Quando se fala em previdência privada é necessário compreender que temos duas modalidades que são absolutamente diferentes, a aberta e a fechada. Conhecer cada uma delas é fundamental para que o participante possa defender seus direitos e obter com segurança uma complementação de aposentadoria.
No caso de previdência complementar aberta, mais especificamente aquela que é contratada individualmente por qualquer pessoa, como por exemplo, as modalidades oferecidas como produtos pelos bancos, estamos diante de uma relação de consumo, um contrato entre a pessoa física, consumidor, e a pessoa jurídica, fornecedor.
O contrato é firmado mediante indicação precisa de idade para inicio do recebimento e valor do beneficio que se pretende obter, dados que levam ao cálculo do valor da contribuição para obtenção do benefício. Feitos os pagamentos da forma contratada, a obtenção da reserva destinada a garantir o pagamento é obrigação da empresa que a comercializou, dentro dos limites contratados.. Os direitos dos adquirentes desses planos recebem a proteção do Código de Defesa do Consumidor.
Resumindo, é um negócio bilateral que não gera para o adquirente nenhuma necessidade de preocupação com a constituição de reservas, mas que é muito mais oneroso, pois além de arcar integralmente com as contribuições, o contratante ainda arca com as taxas de administração que são na verdade a uma das formas de obtenção de lucro pelo fornecedor.
Situação absolutamente diversa ocorre em relação à Previdência Complementar Fechada, a exemplo a Funcef e a Previ.
A relação jurídica é triangular e tem como partes a patrocinadora (empregador), os participantes (empregados) e o fundo. Grosso modo, a responsabilidade contratual da patrocinadora e dos empregados, os da ativa e os aposentados, nesse caso denominados assistidos, é a de contribuir financeiramente para que o fundo administre os recursos e viabilize o pagamento dos benefícios na forma contratada, seguindo o regulamento de cada plano e a legislação em vigor.
Aqui nasce a diferença. No caso de previdência complementar fechada, o olhar para a constituição de reservas, para a saúde financeira dos Fundos, é imprescindível, pois um desequilíbrio acarreta a necessidade de maior injeção de recursos por parte da patrocinadora e dos participantes. Não existe uma relação de consumo. A constituição de reserva não é uma obrigação de um terceiro, como no caso da previdência complementar aberta.
A avaliação financeira é feita por cada plano administrado pelo Fundo e seguindo as regras impostas pela Lei complementar 109/2001, e no caso em que a patrocinadora seja a União, Estados, Municípios ou suas autarquias, fundações, empresas de economia mista ou qualquer tipo de entidade pública, cumpre-se também as impostas pela Lei Complementar 108/2001.
Simplificando, o Fundo é obrigado a calcular a reserva matemática, que nada mais é do que o cálculo do valor que precisa ter em caixa para liquidar todas as obrigações em relação a cada participante. Calcula a data em que poderá iniciar o recebimento do benefício, o número de parcelas que receberá, utilizando-se a tábua de mortalidade, e também o número de parcelas que provavelmente terá que pagar aos dependentes do participante. Esse valor, essa reserva, precisa ser garantida.
Essa medida é de extrema importância para evitar o efeito pirâmide. Evitar que os primeiros a se aposentarem recebam a sua complementação e que aqueles que demorarem mais para iniciar o gozo do benefício, tenham o seu direito frustrado por falta de recursos. O risco do efeito pirâmide é ainda maior em planos em que a entrada de novos participantes já não é permitida, os denominados planos em extinção, onde o número de pessoas que injetarão as contribuições só irá diminuir.
Ocorre que as reservas matemáticas não são constituídas apenas pelos valores vertidos pelos empregados e a empregadora. As reservas matemáticas são atingidas mediante a obtenção de lucros e rendas geradas pelas aplicações financeiras e outras operações realizadas pelo Fundo na sua missão de administrar o patrimônio.
Para que esse rendimento, que é a terceira fonte que irá gerar o custeio dos planos, possa atingir os valores necessários, é preciso que as contribuições sejam feitas corretamente durante o período aquisitivo do direito ao benefício, para que possam aumentar com as rendas e lucros. O Fundo precisa ter os recursos para aplicar e buscar o aumento do capital.
Essa visão diferenciada precisa nortear os participantes e assistidos na legitima busca por seus direitos em relação ao que foi contratado com o Fundo. Um aumento do valor do benefício acarreta a necessidade de um aumento da reserva matemática.
Assim, nas revisões que tiverem como base jurídica atitudes ilegais praticadas pela patrocinadora, é imprescindível que o participante busque incluí-la no polo passivo da ação, imputando-lhe a responsabilidade pelo recolhimento de contribuições e também da recomposição da reserva matemática, afinal, o recolhimento das contribuições pregressas de uma só vez, retira do Fundo a possibilidade de obtenção de aumento do patrimônio por rendas e lucros que viriam com o tempo, mas não lhe retira a obrigação de ter os recursos garantidores das reservas. Se existe o compromisso financeiro e não existem os recursos, existe déficit.
Medida também necessária é a participação mais efetiva dos participantes e assistidos na administração e fiscalização dos Fundos, o que até a data da redação deste artigo está garantida na Lei 109/2001, mas que pode ser seriamente afetada caso seja aprovado e sancionado o PLP 268/2016 que acaba com a representação dos participantes e assistidos, leiam-se os trabalhadores, na administração dos Fundos de Pensão.
Os Fundos, sempre sob a fiscalização dos órgãos reguladores, avaliam os seus planos de custeio em periodicidade que não pode ultrapassar um ano, e, sendo necessário, efetuam reajustes ou alterações.
O equilíbrio financeiro é o único canal de sobrevivência dos Planos, tanto que, para garantir que ele seja sempre observado, a Lei 109/2001, mais precisamente no artigo 21, prevê que em caso de déficit, seja realizado o equacionamento, que é na verdade uma injeção de recursos extraordinários pela patrocinadora, os participantes e os assistidos.
Esse equacionamento, devido à necessidade de manter a saúde financeira do plano, deve ser realizado de qualquer forma, mesmo que o déficit seja decorrente de atitudes incorretas por parte dos administradores. O que a Lei 190/2001 determina, é que seja realizado o equacionamento, sem que isso impeça que se busque o ressarcimento por parte de quem tenha dado causa ao prejuízo.
Se por um lado essa determinação a primeira parece vista injusta, por outro demonstra que o equilíbrio financeiro é uma medida que não pode esperar. O cumprimento das obrigações do Fundo com o pagamento dos benefícios não pode esperar o resultado de uma ação de ressarcimento cujo desfecho todos sabemos, demanda um longo tempo e tem resultado incerto, tanto pela procedência da ação, quanto pela localização de patrimônio suficiente para que os recursos do Fundo sejam recompostos.
A melhor solução é trabalhar para evitar o déficit, com a participação na administração e fiscalização dos Fundos, bem como, com atenção para as fontes de custeio. Entretanto, diante de um déficit, protelar um equacionamento se equipara a não pagar integralmente uma fatura de cartão de crédito. Para as partes envolvidas, a solução, embora dolorosa, é estancar o déficit mediante um plano de equacionamento.