O Dia Internacional da Mulher foi marcado pelo lançamento de diversas e importantes medidas governamentais voltadas para as mulheres. Vejamos as principais.
Programa Mulher Viver sem Violência
O Decreto nº 11.431 institui o Programa Mulher Viver sem Violência, que integra a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e será coordenado pelo Ministério das Mulheres.
Dentre as diretrizes do Programa, estão a integração dos serviços oferecidos às mulheres em situação de violência, a transversalidade de gênero, raça e etnia nas políticas públicas e o atendimento humanizado e integral às mulheres.
Pelo Programa, serão destinados 372 milhões de reais para a implementação de 40 unidades da Casa da Mulher Brasileira e a doação de 270 viaturas para a Patrulha Maria da Penha, em todos os Estados.
Exigência de contratação de mínimo de mão de obra de mulheres vítimas de violência doméstica em contratações públicas
O Decreto nº 11.430 regulamenta a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/21) e obriga a contratação de um mínimo de 8% de mão de obra constituída de mulheres vítimas de violência.
Além disso, prevê o desenvolvimento pelo licitante de ações de equidade entre mulheres e homens no ambiente de trabalho como critério de desempate nas licitações.
A administração e a empresa contratada assegurarão o sigilo da condição de vítima de violência doméstica e não poderá dar tratamento discriminatório à mulher contratada.
Regulamentação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual
O Decreto nº 11.432 regulamenta a Lei nº 14.214/21, que instituiu o Programa de proteção e Promoção da Saúde Menstrual.
O Programa objetiva combater a denominada precariedade menstrual, identificada como a falta de acesso a produtos de higiene e outros itens necessários no período de menstruação ou a falta de recursos para a compra desses itens. Além disso, o Programa pretende garantir os cuidados básicos de saúde e desenvolver os meios para a inclusão das pessoas que menstruam, em ações e programas de proteção à saúde e à dignidade menstrual.
O Decreto prevê também a formação de agentes públicos quanto ao tema da dignidade menstrual.
Diretrizes para composição dos conselhos e comissões vinculados à Secretaria-Geral da Presidência a serem seguidas pelas organizações da sociedade civil e órgãos governamentais
A Portaria nº 147, de 6 de março de 2023, determina que os conselhos e comissões que funcionam no âmbito da Secretaria-Geral da Presidência devem observar em sua composição a paridade de gênero, quando não houver maioria de representantes mulheres e o percentual de no mínimo 20% de seus membros de pessoas autodeclaradas pretas e pardas.
As organizações da sociedade civil poderão indicar a mesma pessoa para sua representação em até duas comissões ou conselhos, que poderão ter até dois mandatos consecutivos ou três alternados.
Bolsa Atleta
Será editado também decreto para modificar a Bolsa Atleta, com o objetivo de assegurar licença-maternidade e proteção à gestante às mulheres atletas. A norma vai prever licença-maternidade para integrantes do Programa, garantindo o recebimento regular das parcelas do programa até que a beneficiária possa iniciar ou retomar a atividade esportiva.
Dia Nacional Marielle Franco
O Poder Executivo enviou a Mensagem nº 89 ao Congresso Nacional, com o texto de Projeto de Lei que institui o Dia Nacional Marielle Franco de enfrentamento à violência política e de gênero. O dia será lembrado em 14 de março, data em que a vereadora do Rio de Janeiro foi assassinada.
A violência política de gênero é conceituada como “a agressão física, psicológica, econômica, simbólica ou sexual contra a mulher, com a finalidade de impedir ou restringir o acesso e exercício de funções públicas e/ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade”.[1]
Projeto de Lei de Igualdade Salarial e Remuneratória entre Mulheres e Homens
O Poder Executivo apresentou também projeto de lei para promover a igualdade salarial entre homens e mulheres que trabalham na mesma função, prevendo medidas para que empresas tenham mais transparência em relação à remuneração de seus empregados, aplicação de sanções administrativas e mecanismos para ampliar a fiscalização.
A proposta altera o art. 461 e 659 da Consolidação das Leis do Trabalho, que passarão a ter a seguinte redação:
Art. 461. (…)
- 6º Na hipótese de discriminação comprovada por motivo de gênero, raça ou etnia, além do pagamento das diferenças salariais devidas, o juízo determinará o pagamento de multa cujo valor equivalerá ao décuplo do maior salário pago pelo empregador, elevado em cem por cento em caso de reincidência.
- 7º Presume-se comprovada a discriminação, na hipótese de identificação de desigualdade salarial injustificada entre mulheres e homens, verificada em relatório de transparência salarial e remuneratória elaborado pelo empregador.
- 8º Na hipótese prevista no § 6º, o pagamento das diferenças salariais e da multa não afasta a possibilidade de indenização por danos morais à empregada, consideradas as especificidades do caso concreto.
Art. 659. (…)
XI – conceder medida liminar, até decisão final do processo, em reclamações trabalhistas que visem à imediata equiparação salarial e remuneratória entre mulheres e homens, uma vez comprovada a discriminação nos termos do disposto no art. 461 desta Consolidação das Leis do Trabalho.
Ficará determinada a publicação de relatórios de transparência salarial e remuneratória pelas pessoas jurídicas de direito privado com vinte ou mais empregados.
Nas hipóteses em que for identificada desigualdade na análise comparativa entre o conjunto de mulheres e o conjunto de homens indicados no relatório de transparência salarial e remuneratória, a empresa apresentará e implementará plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes das trabalhadoras e dos trabalhadores nos locais de trabalho.
A projeto visa combater os números de desigualdade salarial entre homens e mulheres: as mulheres ganham, em média, 22% menos que os homens no Brasil, em dados de 2022.[2]
O PL ainda tratará da discriminação salarial por etnia ou raça. A hora trabalhada de uma pessoa preta vale 40% menos do que a de uma pessoa branca, segundo dados do IBGE de 2022.[3]
A proposta já tem sido alvo de críticas por parte do empresariado. Alguns estudiosos[4] consideram que a desigualdade de gênero não será resolvida apenas por intermédio de leis, o que nos parece até óbvio. O PL, contudo, inova e pode ser ponto de partida para outras políticas públicas, que devem combater a desigualdade de gênero, que é estrutural no Brasil.
Outros consideram que o Brasil já possui instrumentos para combater a discriminação de gênero e que poderia utilizá-los sem legislação nova e sem punições. Se o Brasil já possui legislação sobre o tema, que não é efetiva ou cumprida pelas empresas, nova legislação é sim necessária, inclusive com multas elevadas para as empresas que a descumprirem.
Início do processo de ratificação das Convenções nº 156 e 190 da Organização Internacional do Trabalho
No dia 8 de março, o Presidente da República também deu início ao processo de ratificação de duas importantes convenções da Organização Internacional do Trabalho.
O Presidente assinou Mensagem que será enviada ao Congresso Nacional de ratificação da Convenção nº 156 da Organização Internacional do Trabalho, sobre igualdade de oportunidade para trabalhadores homens e mulheres com responsabilidade salariais, e Mensagem de ratificação da Convenção nº 190 da Organização Internacional do Trabalho, sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho.
O processo de ratificação de um tratado internacional no Brasil tem início com o envio do tratado ou convenção pelo presidente da República ao Congresso Nacional, acompanhado de Mensagem Presidencial. Em seguida, ocorrerá votação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, separadamente. Se aprovada na Câmara e no Senado, o presidente do Senado finalizará o procedimento de ratificação interna mediante um decreto legislativo. Concluída a ratificação pelo Congresso Nacional, cabe ao presidente da República fazer a ratificação internacional e a posterior promulgação do tratado.
- Convenção nº 156, sobre a Igualdade de Oportunidades e de Tratamento para Homens e Mulheres Trabalhadores: Trabalhadores com Encargos de Família
A Convenção nº 156 estabelece que os países signatários possuam políticas de efetiva igualdade de oportunidade e de tratamento para homens e mulheres trabalhadores. Ou seja, que garantam políticas que criem condições a pessoas com encargos de família, empregadas ou que queiram empregar-se, de exercer o direito de trabalhar sem estar sujeitas à discriminação e sem conflito entre seu emprego e seus encargos de família.
A Convenção prevê, ainda, que sejam tomadas todas as medidas compatíveis com as condições e as possibilidades nacionais, inclusive medidas de orientação e de treinamento profissionais, para dar condições aos trabalhadores com encargos de família de se integrarem e permanecerem integrados na força de trabalho, assim como nela reingressar após ausência imposta por esses encargos.
Conforme dados do Observatório do Plano Nacional de Educação, somente 37% das crianças de 0 a 3 anos de idade estavam matriculados em creches no ano de 2019,[5] impossibilitando as mulheres de competirem por vagas no mercado de trabalho em pé de igualdade com os homens, uma vez que no Brasil o peso do trabalho doméstico gratuito e de cuidados com crianças e idosos ainda é suportado majoritariamente pelas mulheres.
A expectativa é de que a ratificação da Convenção nº 156 traga um olhar para se pensar e implementar políticas públicas que atenuem os encargos familiares, gerando maior igualdade e oportunidade entre homens e mulheres.
- Convenção nº 190, sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho
A Convenção nº 190, por sua vez, amplia os conceitos de assédio sexual e moral no trabalho, além de não criar diferença jurídica entre violência e assédio.
Define “violência e assédio” no mundo do trabalho como o conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou ameaças, ocorridas uma única vez ou de forma repetitiva quem visem, causem ou sejam susceptíveis de causar dano físico, psicológico, sexual ou econômico, incluída a violência e o assédio com base no gênero.
O preâmbulo da norma relata o histórico de lutas e afirmações em diversas normas, convenções e instrumentos internacionais que ao longo do último século já asseveram o direito dos trabalhadores e trabalhadoras a um ambiente de trabalho livre de discriminações seja por raça, crença ou sexo, sendo a violência e o assédio ameaças à igualdade de oportunidade para as mulheres, prática incompatível com o trabalho decente.
A Convenção trata também do assédio no teletrabalho: vale para chamadas de vídeos, e-mails, mensagens por aparelhos, aplicativos, desde que relacionados ao trabalho. E estabelece que os Estados exijam das empresas medidas para prevenir comportamentos e práticas de violência e assédio, com consequências para quem as cometer. As empresas também devem realizar campanhas de conscientização e capacitação de trabalhadores e trabalhadoras.
Vale destacar, ainda, que a Convenção nº 190 da OIT considera a violência doméstica fator de risco para a saúde e segurança dos trabalhadores e das trabalhadoras. A norma chama a atenção de governos e atores sociais, em especial as organizações de empregadores e trabalhadores, para que reconheçam o tema e tomem medidas de enfrentamento quanto à violência doméstica.
Brasília e Campinas, 10 de março de 2023.
REFERÊNCIAS
[1] https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/mais-mulheres-na-politica/violencia-politica
[2] https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2023/03/08/diferenca-salarial-entre-homens-e-mulheres-vai-a-22-aponta-ibge.htm
[3] https://oglobo.globo.com/economia/esg/noticia/2023/02/empresas-criam-programas-para-reduzir-diferenca-salarial-racial-e-de-genero.ghtml
[4] https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/03/10/lei-de-igualdade-salarial-e-vista-com-ressalvas-por-especialistas.ghtml
[5] https://www.observatoriodopne.org.br/meta/educacao-infantil
Luciana Barretto
Sócia da LBS Advogados
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Antonio Fernando Megale
Sócio da LBS Advogados
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