Desincompatibilização de dirigente sindical e as eleições de 2024

Artigo da LBS Advogadas e Advogados em pareria com Santo, Borges, Sena Advogados. 


O calendário das eleições municipais de 2024 prevê a realização do 1º turno em 6 de outubro. Dúvidas surgem em relação à desincompatibilização de dirigentes sindicais que concorrerão a cargos de prefeito e vereador, até quatro meses antes da eleição, ou seja, em 5 de junho de 2024.

Neste texto, abordamos:

  1. Necessidade ou não da desincompatibilização de dirigente sindical;
  2. Desincompatibilização eleitoral;
  3. Afastamento de fato do cargo e das funções na entidade sindical e posterior retorno;
  4. Impacto da desincompatibilização sobre a remuneração do candidato dirigente sindical;
  5. Como proceder à desincompatibilização: prazo e modelo de requerimento.

 

  1. Necessidade ou não da desincompatibilização de dirigente sindical

A necessidade de desincompatibilização justifica-se pelo caráter obrigatório da contribuição sindical, alterado pela “Reforma Trabalhista” (Lei nº 13.467/17).

O fato de as entidades sindicais receberem contribuições impostas pelo Poder Público ou arrecadados e repassados pela Previdência Social está explicitado na alínea “g” do inciso II do art. 1º Lei Complementar nº 64/90, conhecida como Lei de Inelegibilidade.

Se a “Reforma Trabalhista” alterou a compulsoriedade da contribuição sindical, porém, ainda se faz necessária a desincompatibilização? O tema é bastante polêmico.

Ora, a contribuição sindical não foi extinta completamente, apenas perdeu seu caráter obrigatório, e sua arrecadação ainda acontece via ente estatal, a Caixa Econômica Federal, desde que haja anuência prévia e expressa dos trabalhadores e das trabalhadoras.

Além do mais, como bem explica Antonio Augusto de Queiroz, continuam em vigor os dispositivos constitucionais que autorizam a cobrança da contribuição (arts. 8º e 149) e a alínea “g” do inciso II do art. 1º da LC nº 64/90 e permanece também vigente a Resolução nº 18.019/92, do Tribunal Superior Eleitoral, que re-ratifica as Resoluções nºs 17.964 e 17.966, sobre a necessidade da desincompatibilização.[1]

Em 2021, na Consulta nº 0600317-08.2021.6.00.0000, o Tribunal Superior Eleitoral proferiu decisão sobre o tema em que admitiu a desnecessidade de desincompatibilização de dirigentes de entidades sindicais que não sejam mantidas por contribuições impostas pelo Poder Público ou com recursos repassados pela Previdência Social:

Conforme se extrai do trecho do parecer acima reproduzido, o dispositivo questionado (art. 1º, II, “g”, da LC nº 64/1990) guarda descomplicada redação no sentido de que, caso se trate de entidade que não seja subvencionada por contribuições impostas pelo Poder Público ou com recursos repassados pela Previdência Social, não há falar em desincompatibilização de seus dirigentes.

Como se sabe, a Lei nº 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista) retirou o caráter compulsório da contribuição sindical, gerando a facultatividade do custeio das entidades por parte da classe dos trabalhadores, conforme se depreende da leitura dos arts. 578, 579, 582 e 587 da CLT.

Destarte, na hipótese em que não houver a manutenção da entidade representativa de classe por “impostos” sindicais (leia-se “tributos”) ou por quaisquer outras fontes de custeio oriundas do Poder Público, descabe falar em prazo de desincompatibilização de seus dirigentes e/ou representantes.

(…)

É dizer: sendo o caso de entidade representativa de classe que não é mantida por contribuição imposta pelo Poder Público ou por recursos repassados pela Previdência Social, não há falar em desincompatibilização de seus dirigentes e representantes.

Não obstante, a circunstância de a entidade sindical ser ou não mantida, total ou parcialmente, com recursos da contribuição sindical ou com origem no Poder Público é matéria que demanda produção de provas.

Por isso, considerando que a incompatibilidade é causa de inelegibilidade, a candidatura de dirigente sindical que opte por não se desincompatibilizar no prazo legal fica sujeita a impugnações em seu processo de registro perante a Justiça Eleitoral, bem como à necessidade de provar documentalmente a origem das receitas da entidade.

Essa situação prejudica o bom andamento da campanha eleitoral. Assim, a orientação pela desincompatibilização de dirigente eleitoral até o dia 5 de junho de 2024 é o melhor caminho para evitar questionamentos e afastar o risco de eventual inelegibilidade.

 

  1. Desincompatibilização eleitoral

A desincompatibilização, conforme o disposto nos arts. 14, parágrafo 9º, da Constituição federal e 1º, inciso II, letra g, da Lei Complementar nº 64/90, é o ato pelo qual o cidadão se desvencilha de uma inelegibilidade para poder candidatar-se em determinada eleição. Vejamos:

 

Constituição da República

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(…)

  • Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

Lei Complementar nº 64/1990 (Lei de Inelegibilidade)

Art. 1º São inelegíveis:

(…)

II – para Presidente e Vice-Presidente da República:

(…)

  1. g) os que tenham, dentro dos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito, ocupado cargo ou função de direção, administração ou representação em entidades representativas de classe, mantidas, total ou parcialmente, por contribuições impostas pelo poder Público ou com recursos arrecadados e repassados pela Previdência Social;

(…)

Assim, a desincompatibilização eleitoral consiste no afastamento, definitivo ou temporário, de cargo ou função para viabilizar:

  • A lisura do pleito, evitando que haja abuso do exercício de função, cargo ou emprego e influência do poder econômico, assegurando, consequentemente, igualdade de oportunidades entre os candidatos – princípio republicano.
  • O gozo do direito político-eleitoral de ser votado – exercício pleno da cidadania.

Em relação aos dirigentes sindicais, o afastamento do cargo será nos quatro meses anteriores ao pleito para concorrer a mandato eletivo, sob pena de indeferimento do registro de candidatura (artigo 1º, inciso II, letra g, da LC nº 64/1990), prazo que acaba em 5 de junho de 2024.

  1. Afastamento de fato do cargo e das funções na entidade sindical e posterior retorno

Ao aplicar a normativa de desincompatibilização eleitoral de dirigentes sindicais, os tribunais ressaltam que, embora a desincompatibilização não seja definitiva (trata-se de mero afastamento ou licença), deve implicar afastamento de fato do cargo pelo período exigido.

Assim, não basta que o dirigente requeira o afastamento à entidade e continue participando da vida sindical, participando de reuniões, exercendo as atribuições de seu cargo ou mesmo gerindo a entidade. Recomenda-se até mesmo a não participação nos grupos de WhatsApp da entidade social, por exemplo.

Nesse sentido, são ilustrativas as decisões abaixo:

“CONSULTA. INELEGIBILIDADE. ELEIÇÃO MUNICIPAL. PRAZO DE DESINCOMPATIBILIZAÇÃO.

(…)

3) O dirigente sindical deverá desincompatibilizar-se no prazo de 4 (quatro) meses antes do pleito para candidatar-se ao cargo de prefeito ou vereador.

(…)

O item 1.2 já foi respondido por esta Corte na Resolução TSE n° 19.566/96, relatoria do Ministro Costa Leite, DJ de 11.6.96, e no Acórdão nº 13.763/97, relator Ministro Rezek, publicado em sessão do dia 3.2.97, respectivamente: ‘Dirigente sindical, para candidatar-se a Prefeito, deverá desincompatibilizar-se do cargo quatro meses antes do pleito, prazo que não se altera em virtude de ser gestor de contribuições parafiscais, em face do disposto no art. 1°, IV, da LC 64/90, que estabelece idêntica exigência’. ‘Recurso especial. Registro de candidato. Dirigente sindical. Desincompatibilização. O dirigente sindical, para candidatar-se ao cargo de prefeito, de vereador deverá desincompatibilizar-se quatro meses antes do pleito (precedente: Res. nº 19.558 – consulta nº 147-DF, rel. o min. Diniz de Andrada).’”  (TSE – Res. n° 20.623, de 16.5.2000 – Ministro Relator Maurício Corrêa) (Destaque nosso)

 “AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. LC Nº 64/90, ART. 1º, INCISO II, ALÍNEA G. CANDIDATURA. PREFEITO. AFASTAMENTO DEFINITIVO. DESNECESSIDADE. DESPROVIMENTO.

  1. Para candidatar-se ao cargo de prefeito, o dirigente de entidade representativa de classe deverá se desincompatibilizar no prazo previsto no art. 1º, inciso II, alínea g, da Lei Complementar nº 64/90, sendo desnecessário o afastamento definitivo do cargo.
  2. Agravo regimental desprovido.” (TSE – AgR-REspe nº 33.896 – Ministro Relator Marcelo Ribeiro) (Destaque nosso)

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. INDEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE. LC Nº 64/90, ART. 1º, II, g. REPRESENTAÇÃO. SINDICATO. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. AUSÊNCIA.

  1. O argumento que propõe a vinculação entre estabilidade sindical e inelegibilidade não foi apreciado pela instância regional e nem pela decisão agravada, não sendo possível a inovação das teses recursais no agravo regimental.
  2. Para elidir a inelegibilidade em tela seria imprescindível o afastamento de fato do exercício das funções inerentes à representação ou direção da entidade sindical. Precedentes

(…) 4. Agravo regimental desprovido.” (TSE – AgR-REspe nº 29.539896  – Ministro Relator Marcelo Ribeiro) (Destaque nosso)

Por fim, ultrapassado o prazo de desincompatibilização, o dirigente candidato, eleito ou não, poderá retornar ao cargo que ocupava na entidade sindical, a partir do dia seguinte às eleições.

  1. Impacto da desincompatibilização sobre a remuneração do candidato dirigente sindical

Uma vez que o afastamento de dirigente não é definitivo, quais serão os efeitos da desincompatibilização eleitoral com relação à liberação com ônus para a entidade sindical (art. 543, parágrafo 2º, da CLT)? E sobre o contrato de trabalho?

Considerando que o dirigente sindical liberado sem ônus para o empregador e, consequentemente, com ônus para a entidade sindical (artigo 543, § 2º, da CLT) desincompatibilizou-se no prazo legal, ou seja, afastou-se do cargo 4 meses antes da eleição, o que ocorre com sua remuneração e com o pagamento dos encargos trabalhistas e previdenciários?

O afastamento de fato do dirigente de suas funções junto à entidade sindical não é definitivo, como observado acima, e, assim, não interrompe o seu mandato nem implica necessidade de retorno ao trabalho.

O Tribunal Superior Eleitoral responde nesse sentido à consulta acerca do afastamento de dirigente sindical:

Consulta. Dirigente sindical. Candidato a deputado estadual ou distrital. Desincompatibilização. Necessidade. Prazo. 4 meses. Afastamento não definitivo.” NE: “O prazo de desincompatibilização previsto no art. 1º, inciso II, alínea g, da Lei Complementar nº 64/90, é de 4 (quatro) meses, sendo suficiente, no caso, quanto ao detentor de mandato eletivo, a licença a desaguar na cessação da atividade. (Res. nº 22.194, de 25/04/2006, rel. Min. Gilmar Mendes) (Destaques nossos)

Esse afastamento temporário das funções implica, como dito, que o dirigente deixe de exercer atividades típicas de administração da entidade, mas não guarda relação com a remuneração.

A legislação é omissa quanto à remuneração. A razoabilidade, no entanto, indica que o fato de o dirigente receber remuneração do sindicato durante seu afastamento não caracteriza gestão de fato, mas apenas e tão somente a manutenção de sua subsistência enquanto ele se afasta da entidade por imposição legal para exercer um direito de cidadania.

Vejamos jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ESPECIAL. Eleições de 2004. Registro. Desincompatibilização. Ausência. Provas. Reexame. Impossibilidade. A prática de ato típico de administração, consistente no endosso de cheque, induz inelegibilidade por ausência de desincompatibilização. O recurso especial não é meio idôneo para o reexame de provas.

“(…) consta no acórdão regional que a rejeição do registro se baseou na ausência de veracidade “dos fatos constantes nos referidos documentos”, tendo em vista “que o recorrente apenas aparentemente passou a Presidência do sindicato para a Sra. Genalva dos Reis, continuando de fato a exercer o cargo” (fl. 289).

Para dissentir desse entendimento, será necessário reexaminar as provas, algo inadmissível nesta instância. Não houve o confronto analítico (Súmulas nos 7/STJ, 279 e 291/STF).

É o próprio recorrente quem reconhece ter praticado ato típico de administração, consistente no endosso de cheque oriundo da Prefeitura, destinado ao pagamento de débitos do sindicato. (…)” (REspe n° 22.754/PR, rel. Min. Humberto Gomes de Barros – Ac. de 15.9.2004) (Destaques nossos)

No tocante ao pagamento de remuneração e respectivos encargos trabalhistas e previdenciários do dirigente que se afasta, repita-se, a legislação é omissa.

E somente a legislação, pelo princípio da legalidade, poderia (I) obrigar o pagamento de remuneração à pessoa em período de desincompatibilização ou (II) proibi-la de receber sua remuneração enquanto afastada temporariamente do cargo para concorrer à eleição.

O princípio da legalidade constitui uma das principais garantias no que se refere aos direitos individuais, nos quais se insere o direito de cidadania de votar e ser votado, como demonstrado acima.

Dada a omissão legislativa, outra fonte normativa que poderia solucionar a consulta é o estatuto social da entidade sindical.

A orientação, assim, é que cada entidade sindical analise seu estatuto social neste ponto.

Esgotado também este caminho, passamos à pesquisa da jurisprudência eleitoral e trabalhista sobre o assunto.

A jurisprudência eleitoral não enfrenta o tema do recebimento de vencimentos por dirigente sindical por considerá-lo matéria estranha à seara do Direito Eleitoral, conforme se verifica da decisão abaixo transcrita.

“Consulta […]. Recebimento de vencimentos de dirigente ou representante sindical. Candidato ao cargo de prefeito ou vereador. Matéria que escapa aos lindes do Direito Eleitoral. […] Dirigente ou representante de entidade municipal, estadual ou nacional que não receba imposto sindical ou qualquer outro tipo de recurso público. Necessidade de afastamento para a candidatura a prefeito ou vereador. […] Dirigente ou representante de associação profissional não reconhecida legalmente entidade sindical e que não receba recursos públicos. Candidatura a prefeito ou vereador. Não está sujeito a desincompatibilização.” (Res. nº 20.590, de 30/03/2000, rel. Min. Eduardo Alckmin) (Destaques nossos)

Os tribunais eleitorais limitam-se a conhecer e julgar os efeitos da desincompatibilização sobre a remuneração no que diz respeito aos servidores públicos, reconhecendo o direito à percepção de vencimentos por tratar-se de verba alimentar, cuja restrição implicaria privação do direito de concorrer a cargo eletivo, com violação frontal ao princípio da isonomia e ao exercício pleno da cidadania. As decisões abaixo copiadas ilustram essa posição:

I – Membro de direção escolar que pretenda concorrer a cargos eletivos deverá, sujeitando-se tal ofício à livre nomeação e exoneração, afastar-se definitivamente do cargo em comissão que porventura ocupe, até 3 (três) meses antecedentes ao pleito (LC nº 64/90, art. 1o, II, l). II – Na hipótese do inciso anterior, se detentor de cargo efetivo na administração pública, terá direito à percepção de sua remuneração durante o afastamento legal. III – Precedentes: Res. TSE nos 18.019/92, Pertence; 19.491/96, Ilmar Galvão; 20.610 e 20.623/2000, Maurício Corrêa. IV – Impossibilidade de retorno à função comissionada após consumada a exoneração. V – Consulta respondida negativamente. (Res. nº 21.097, de 14/05/002, rel. Min. Sepúlveda Pertence)

Inelegibilidade de servidores públicos em exercício (Lei Complementar no 64/90, art. 1o, II, l) […]: incidência nos pleitos municipais e regime de desincompatibilização. Regime de exclusão: rerratificação das resoluções nos 17.964 e 17.966, de 26.3.92. […] I, c – O servidor afastado para o fim do item 2, supra, tem direito à remuneração integral por todo o tempo de afastamento exigido. I, d – A administração poderá subordinar a continuidade do afastamento remunerado, à prova, no termo do prazo respectivo, do pedido de registro da candidatura; definitivamente indeferido o registro, cessa o direito ao afastamento. I, e – Não se aplica aos titulares de cargos em comissão de livre exoneração o direito ao afastamento remunerado de seu exercício, nos termos do art. 1º, II, l, da LC nº 64/90. (Res. nº 18.019, de 2.4.92, Rel. Min. Sepúlveda Pertence)

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AUDITOR FISCAL DA RECEITA FEDERAL. CANDIDATO A CARGO ELETIVO. DIREITO À REMUNERAÇÃO PELO PERÍODO INTEGRAL DE DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. […]. Destarte, faz-se necessário reconhecer-lhes o direito à remuneração pelo período integral da desincompatibilização. Entender em sentido contrário implicaria tolher o direito dessa categoria de servidores de se candidatarem a cargos eletivos. Precedentes do STJ e deste Tribunal. Apelação e Remessa Necessária improvidas. (TRF-5 – AC: 469680 SE 0001796-80.2008.4.05.8500, Relator: Desembargador Federal Augustino Chaves (Substituto), Data de Julgamento: 19/11/2009, Terceira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça Eletrônico – Data: 27/11/2009 – Página: 449 – Ano: 2009).

Em pesquisa nos tribunais trabalhistas de todas as regiões, também não se encontram julgados específicos sobre remuneração de dirigente sindical, liberado sem ônus para o empregador, que se afastou da entidade para concorrer às eleições.

Há decisões, porém, que se referem ao direito de afastamento dos empregados de empresas privadas, como se em exercício de suas ocupações habituais estivessem, e os reflexos desse afastamento sobre o contrato de trabalho. Vejamos.

FÉRIAS – Licença eleitoral – Não constitui falta ao serviço, impedindo o direito ao gozo de férias, a licença que se destina à desincompatibilização eleitoral, que não decorre diretamente da vontade do empregado, mas de determinação da lei, cujo objetivo reside precipuamente em afastar o empregado do local de trabalho, até mesmo para evitar que procure auferir proveitos dessa permanência, inclusive mediante a prática de clientelismo. Trata-se de disposição moralizadora que, desse modo, não pode ser impeditiva do gozo de direitos fixados constitucionalmente.

(…) Ocorre que a licença, sobretudo a que se destina à desincompatibilização eleitoral, que não decorre diretamente da vontade do empregado, mas de determinação da lei, cujo objetivo reside precipuamente em afastar o empregado do local de trabalho, até mesmo para evitar proveitos dessa permanência, inclusive a prática de clientelismo, não configura falta ao serviço, nem se assemelha com essa. Trata-se de disposição moralizadora que visa evitar que se estabeleça um conúbio entre o futuro representante do povo, que deverá estar isento para, em nome do povo, deliberar no Parlamento, se eleito for.

Ora, a candidatura a cargos eletivos é direito assegurado a qualquer cidadão, na medida em que o art. 14, da norma constitucional pátria, estabelece que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal, sendo livre a criação, fusão incorporação e extinção de partidos políticos.

Portanto se a licença em questão não constitui apenas um direito, mas um dever do cidadão que se dispõe a exercer um cargo eletivo, nem mesmo pode ser tida como descanso, haja vista que nesse período maior é o trabalho. No caso, sequer se pode afirmar que esteja o trabalhador licenciado em benefício próprio, mas da democracia, que a ele permite disputar uma eleição, como representante do povo.

Não fosse apenas as razões sociológicas e filosóficas, que me levam a não considerar a ausência nos casos de desincompatibilização como falta, tenho por certo que mesmo assim se caracterizasse a ausência, estaria justificada nos termos do art. 131, inciso IV, da CLT, que não permite dúvidas quando considera justificada a ausência que não tiver determinado o desconto do correspondente salário.

O dirigente sindical afastado temporariamente continua sendo dirigente, mas sem exercer suas funções. Por esse motivo também não reassume as suas atividades junto ao empregador, já que sua licença para exercício de mandato sindical continua a viger. Afastá-lo definitivamente do cargo, fazendo-o voltar ao seu posto de trabalho ou cessar o pagamento de sua remuneração significaria inviabilizar muitas candidaturas. (…)

(TRT 8ª Região – 4ª Turma – RO 0186700-91.2001.5.08.0005 – Juíza Relatora Odete Almeida Alves – data do julgamento 28/05/2002 – data de publicação 26/06/2002) (Destaque nosso)

É importante ressaltar, neste passo, que a Lei nº 7.664/88, ao estabelecer normas para a realização das eleições municipais de 15 de novembro de 1988, trata do direito de afastamento dos trabalhadores do setor privado desobrigando o empregador de remunerar o período (parágrafo único do art. 25). Dispõe assim:

Lei nº 7.664/88

Art. 25. Ao Servidor público, estatutário ou não, dos órgãos ou entidades da Administração Direta ou Indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios, das fundações instituídas pelo Poder Público, e ao empregado de empresas concessionárias de serviços públicos fica assegurado o direito à percepção de sua remuneração, como se em exercício de suas ocupações habituais estivesse, durante o lapso de tempo que mediar entre o registro de sua candidatura perante à Justiça Eleitoral e o dia seguinte ao da eleição, mediante simples comunicado de afastamento para promoção de sua campanha eleitoral.

Parágrafo único. O direito de afastamento previsto no caput deste artigo se aplica aos empregados de outras empresas privadas, ficando estas desobrigadas do pagamento da remuneração relativa ao período.

A vigência deste dispositivo, porém, é controvertida, já que a Lei de Inelegibilidade (LC nº 64/90) revogou tacitamente o caput do art. 25 da Lei nº 7.664/88, que é expressamente mencionado no parágrafo único.

Diante dessa polêmica, há dois cenários possíveis:

  • Na hipótese de vigência do dispositivo, o afastamento sem remuneração é direito do trabalhador e o empregador não pode se opor ao seu exercício.
  • No caso de revogação tácita, o afastamento dependeria de prévio ajuste entre trabalhador e empregador, inclusive quanto ao pagamento ou não de remuneração.

A decisão abaixo transcrita demonstra a dúvida exposta acima:

(…)

Consabido que a lei concede ao empregado celetista o direito de postular junto ao seu empregador a suspensão do contrato de trabalho, com vistas a participar de disputa eleitoral, contudo, sem a percepção de remuneração relativa ao citado período. Ou seja, o empregado poderá se afastar de suas atribuições, no entanto, as empresas não estão obrigadas a pagar a remuneração do período.

Cabe registrar que a pretensão obreira encontra respaldo legal no artigo 25, caput, Lei n. 7.664/88, o qual trata do afastamento do servidor público no período eleitoral. Todavia o mesmo foi revogado tacitamente pela Lei Complementar n. 64/90.

O parágrafo único disciplinava o afastamento do empregado da iniciativa privada, dispondo expressamente que ‘O direito de afastamento previsto no caput deste artigo se aplica aos empregados de outras empresas privadas, ficando estas desobrigadas do pagamento da remuneração relativa ao período.’

Atualmente, pairam dúvidas sobre a revogação também do parágrafo único, do artigo 25, Lei n. 7.664/88, pela Lei n. 64/90, já que o parágrafo único remete ao caput do citado artigo.

Admitido que ainda vigora, o empregado pode requerer o seu afastamento sem remuneração – licença não remunerada – e o empregador não pode opor resistência. Caso contrário, caberá ao empregador decidir se concorda ou não com o afastamento do empregado para tal fim, salvo se houver norma coletiva prevendo esse direito ao trabalhador. Contudo, na hipótese tratada, o próprio reclamante à f. 03 in fine afirma que a convenção coletiva da categoria é silente sobre o tema.

De toda sorte, não há previsão na legislação que albergue a pretensão exposta na exordial. Os dispositivos constitucionais e celetistas mencionados não garantem à parte reclamante o direito à licença remunerada para participar de disputa eleitoral.

(TRT 19ª Região – Tribunal Pleno – RO 0001548-69.2012.5.19.0007 – Desembargadora Relatora Vanda Lustosa – data do julgamento 10/10/2013 – data da publicação 24/10/2013) (Destaque nosso)

  • Como resolver, então, a questão da remuneração?

Em razão de a legislação e a jurisprudência eleitoral e trabalhista não enfrentarem a questão específica sobre a remuneração, é necessário analisar cada caso concretamente, especialmente o estatuto social da entidade sindical envolvida.

Caso o estatuto social da entidade seja silente e ante a omissão legal, a continuidade do pagamento de remuneração ao dirigente afastado é faculdade da entidade sindical.

A diretoria da entidade sindical, ou instância administrativa competente para deliberar sobre o assunto na forma de seu estatuto, precisa levar em consideração:

  • A desincompatibilização de dirigente implica afastamento temporário de suas atribuições na gestão da entidade sindical e, portanto, não resulta na perda do mandato nem impõe o retorno às atividades junto ao empregador.
  • O pagamento de remuneração não se confunde com o exercício de ocupações habituais e, por isso, não redunda em inelegibilidade.
  • O recebimento de remuneração durante o período de desincompatibilização, por tratar-se de verba alimentar, pode significar condição indispensável para a candidatura e, por consequência, para a materialização do princípio da isonomia e do exercício pleno da cidadania (aplicação por analogia da normativa e da jurisprudência relativa à desincompatibilização de servidores públicos).
  1. Como proceder à desincompatibilização: prazos e modelo de requerimento

Para o caso de dirigente sindical, com ou sem remuneração, há necessidade de afastamento da direção da entidade com 4 (quatro) meses de antecedência.

Para isso, basta formalizar junto à entidade o afastamento por escrito, conforme os prazos e modelo abaixo. A entidade sindical, por sua vez, deve arquivar o requerimento e proceder a sucessão provisória no cargo do candidato afastado, segundo as normas de seu estatuto social, consignando o procedimento em ata.

É importante destacar que deve ser feita a desincompatibilização do cargo ocupado em todas as entidades ou instâncias sindicais a que a pessoa que pretende se candidatar estiver vinculada.

DESINCOMPATIBILIZAÇÃO

Entidades de Classe – Dirigente Sindical (remunerado ou não)

Cargo Eletivo

Prazo de afastamento

Legislação

Precedentes TSE

Prefeito(a) e Vice-Prefeito(a)

4 meses  

05/06/2024  

LC 64/90, art. 1º, II, g  

Res. nº 14.223 – TSE

Vereador(a)

4 meses  

05/06/2024  

LC 64/90, art. 1º, II, g  

Modelo de requerimento à entidade sindical


Cidade, data.

À Entidade Sindical (colocar nome por extenso)

Eu, Nome do Dirigente, portador (a) do RG nº XXXXXX, do CPF nº XXXXXX, residente e domiciliado (a) na Rua XXXXXX, Bairro, Cidade, Estado, CEP, venho comunicar minha desincompatibilização do cargo de XXXXXX desta entidade, desde o dia 05 de junho de 2024, para concorrer ao cargo de XXXXXX do município de XXXXXX nas eleições de 2024.

Atenciosamente,

___________________________________

Nome do dirigente e assinatura




Brasília, 10 de maio de 2024

Antonio Fernando Megale Lopes

Fabio Tibiriçá Bon

Fernanda Caldas Giorgi

Gabriel Azevedo Borges

Stella Bruna Santo

[1] Eleição 2020: desincompatibilização do dirigente sindical. Antonio Augusto de Queiroz. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunas/eleicao-2020-desincompatibilizacao-do-dirigente-sindical-2/>. Acesso em 01/06/2020.

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