A Lei nº 14.442[1], de 2 de setembro de 2022, publicada em 5 de setembro, dispõe sobre o pagamento de auxílio-alimentação ao empregado e altera regras da Consolidação das Leis do Trabalho a respeito do teletrabalho.
A Lei é resultado da conversão da MP nº 1.108, editada no conjunto do denominado “Programa Oportunidade e Renda” em 28 de março de 2022. A MP foi aprovada na Câmara dos Deputados no dia 3 de agosto, na forma de um projeto de lei de conversão (PLV) apresentado pelo relator, Deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP). Na sequência, no Senado Federal, sob relatoria do Senador Flávio Bolsonaro (PL), o texto foi aprovado na noite do dia 3.
A Lei estabelece que o auxílio-alimentação apenas deve ser gasto com refeições em restaurantes e estabelecimentos similares ou para aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais (ex: supermercados).
Na hipótese de utilização equivocada do auxílio-alimentação, é cabível aplicação de multa aos empregadores ou empresas emissoras dos tíquetes/cartões alimentação. Destaca-se a possibilidade de multa inclusive se houver credenciamento de estabelecimento que comercializa produtos não relacionados à alimentação do trabalhador. Além da previsão de multas, as empresas poderão ter cancelada a inscrição de pessoa jurídica beneficiária ou do registro das empresas vinculadas aos programas de alimentação do trabalhador no MTP e a perda do incentivo fiscal.
A Lei também inclui dispositivo na Lei nº 6.321/76, que trata da dedução, do imposto de renda das empresas, das despesas realizadas em programas de alimentação do trabalhador. A interpretação do novo parágrafo pode abrir brecha para a exclusão do benefício fiscal do PAT às empresas que produzem e fornecem refeições em seus próprios refeitórios.
Trouxe, ainda, mudanças como abertura dos arranjos nos negócios para uso do auxílio-alimentação e a portabilidade, também proíbe as empresas de receber descontos na contratação de empresas fornecedoras de tíquetes de alimentação. Hoje, alguns empregadores têm um abatimento no processo de contratação.
O dispositivo que previa a possibilidade de pagamento do auxílio-alimentação em dinheiro não foi incluído no texto do PLV pelo relator e a possibilidade de saque pelo trabalhador do saldo não utilizado ao final de 60 dias foi vetado pela presidência, ao argumento de que “a possibilidade de saque dos valores de auxílio-alimentação poderia induzir o pagamento desse benefício como valor de composição salarial, percebidos como parcela remuneratória indistinta, desvinculada do seu propósito alimentar e sobre a qual incidiria tributação.
Além disso, nas razões de veto[2], argumenta-se ainda que “o empregador não poderia garantir que não ocorreria o desvirtuamento do referido Programa, fato que o sujeitaria à multa e à perda da inscrição no PAT ante a impossibilidade de controlar a destinação das despesas efetuadas pelo empregado.”
O auxílio-alimentação pertence tão somente ao trabalhador, podendo ele utilizá-lo da melhor forma, sem desvirtuar o seu fim. Além disso, não integra a remuneração do empregado e, assim, não cabe tributação.
Quanto ao teletrabalho, há também modificações significativas.
A Lei restringe a aplicação do art. 62 da CLT, que excepciona o registro da jornada de trabalho apenas para os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa. Antes, a previsão legal abarcava todos os trabalhadores em teletrabalho, independentemente de como eram desempenhadas e entregues as atividades.
Logo, há agora dois tipos de regime de jornada para o teletrabalho: um com jornada de trabalho, que é caracterizado por controle de ponto e pagamento das horas extras; outro sem jornada de trabalho, por produção ou tarefa. O salário por produção ou tarefa é regulamentado no art. 78 da CLT, calculado por empreitada, tarefa ou peça, com garantia do salário-mínimo.
Apesar de a Lei restringir a aplicação de controle de horário no teletrabalho para os serviços por produção ou tarefa, considerando os recursos tecnológicos de fiscalização das atividades, é possível ao empregador controlar a jornada de trabalho e tal restrição pode estimular a adoção de produções ou tarefas em grande volume, acarretando jornadas de trabalho exaustivas.
Na conceituação do teletrabalho, a Lei inova ao utilizar a expressão preponderante ou não:
Art. 75-B. Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo.
A antiga redação, que continha apenas a palavra preponderante, possibilitava a negociação coletiva do regime de trabalho híbrido, o que agora torna-se desnecessário, distanciando o movimento sindical do trabalhador e possibilitando pactuação de forma individual.
A Lei também dificulta eventual discussão de enquadramento do empregado em teletrabalho como operador de telemarketing ou de teleatendimento, que tem jornada reduzida.
Além disso, isenta o empregador de qualquer responsabilidade pela mudança de localidade do empregado na realização do teletrabalho, caso seja determinado o retorno para as atividades presenciais e não exige qualquer negociação coletiva, mantendo a pactuação por meio do contrato individual de trabalho. E não permite que o uso de tecnologia fora do horário normal de trabalho, como o uso de e-mail, mensagem de celular ou de WhatsApp, constitua tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho. A Lei, assim, garante segurança jurídica às empresas, mas não garante o direito de desconexão do empregado, permitindo jornadas exaustivas e abuso dos empregadores.
A previsão tida como benéfica aos trabalhadores, também não obriga as empresas: é essencial priorizar o teletrabalho aos empregados com deficiência ou com filhos até 4 anos, mas a palavra “prioridade” não traz obrigação ao empregador.
Por fim, convém mencionar o outro veto à dispositivo incluído pelo relator na Câmara dos Deputados, que previa o repasse, pelo Poder Executivo, do saldo residual de contribuições sindicais não repassados às centrais sindicais, na proporção dos requisitos de representatividade de cada central.
Conforme as razões de veto, “a proposição legislativa contraria o interesse público, visto que incorre em potencial despesa para a União pelo fato de não apresentar a estimativa do impacto fiscal e a adequação orçamentária e financeira”. O dinheiro, contudo, pertence às centrais sindicais e não deveria integrar o Orçamento.
Brasília, 5 de setembro de 2022.
[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14442.htm
[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Msg/Vep/VEP-501-22.htm