Os presentes que as mães querem…

Os presentes que as mães querem…

 

Pensei na frase do título ao lembrar do “meme” que vem circulando nas redes sociais nas últimas semanas. Em razão da proximidade do Dia das Mães, passou a circular nas redes um vídeo em que determinada pessoa aborda “mães” na rua e pergunta o que elas querem ganhar de presente. De forma praticamente unânime elas respondem: “dormir”.  

Sem sombra de dúvidas, dormir é uma ação necessária para a manutenção do bem-estar, saúde física e mental de qualquer ser vivo. Contudo, ao nos tornamos mãe, também tomamos a consciência de que “dormir” é precioso e cada minuto de sono é comemorado da mesma forma quando se ganha um presente desejado.

Por que dormir foi listado como o principal desejo das mães?

A mãe é mãe desde que toma conhecimento de que está gerando um filho ou filha. Desde esse momento, a nós é imposto um turbilhão de deveres e responsabilidades.

A gestante precisa se alimentar de maneira saudável, precisa praticar exercícios físicos, precisa tomar diversas vitaminas, precisa fazer vários exames, precisa estudar e se preparar para o parto, precisa estudar sobre amamentação, pois ela não acontece de forma natural e já sabemos disso, dentre uma série de outras obrigações e responsabilidades que se cobra dela.

Aí aquele bebezinho tão esperado nasce: um momento lindo! Todos correm para ver quem é que vai conhecê-lo, pegar no colo e postar a primeira foto. Que maravilha de momento! Mas para quem? Alguém perguntou se a mãe gostaria de receber visita com dores do pós-parto, da amamentação que não está fluindo e com ela vestida de pijamas o dia todo? Não, geralmente ninguém se preocupa com o estado físico e emocional daquela que acabou de parir, mas todos precisam conhecer o pequeno que acaba de chegar ao mundo.

O bebezinho nasceu, a mãe está em casa “curtindo” sua licença-maternidade, passa o dia, a tarde, a noite cuidando, trocando, alimentando o bebê. Quando o bebê dorme, a mãe logo pensa “Oba, é agora que vou tomar um banho e levar meu cabelo”. É só ligar o chuveiro e “unhéeee”, o bebê acordou. E lá vai a mãe, fecha o chuveiro, se seca com a tolha ainda com o shampoo por tirar do cabelo e do corpo, e em menos de 30 segundos seu bebê está em paz, devidamente amparado.

São sete horas da noite, “Oba, o pai chegou do trabalho, que bom! É agora que a mãe vai fazer uma refeição decente e comer uma comida quente… Porém, na segunda garfada, ele chega de mansinho: “Querida, tentei de tudo, mas ele só quer o seu colo, ele quer seu peito, pega ele?” A mãe nem responde, só respira fundo, segura o bebê com um braço e o garfo com a mão que lhe resta.

A madrugada chegou. “Será que hoje meu bebê dorme duas horinhas seguidas?” Reflete em silêncio. Após 50 minutos de berço e o 50° “unhéee”, e lá está a mãe de pé de novo ninando e amamentando o filho que precisa ser amamentando em livre demanda. Mas a mãe está sozinha na casa? Não, o pai está lá, mas ele não pode ser incomodado com os despertares da madrugada porque, além de ele não ter “peito”, também precisa descansar para suportar o longo dia de trabalho que em poucas horas o aguarda.

Cansamos só de ler o relato da realidade até aqui, não é?

Imagine repetir essa dosagem por pelo menos 180 dias, praticamente sozinha? Digo 180 dias por ser o período máximo da licença-maternidade da legislação atual. Eu sempre fui e ainda sou a favor da extensão da licença-paternidade por período igual ao da licença-maternidade por inúmeros motivos, mas será que os pais querem uma licença para dividir todas as dores e amores com a mãe?

Durante a minha licença, eu só pensava em voltar a trabalhar. Sinceramente, não via o momento que o período acabasse para então eu poder descansar um pouco no meu trabalho produtivo. É assim que os pais pensam. Não se iludam que eles querem a extensão da licença-paternidade para além dos cinco dias determinados em lei.

Acabou a licença-maternidade da mãe, ela voltou ao trabalho e agora ela vai descansar a mente no trabalho e chegar em casa leve, que maravilha! Mas não é assim que acontece.

Quando ela não perde o emprego ao retornar do período de licença, a mãe precisa se multiplicar em três para conseguir dar conta de seu trabalho produtivo e reprodutivo e, ainda, continuar sem dormir. Porque é assim, ela continua dando conta de tudo e não tem o privilégio que o pai tem de dormir, pois nada mudou no ambiente familiar, ela só passou a sair de casa para trabalhar, mas, na volta, está tudo lá esperando a super-heroína chegar.

A desigualdade salarial e de ocupação de cargos de poder entre homens e mulheres (pais e mães) ainda acontece mesmo a mãe sendo o “ser vivo” que dobra e se desdobra para dar conta do recado. Nas ocupações de cargos gerais, os pais tendem a ter uma maior remuneração em comparação com as mães que exercem a mesma ocupação porque a sociedade possibilita que ele tenha condições de trabalhar em regime de sobrejornada (horas extras), pois em casa tem uma mãe cuidando do lar e dos filhos.

E quanto às ocupações de cargos de poder, a sociedade interpreta que o homem (pai) também possui mais disponibilidade para que exercer função que demande viagens, flexibilidade de jornada, reuniões noturnas, mas tudo isso porque na casa do executivo tem uma mãe cuidando do lar e dos filhos. Isso acontece porque a sociedade permite, porque não há divisão sexual do trabalho doméstico.

Assimilar as responsabilidades do trabalho produtivo junto com o trabalho reprodutivo é uma tarefa árdua. Sem a divisão igual de tarefas no âmbito particular e doméstico, não é possível resistir sem o acometimento da vida pessoal, profissional e especialmente na saúde da mulher e mãe trabalhadora. A divisão das responsabilidades com o trabalho reprodutivo e doméstico precisa ser sumariamente difundida para que a mulher tenha condições de ocupar todos os espaços que a ela pertencem, especialmente os de poder e políticos.

A mãe quer dormir, quer passear, quer brincar, quer cuidar, quer trabalhar, quer ser promovida, quer ocupar um cargo de gestão, quer ser reconhecida como uma pessoa importante para o além do maternar.

Que a sociedade evolua a ponto de compreender tudo isso e um dia ser possível a efetiva divisão sexual do trabalho de cuidados.

 

Campinas, 14 de maio de 2023.

Aline Belloti

Sócia da LBS Advogados
E-mail: aline.belloti@lbs.adv.br

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