As rápidas modificações no mundo do trabalho trazem importantes desafios, tanto para os trabalhadores e as trabalhadoras, quanto para os operadores do Direito do Trabalho. Daqueles, exige-se a adaptabilidade aos novos arranjos do contrato de trabalho, já desses, o exercício de preservação das garantias fundamentais dos trabalhadores frente à flexibilização e à perda de direitos. Dentre as várias mudanças, uma tem ocupado lugar importante no debate jurídico: a terceirização trabalhista e suas consequências na organização sindical.
Especificamente na seara da organização coletiva, o tom é uníssono em afirmar que a terceirização promove a pulverização dos trabalhadores e das trabalhadoras e, por consequência, dificulta a organização sindical, tornando mais distantes o direito fundamental à negociação coletiva e o direito de greve.[1]
Entretanto, a par das digressões sobre a dificuldade na aglutinação dos trabalhadores terceirizados em sindicatos, recente estudo elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)[2], sobre o balanço das greves no Brasil, demonstra que o movimento tem sido diferente. Um dos destaques do estudo é a constatação de que o grupo dos terceirizados figura como o primeiro da lista dos que mais deflagraram greves no setor privado entre o período de 2013 e 2018.[3]
As conclusões apresentadas na pesquisa apontam que o aumento do número de deflagração das greves teria sido motivado pelo aquecimento do mercado de trabalho terceirizado. E que, consequentemente, tornaria mais confortável a adesão dos trabalhadores às greves, pela ausência do medo da dispensa e a facilidade na pronta recolocação em outra vaga de trabalho.[4]
Os dados apresentados, dessa forma, revelam a necessidade de se atribuir novo olhar sobre a forma de organização coletiva desses trabalhadores, uma vez que vão de encontro às previsões elencadas por estudiosos do Direito do Trabalho, que indicam a pulverização dos trabalhadores como empecilho para a efetiva organização sindical.
Diante dos números, é possível verificar que os trabalhadores e as trabalhadoras tendem a se organizar internamente nas empresas tomadoras, com ou sem a interferência sindical. E mais, o efeito desagregador da terceirização não foi capaz de anular a iniciativa coletiva de deflagrar greves.
Curiosamente, essa iniciativa de organização autônoma dos trabalhadores precarizados não é um fenômeno localizado, pois, no ano de 2018, mesmo período de abrangência da pesquisa do DIEESE, houve o incremento na sindicalização e nos movimentos paredistas nos Estados Unidos. O aumento se deu em decorrência da grande oferta de postos de trabalho precários com baixa remuneração e pelo surgimento dos millennials, jovens com menos de 35 anos que se utilizam dos instrumentos clássicos da estrutura sindical agregados às mídias digitais. Esse movimento facilitou a organização coletiva dentro das empresas sem a intermediação da própria estrutura sindical, como parece estar ocorrendo no Brasil.[5]
Outro dado importante apresentado pelo estudo mostra que as greves, majoritariamente, foram desencadeadas como ato de defesa, frente ao descumprimento dos direitos mínimos decorrentes do contrato de trabalho, como, por exemplo, o pagamento de salários atrasados, vale-transporte, vale-alimentação, dentre outros.
Nesse sentido, observa-se que o caráter das greves dessa classe de trabalhadores é indiscutivelmente defensivo e que a adesão ao movimento grevista decorre puramente do instinto de sobrevivência, ou seja, a expressão máxima da autotutela como a única solução para reivindicar os direitos trabalhistas desrespeitados.
É duvidoso creditar a atividade grevista desse grupo somente à generosa oferta de postos de trabalho. Como já dito, originam-se também da necessidade de sobrevivência, confirmando que a greve continua sendo um direto fundamental, que ainda se encontra deliberadamente ao dispor dos empregados, sem que haja a necessidade de intermediações para seu exercício.
Além do mais, o incremento no quantitativo de greves deflagradas também reflete o cárater nefasto da terceirização, uma vez que o status precarizante desse tipo de contrato, fomentado pela regulamentação da tercerização irrestrita, mas não ilimitada, certamente abriu espaço para mais conflitos, os quais, quando não judicializados ou submetidos à negociação coletiva, resultam no aumento dos movimentos paredistas.[6]
Portanto, diante dos dados empíricos apresentados no estudo, verifica-se que o grupo de trabalhadores terceirizados é claramente propenso à mobilização coletiva. Seja pela participação na estrutura sindical que lhes é imposta (sindicato da categoria econômica ou sindicato próprio), seja por meio das mídias sociais, instrumentos genuinamente aglutinadores, que lhes possibilita a auto-organização dentro das empresas. E é também nesse ambiente que estão lançados os desafios para os trabalhadores quanto à adaptação à nova realidade do mercado de trabalho e para os operadores do Direito do Trabalho, quanto ao fomento e à preservação do direito à greve de natureza defensiva ou propositiva.
[1] DELGADO, Mauricio Godinho. Direito Coletivo do Trabalho.7.ed. São Paulo: LTr, 2017,p. 124
NASCIMENTO, Amauri Mascaro , NASCIMENTO, Sônia Mascaro e NASCIMENTO, Marcelo Mascaro. Compêndio de Direito Sindical. 8.ed. São Paulo: LTR, 2015, p. 126
Nota Técnica nº 8, do Ministério Público do Trabalho:
“ a) esvazia a defesa dos interesses e direitos da categoria profissional, pelo organismo sindical (CF/1988, ART. 8º, II), atribuído da negociação coletiva (art. 8º, VI), na medida em que a terceirização expulsa o trabalhador de sua categoria profissional originária, remetendo-o a categoria de prestadores de serviço, destituídas de poder de reivindicação de ganho econômicos, em face da fragilidade econômica de seu empregador, frustrando por conseguinte o exercício dos direito fundamentais à negociação coletiva e à greve, quando necessária (art. 7 º, caput, 8º e 9º);” Disponível em: http://portal.mpt.mp.br/wps/wcm/connect/portal_mpt/ce4b9848-f7e4-4737-8d81-6b3c6470e4ad/Nota+técnica+nº+8.2017.pdf?MOD=AJPERES&CVID=lPCHY69
[2] Os dados de representam o comportamento do movimento paredista no Brasil, tendo como referência o ano de 2018, porém, partindo de um recorte cronológico entre os anos de 2012 e 2018. Os dados apresentados representam o quantitativo de greves deflagradas, a motivação das paralizações, e as categorias profissionais mais atuantes no movimento paredista. Disponível em: https://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2018/estPesq89balancoGreves2018.html
[3] A partir de 2013 – e progressivamente –, os grandes protagonistas das mobilizações passaram a ser os terceirizados que atuam em empresas contratadas pelo setor privado, como vigilantes, recepcionistas e encarregados de limpeza e os terceirizados de empresas contratadas pelo poder público, como trabalhadores em coleta de lixo e limpeza pública, rodoviários do transporte coletivo urbano, enfermeiros e outros profissionais das Organizações Sociais de Saúde – OSS. Disponível em: https://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2018/estPesq89balancoGreves2018.html
[4] Disponível em: https://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2018/estPesq89balancoGreves2018.html
[5] Disponível em: http://www.dmtemdebate.com.br/eua-a-geracao-millennial-renova-os-sindicatos/
[6] Nota Técnica nº 8 do Ministério Público do Trabalho: disponível em: http://portal.mpt.mp.br/wps/wcm/connect/portal_mpt/ce4b9848-f7e4-4737-8d81-6b3c6470e4ad/Nota+técnica+nº+8.2017.pdf?MOD=AJPERES&CVID=lPCHY69
“a) promove o rebaixamento de remuneração do trabalhador terceirizado,7 o que conduz, por sua vez, ao rebaixamento de todos os direitos trabalhistas incidentes sobre a remuneração, tais como o décimo terceiro salário, FGTS, gratificação de férias, indenizações rescisórias etc.;”