no Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, por igual período.
E quais seriam essas entidades representativas do setor laboral?
Embora a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais não seja clara quanto à expressão, ao prever a composição do Conselho em seu art. 58-A, inciso XI, o ordenamento jurídico brasileiro, de forma sistêmica, indica que as Centrais Sindicais são as organizações legitimadas a indicar representantes em conselhos com participação popular e diálogo social.
A interpretação segue a lógica da Lei nº 11.648/08, que dispõe sobre o reconhecimento das Centrais Sindicais:
Art. 1º A central sindical, entidade de representação geral dos trabalhadores, constituída em âmbito nacional, terá as seguintes atribuições e prerrogativas:
(…)
II – participar de negociações em fóruns, colegiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo social que possuam composição tripartite, nos quais estejam em discussão assuntos de interesse geral dos trabalhadores.
A Lei nº 11.648/08 consagrou o papel normativo das Centrais Sindicais e seu relevante papel político e institucional, participando ativamente de fóruns, como o Conselho Nacional do Trabalho e a Comissão Tripartite Paritária Permanente, e, em especial, junto à Organização Internacional do Trabalho.
A Lei nº 11.648/08 introduziu, ainda, mecanismo de aferição de representatividade (cf. arts. 2º e 4º), a ser atualizado anualmente.
Ao traçar as instruções para aferição do requisito de representatividade, a Portaria do então Ministério do Trabalho nº 194, de 17 de abril de 2008, fixou os parâmetros:
Art. 5º A aferição do índice previsto no inciso IV do art. 2º da Lei nº 11.648, de 2008, será realizada anualmente pelo MTE, utilizando-se das informações da RAIS do ano-base correspondente a dois anos anteriores, outros dados de órgãos oficiais e do CNES do dia 31 de dezembro do ano anterior ao do ano-base de referência.
Conforme se confirma na mais atual aferição, do ano de 2016, divulgada pelo então Ministro do Trabalho no Diário Oficial da União do dia 1º de abril de 2016, as Centrais Sindicais que figuram como as mais representativas e que, desse modo, participam de fóruns nacionais e internacionais de diálogo social são:
Consoante o disposto no art. 4º e parágrafos da Lei nº. 11.648, de 31 de março de 2008 e Portaria nº. 1.717 de 05 de novembro de 2014, após análise dos recursos interpostos e considerando o relatório de apuração do índice de representatividade 2016, conforme disposição contida no art. 8º da Instrução Normativa nº 02/2014, DIVULGO as Centrais Sindicais que atenderam aos requisitos previstos no art. 2º da referida Lei, com os seus devidos índices de representatividade, tendo como 2016 o ano de referência, as quais serão fornecidos os respectivos certificados de representatividade – CR.
a) CUT – Central Única dos Trabalhadores, com índice de representatividade de 30,40 %;
b) UGT – União Geral dos Trabalhadores, com índice de representatividade de 11,29 %;
c) CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, com índice de representatividade de 10,08 %;
d) FS – Força Sindical, com índice de representatividade de 10,08 %;
e) CSB – Central dos Sindicatos Brasileiros – 8,15%;
f) NCST – Nova Central Sindical de Trabalhadores, com índice de representatividade de 7,45%.[2]
Assim, é incontestável a legitimidade das Centrais Sindicais para a interlocução institucional acerca das questões relacionadas à proteção de dados e que certamente atingirão o mundo do trabalho.
Relevante ainda destacar que a Convenção nº 144 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil em 27 de setembro de 1994, define as organizações representativas:
Art. 1 — Na presente Convenção a expressão ‘organizações representativas’ significa as organizações mais representativas de empregadores e trabalhadores, que gozem do direito de liberdade sindical.
No art. 2, a Convenção ainda estabelece:
Art. 2 — 1. Todo Membro da Organização Internacional do Trabalho que ratifique a presente Convenção compromete-se a pôr em prática procedimentos que assegurem consultas efetivas, entre os representantes do Governo, dos empregadores e dos trabalhadores, sobre os assuntos relacionados com as atividades da Organização Internacional do Trabalho a que se refere ao artigo 5, parágrafo 1, adiante.
DESRESPEITO À PARIDADE NA REPRESENTAÇÃO DE TRABALHADORES E EMPREGADORES NO CONSELHO
O art. 58-A da LGPD fixa a composição do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade:
Art. 58-A. O Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade será composto de 23 (vinte e três) representantes, titulares e suplentes, dos seguintes órgãos:
I – 5 (cinco) do Poder Executivo federal;
II – 1 (um) do Senado Federal;
III – 1 (um) da Câmara dos Deputados;
IV – 1 (um) do Conselho Nacional de Justiça;
V – 1 (um) do Conselho Nacional do Ministério Público;
VI – 1 (um) do Comitê Gestor da Internet no Brasil;
VII – 3 (três) de entidades da sociedade civil com atuação relacionada a proteção de dados pessoais;
VIII – 3 (três) de instituições científicas, tecnológicas e de inovação
IX – 3 (três) de confederações sindicais representativas das categorias econômicas do setor produtivo;
X – 2 (dois) de entidades representativas do setor empresarial relacionado à área de tratamento de dados pessoais; e
XI – 2 (dois) de entidades representativas do setor laboral.
Da leitura dos incisos X e XI, percebe-se que a paridade de representação de trabalhadores, prevista na Lei 11.648/08, e empregadores não foi respeitada. Haverá três representantes de confederações sindicais patronais e apenas dois representantes das Centrais Sindicais:
Art. 3º A indicação pela central sindical de representantes nos fóruns tripartites, conselhos e colegiados de órgãos públicos a que se refere o inciso II do caput do art. 1º desta Lei será em número proporcional ao índice de representatividade previsto no inciso IV do caput do art. 2º desta Lei, salvo acordo entre centrais sindicais.
(…)
§ 2º A aplicação do disposto no caput deste artigo deverá preservar a paridade de representação de trabalhadores e empregadores em qualquer organismo mediante o qual sejam levadas a cabo as consultas.
Por ora, no entanto, como o Edital repete o que está na LGPD, as Centrais Sindicais deverão indicar, sem prejuízo de futuro questionamento ou alteração legislativa para adequação da paridade.
PROCEDIMENTO PARA INDICAÇÃO DE NOME
A Centrais Sindicais deverão encaminhar à ANPD documento contendo o nome do indicado, por extenso, acompanhado de:
1. demonstração das características da entidade, evidenciando sua caracterização como entidade representativa do setor laboral;
2. currículo assinado pelo indicado, demonstrando que a sua qualificação é compatível com as matérias afetas ao Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade;
3. comprovação do vínculo do indicado com a entidade;
4. declaração, nos termos do Anexo a este Edital, devidamente preenchida e assinada pelo indicado; e
5. endereço de contato, telefone e endereço de e-mail para eventual solicitação de documentação complementar.
Cada entidade interessada deverá indicar apenas um único nome e o Conselho Diretor formará uma única lista tríplice por vaga.
Os nomes formarão lista tríplice de titulares e suplentes para o preenchimento das duas vagas, que será encaminhada ao Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República para nomeação pelo presidente da República.
Serão considerados, como critérios para a elaboração da lista tríplice, a representatividade do candidato e a sua experiência na área de proteção de dados pessoais e áreas correlatas.
A documentação[3] deverá ser enviada exclusivamente por meio de peticionamento eletrônico, disponível no link: https://www.gov.br/secretariageral/pt-br/sei-peticionamentoeletronico, até 06/03/2021.
Brasília, 3 de março de 2021.
REFERÊNCIAS
[1] Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/edital-n-5-de-3-de-fevereiro-de-2021-302130831>. Acesso em 03/03/2021.
[2] Diário Oficial da União, 1º de abril de 2016, página 132.
[3] O Anexo do Edital nº 5 ainda traz Declaração de Indicado à Vaga de Representante no Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/edital-n-5-de-3-de-fevereiro-de-2021-302130831>. Acesso em 03/03/2021.

José Eymard Loguercio
Sócio da LBS Advogados
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Nilo Beiro
Sócio da LBS Advogados
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Fernanda Caldas Giorgi
Sócia da LBS Advogados
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