No dia 07 de janeiro, a empresa Meta, responsável pelo controle das redes sociais Facebook, Instagram e Threads, anunciou alterações nas diretrizes contra o discurso de ódio para, entre outros pontos, permitir a associação da população LGBTQIAPN+ a doenças mentais ou anormalidades. Inclusive, a própria empresa utiliza termos como “transgenerismo” em vez de “transgeneridade” para imprimir denotação patológica às identidades transsexuais.
Em que pese tenham sido implementadas somente nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, é apenas questão de tempo para que referidas políticas sejam adotadas ao redor do mundo, incluindo o Brasil. Portanto, é preciso entender os impactos práticos da flexibilização das políticas de combate ao discurso de ódio e o que pode ser feito para impedir a violência propagada por membros da extrema direita, principalmente no ambiente digital, como é o caso das redes sociais.
Com as novas regras, além da associação de orientações sexuais e identidades de gênero a doenças mentais, será permitido, por exemplo, a divulgação de vagas de emprego excluindo as pessoas LGBTQIAPN+, o que representa verdadeira discriminação contra essa minoria. Também foi excluída a verificação de fatos, que será feita através de notas escritas por usuários, o que se torna um convite para uma violência simbólica que tem se transformado em violência física contra a comunidade LGBTQIAPN+, não sendo demais ressaltar que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo há 15 anos.
O posicionamento da Meta não surpreende, visto o que ocorreu recentemente com o X (antigo Twitter), que foi adquirido pelo bilionário Elon Musk e se tornou um espaço seguro para se cometer crimes como LGBTfobia, racismo, xenofobia, misoginia etc. Ainda, a postura da empresa converge com os interesses do governo de Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, na medida em que possibilita a disseminação de informações falsas (fake news) e a violência contra grupos vulneráveis.
No Brasil, desde 2018, as “fake news” e o ataque à população LGBTQIAPN+ se tornaram o principal recurso político da extrema direita, que conseguiu eleger Jair Bolsonaro à presidência da República, culminando em inúmeros retrocessos perpetuados pela supressão de direitos e garantias já conquistados pela comunidade LGBTIAPN+.
Estas ações representam um grave e preocupante retrocesso na garantia de direitos fundamentais da comunidade LGBTQIAPN+, promovido por uma das maiores empresas de tecnologia do mundo. Tal postura contradiz avanços históricos e marcos de reconhecimento de direitos humanos. Em 17 de maio de 1990, há 34 anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), simbolizando um avanço significativo para os direitos civis das pessoas LGBTQIAPN+. No Brasil, essa decisão pioneira já havia sido tomada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 1985.
Além disso, as ações da empresa afrontam princípios universais de igualdade e dignidade humana, consagrados em documentos internacionais de proteção aos direitos humanos, como os artigos 1º e 2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos; os artigos 2º e 26 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; o artigo 2º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; os artigos 1º e 24 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos; e a Declaração sobre Orientação Sexual e Identidade de Gênero da ONU. Essas normas reforçam o compromisso global com a promoção da igualdade, repudiando qualquer forma de discriminação baseada em orientação sexual ou identidade de gênero.
Com a finalidade de cobrar uma resposta do Estado brasileiro sobre o caso, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em 08/01/2025, protocolou representação no Ministério Público Federal (MPF) contra a Meta. ´
A Advocacia-Geral da União (AGU) notificou extrajudicialmente a Meta no dia 10/01/2025 exigindo que a empresa esclareça os impactos no Brasil do encerramento do programa de checagem de fatos em suas plataformas. Em resposta, a Meta informou que as mudanças na política de checagem de fatos começarão nos EUA, onde testará novas abordagens, e reafirmou compromisso com direitos humanos e liberdade de expressão. O órgão, no entanto, demonstrou preocupação com a confirmação de alterações na Política de Conduta de Ódio, incluindo no Brasil, apontando possíveis riscos de violações à legislação e aos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros. Diante o cenário, a AGU, juntamente com os ministérios da Justiça e Segurança Pública, Direitos Humanos e Cidadania, e a Secom/PR, realizará uma audiência pública na próxima semana, em data e horário a serem definidos, para debater os impactos da nova política.
Neste contexto, é urgente que o Estado brasileiro se posicione de forma firme e combativa contra as medidas LGBTQIAPNfóbicas promovidas pela empresa Meta, sob risco de comprometer os valores democráticos consagrados na Constituição Federal de 1988. A atividade empresarial não deve estar desvinculada do respeito aos direitos humanos em conformidade com os Princípios Orientadores da ONU sobre Direitos Humanos e das Diretrizes da OCDE e o Guia da OCDE de Devida Diligência para uma Conduta Responsável, ambos documentos que desenvolvem a obrigação de devida diligência das empresas em matéria de direitos humanos.

Luana Daniel de Souza
Sócio da LBS Advogados
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João Victor Figueiredo Soares
Assistente Administrativo da LBS Advogados
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