Nova Lei dos Concursos Públicos Federais

NOVA LEI DOS CONCURSOS PÚBLICOS FEDERAIS

Introdução

Promulgada a LEI Nº 14.965, DE 9 DE SETEMBRO DE 2024, que estabelece normas gerais para o provimento de cargos e empregos públicos. A proposta tem sido conhecida como a “nova lei dos concursos.”

Aprovado pelas duas Casas do Congresso Nacional, o PL foi remetido ao Chefe do Poder Executivo Federal no dia 21 de agosto de 2024 e foi promulgado sem veto.

O objetivo da legislação, segundo a Ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, é conceder maior segurança jurídica e harmonizar regras, com a possibilidade de inovação.

Esta Nota analisará as disposições aprovadas e os possíveis impactos na realização dos concursos públicos, forma de seleção de candidatos que é a regra prevista na Constituição Federal de 1988, à luz do disposto no artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, com a ressalva dos cargos em comissão declarados em lei como de livre nomeação e exoneração.

Análise

Âmbito de Aplicação

A legislação será válida para concursos em nível federal. Os estados, o Distrito Federal e os municípios poderão optar por editar normas próprias ou reproduzir a legislação federal.

Não haverá aplicação da nova lei para os seguintes concursos, segundo o art. 1º, §3º:

  • Magistratura;
  • Ministério Público;
  • Empresas públicas e sociedades de economia mista que não recebam recursos da União para despesas de pessoal ou de custeio;
  • Empresas públicas e sociedades de economia mista que não recebam recursos dos Estados, DF e municípios.

Possibilidade de Realização do Concurso Total ou Parcialmente à Distância

O concurso público poderá ser realizado total ou parcialmente à distância, de forma online ou por plataforma eletrônica, com acesso individual seguro e em ambiente controlado, desde que seja garantida a igualdade de acesso às ferramentas e aos dispositivos do ambiente virtual (art. 2º).

Trata-se de uma disposição que necessita de regulamentação pelo Executivo, que poderá ser geral para o ente da Federação ou específica para cada órgão ou entidade, com consulta pública prévia obrigatória.

Desde o seu Preâmbulo, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu o princípio da igualdade como um valor fundamental. Ao longo do texto constitucional, diversos exemplos de isonomia são apresentados, inclusive com classificações variadas. No art. 3º, esse princípio é elevado a um dos objetivos fundamentais da República Federativa, pautado internacionalmente pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

A Constituição consagrou definitivamente o princípio da igualdade, não apenas em termos formais, mas também materiais. O legislador constitucional busca garantir que a igualdade não exista apenas perante a lei, mas que tenha um efetivo valor social. O princípio visa orientar o Poder Legislativo na edição de normas que corrijam ou amenizem as desigualdades sociais históricas, além de possibilitar ao Poder Executivo a instituição de políticas públicas como meios adequados para afirmar e materializar a igualdade perante a sociedade brasileira.

Uma preocupação em relação à possibilidade de aplicação de provas de forma online ou por plataforma eletrônica é a exclusão de uma parcela da população que não tem acesso à internet. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), sobre o módulo de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), realizada em 2023 pelo IBGE, identificou-se que 59 milhões de domicílios no país não utilizavam a internet, sendo os principais motivos: nenhum morador sabia usar a internet (33,2%), o serviço de acesso à internet era caro (30,0%) e falta de necessidade em acessar a internet (23,4%).

Já a pesquisa TIC Domicílios 2023, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), identificou que o grupo de pessoas que não usaram a internet no período analisado é composto principalmente por homens pretos ou pardos, com 60 anos ou mais. A pesquisa indica que, em sua maioria, os desconectados têm formação até o ensino fundamental e pertencem às classes econômicas D e E.

Além da questão relacionada ao acesso à internet, verifica-se que a legislação não traz possíveis formas de se evitar fraudes e apadrinhamentos na realização das provas, o que deverá ser refletido e mais bem regulamentado.

Autorização para a Abertura do Concurso

A autorização para a abertura de concurso público deverá ser expressamente motivada, contendo, no mínimo (art. 3º):

  • A evolução do quadro de pessoal nos últimos cinco anos e a estimativa das necessidades futuras do órgão para os próximos cinco anos;
  • A denominação e a quantidade das vagas a serem preenchidas, com a descrição de suas atribuições;
  • A adequação do provimento dos postos;
  • A estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício previsto para o provimento e nos dois anos seguintes, bem como a sua adequação à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Se houver concurso público anterior válido, com candidatos aprovados e não nomeados para os mesmos postos, fica autorizada a abertura excepcional de novo concurso se for comprovada a insuficiência da quantidade de candidatos aprovados e não nomeados diante das necessidades do órgão (art. 3º, parágrafo único).

Provas

Atualmente, os conhecimentos e aptidões para o exercício do cargo ou emprego público pelo candidato são aferidos por concurso público de provas e títulos, sendo o sistema constitucional indispensável para o cargo ou emprego isolado ou de carreira.

A novidade em relação à nova legislação é que haverá a possibilidade de provas de habilidades, com simulação de tarefas a serem exercidas no cargo, e provas de competências, com avaliação psicológica e exame de higidez mental ou teste psicotécnico.

Em síntese, poderão ser aplicadas as seguintes avaliações (art. 9º):

  • De conhecimentos (provas escritas objetivas ou dissertativas e provas orais que cubram conteúdos gerais ou específicos);
  • De habilidades (provas práticas, elaboração de documentos e simulação de tarefas próprias do posto, bem como testes físicos);
  • De competências (avaliação psicológica, exame de higidez mental ou teste psicotécnico).

Poderá haver ainda avaliação por títulos e realização de curso ou programa de formação, que poderá ser eliminatório ou classificatório.

Verifica-se que as disposições tornam mais subjetivas as avaliações realizadas na seleção dos candidatos, o que traz riscos ao princípio da impessoalidade, pelo qual deve se reger a administração pública.

O princípio da impessoalidade, que é desdobramento do princípio da igualdade, “caracteriza-se pela atuação neutra do administrador do concurso, evitando tomar decisões de modo a favorecer, no certame, um ou outro candidato mais ou menos qualificado para investir no cargo público, com a finalidade de beneficiar ou prejudicar outrem, evitando, por consequência, qualquer tipo de influência política, favorecimento e perseguições.”

Hely Lopes Meirelles afirma que: “o princípio da impessoalidade referido na Constituição de 1988 (art. 37, caput) nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal.”

O princípio da igualdade, fixado no caput do art. 5º da Constituição, garante os mesmos direitos e obrigações aos homens e mulheres (art. 5°, I, da CF/1988), proibindo a diferenciação de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7º, XXX, da CF/1988).

De fato, a nova lei dos concursos tende a trazer maior subjetividade à seleção em concurso público, o que pode ferir o princípio da impessoalidade ao possibilitar escolhas não pautadas na objetividade, que outrora as provas objetivas costumavam propiciar.

É frequente que candidatos aprovados e classificados sejam reprovados nos exames psicológicos sem que saibam as razões da reprovação, o que, inclusive, atualmente gera uma ampla judicialização quanto ao ato administrativo, já que a decisão da banca examinadora é um ato administrativo que deve ser motivado.

É necessário destacar que testes psicológicos não devem ter caráter eliminatório em um concurso público, apenas serem exigidos nos exames admissionais, pois a Constituição prevê expressamente que o acesso a cargo ou emprego público está condicionado à realização de provas ou provas e títulos (art. 37, II, da CF). Ademais, os critérios dos testes devem ser objetivos.

Curso ou Programa de Formação

Regulamentação Atual

  1. Curso de Formação como Fase do Concurso:

Atualmente, o curso de formação é comumente exigido como uma etapa final do concurso, especialmente para cargos em carreiras como a de Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Receita Federal e diplomacia (Instituto Rio Branco).

Esta etapa, quando prevista no edital, pode ser de caráter eliminatório, classificatório ou ambas as coisas. Ou seja, o candidato deve obter aproveitamento mínimo para ser aprovado e classificado na lista final.

Tradicionalmente, durante o curso de formação, os candidatos que já foram aprovados em fases anteriores do concurso recebem uma remuneração ou bolsa de estudos. Esse valor é frequentemente inferior ao salário inicial do cargo, mas serve para cobrir as despesas dos candidatos durante o período de treinamento.

O curso de formação pode ser considerado uma continuidade do processo seletivo, e o candidato, durante essa etapa, não é ainda servidor público efetivo. Sua aprovação no curso é condição necessária para a nomeação e posse.

A nova Lei dos Concursos Públicos Federais (PL 2258/22) mantém a possibilidade de o curso de formação ser uma etapa do concurso, conforme o art. 11.

Segundo o texto da nova lei, o curso de formação pode ser de caráter eliminatório, classificatório, ou ambos, e deve introduzir os candidatos às atividades do órgão ou entidade. A realização do curso é facultativa, exceto quando legislação específica da carreira exigir.

Direito à Remuneração: A nova lei não estabelece, de maneira explícita, o direito à remuneração ou bolsa durante o curso de formação. Essa questão ficará provavelmente sujeita à regulamentação específica para cada carreira ou ao disposto no edital do concurso.

A legislação atual não é uniforme quanto ao pagamento de remuneração durante o curso de formação, variando conforme o cargo e a carreira. No entanto, na prática, muitas carreiras garantem esse direito. O edital do concurso público define se o curso de formação será eliminatório, classificatório, ou ambos. Também é o edital que define a existência ou não de pagamento durante o curso.

Como o curso de formação é opcional na nova lei, salvo disposição em legislação específica, pode-se entender que, em casos onde não seja obrigatório, o curso poderia ser um diferencial para a classificação ou para o aprimoramento do candidato, mas não uma barreira para a posse.

A nova lei oferece maior flexibilidade, permitindo que cada órgão decida como regulamentar o curso de formação. No entanto, essa flexibilidade pode levar a desigualdades, já que diferentes órgãos podem adotar práticas variadas.

A principal diferença entre o modelo atual e o proposto pela nova lei reside na flexibilidade e na ausência de diretrizes claras sobre remuneração durante o curso de formação. Embora essa flexibilidade permita que as necessidades específicas de cada carreira sejam atendidas, ela também pode resultar em menos uniformidade e em possíveis prejuízos para os candidatos, que poderiam ser obrigados a arcar com os custos do curso sem receber qualquer remuneração.

Conclusão

Ante o exposto, conclui-se que o objetivo da nova lei de concursos é trazer maior segurança aos gestores públicos e modernização pela unificação das regras. Contudo, há diversos aspectos que precisam ser regulamentados e que têm sido alvo de críticas justificadas.

Existe uma margem de discricionariedade que a legislação trouxe em relação às avaliações, ficando a critério do edital definir quais tipos de avaliações serão usadas e o caráter (classificatório ou eliminatório), tendo em vista o princípio da vinculação ao edital.

Um dos pontos mais preocupantes está relacionado à realização das provas de forma online ou por plataforma eletrônica, de modo a possibilitar o acesso igualitário, já que há uma parcela da população que não tem acesso à internet, bem como à ampliação das formas de avaliação de competência.

A avaliação de competência a ser realizada por meio de avaliação psicológica, exame de higidez mental ou teste psicotécnico representa uma ampliação da forma de avaliação dedutível da Constituição Federal, que prevê que o acesso a cargo ou emprego público está condicionado à realização de provas ou provas e títulos (art. 37, II, da CF).

Como os candidatos poderão ter suas competências avaliadas por meio de avaliação psicológica, exame de higidez mental ou teste psicotécnico, isso poderá gerar maior subjetividade na seleção e violar o princípio da impessoalidade, ao possibilitar escolhas não pautadas na objetividade. As provas práticas, com simulação de tarefas próprias do posto, a depender de como serão realizadas, também poderão acentuar esse fator de subjetividade. De toda forma, os critérios para quaisquer avaliações deverão ser muito bem delimitados no edital.

Tendo em vista que o concurso público é a forma de seleção que corresponde à concretização do princípio da isonomia, que se pauta na igualdade, resta saber como a administração pública, com avaliações mais subjetivas, irá lidar com o racismo institucional, machismo, capacitismo, apadrinhamentos, fraudes, dentre outros.



Brasília, 23 de agosto de 2024.

Camilla Cândido

Sócia da LBS Advogados
E-mail: camilla.candido@lbs.adv.br

Mádila Barros

Advogada da LBS Advogados
E-mail: madila.barros@lbs.adv.br

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