Programa Emprega + Mulheres é sancionado

O Programa Emprega + Mulheres[1] objetiva, de acordo com o governo, inserir e manter mulheres no mercado de trabalho por meio da implementação de diversas medidas. Como sempre, foi outro Programa lançado com pompa e circunstância, embalado no discurso da criação de empregos e da modernização, mas, na verdade, é verdadeira “carta de intenções”, ficando no completo gerenciamento e domínio dos empregadores decidirem se concedem ou não os “direitos” às mulheres.

Dentre os temas tratados, destacam-se: a) apoio à parentalidade na primeira infância com reembolso de creche, incluindo liberação de FGTS para esse fim e flexibilização do regime de contrato de trabalho; b) qualificação de mulheres com possibilidade de liberação do FGTS e suspensão do contrato de trabalho; c) apoio ao retorno do trabalho das mulheres após o término da licença-maternidade com possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, flexibilização da licença-maternidade e instituição do Selo Emprega + Mulher. 

De pontos benéficos às trabalhadoras, podemos citar a previsão de medidas de combate ao assédio sexual em empresas, com a inclusão do tema nas tarefas da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), que passa a se chamar Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio (Cipa).

Dentro de 180 dias, as empresas que possuem Cipa deverão adotar medidas como: a) inclusão de regra de conduta a respeito de assédio sexual e de outras formas de violência nas normas internas da empresa, com ampla divulgação do conteúdo aos trabalhadores e às trabalhadoras;  b) fixação de procedimentos para recebimento e acompanhamento de denúncias, para apuração dos fatos e eventual aplicação de sanções administrativas aos responsáveis, garantindo o anonimato da pessoa denunciante, sem prejuízo dos procedimentos jurídicos cabíveis; c) inclusão de temas referentes à prevenção e ao combate ao assédio sexual e a outras formas de violência nas atividades e nas práticas da Cipa; e d) realização, no mínimo a cada 12 meses, de ações de capacitação, de orientação e de sensibilização dos trabalhadores e das trabalhadoras  sobre temas relacionados à violência, ao assédio, à igualdade e à diversidade no âmbito do trabalho, em formatos acessíveis, apropriados e que apresentem máxima efetividade de tais ações.

A Lei também determina que mulheres recebam o mesmo salário dos homens que exerçam a mesma função na empresa, situação que já estava prevista no art. 461 da CLT, que estabelece a garantia de igualdade salarial na mesma função sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.

Prevê, ainda, apoio ao microcrédito para mulheres a partir do Programa de Simplificação do Microcrédito Digital para Empreendedores (SIM Digital) exclusivamente para: a) mulheres que exerçam alguma atividade produtiva ou de prestação de serviços, urbana ou rural, de forma individual ou coletiva, na condição de pessoas naturais; b) mulheres, na condição de pessoas naturais e de microempreendedoras individuais no âmbito do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO). Para as mulheres inscritas como pessoa natural, o valor máximo do crédito é de R$ 2.000,00 e, para as mulheres microempreendedoras individuais, o valor máximo de crédito é de R$ 5.000,00.

Por fim, há de se comentar que houve veto à disposição que previa a prevalência dos instrumentos coletivos, autorizando o acordo individual apenas se fosse mais benéfico (art. 21 do Projeto de Lei de Conversão[2]).

O argumento para o veto foi de que “(…) a medida contraria o interesse público, pois a discussão de qual seria a norma mais benéfica acarretaria insegurança jurídica, haja vista que a expressão ‘medidas mais vantajosas’ é imprecisa. Assim, a medida configuraria retrocesso em relação à reforma trabalhista empreendida recentemente e impactaria a geração de empregos, o que iria de encontro aos esforços empreendidos pelo Governo federal.”

O veto presidencial, ao pretender impor a prevalência do acordo individual sobre aquele coletivo, deixando aos acordantes individuais a avaliação subjetiva do que lhes seria mais benéfico – hipótese objetivamente vedada pelo inciso II do art. 21 vetado –, em verdade, cria a insegurança jurídica que, pretensamente, quis superar.

Diz-se isso, mesmo sob a ótica da “Reforma Trabalhista” – a Lei nº 13.467/2017, adotada como justificativa para o veto.  Se o principal mote incansavelmente propalado da “Reforma” é aquele da prevalência da norma coletiva sobre a própria lei (art. 611-A da CLT), como se pode admitir a inversão dessa lógica, para privilegiar a prevalência de um mero acordo individual, mesmo diante da presença de outro coletivo mais benéfico?

Não se pode crer que o Programa Emprega + Mulheres esteja a reproduzir os desvirtuados princípios de outros já intentados pelo governo sob a bandeira “verde e amarela”, dentre os quais aquele do “menos direitos, mais empregos”.

A retirada do dispositivo, na verdade, não só enfraquece o poder de negociação das entidades sindicais, mas também joga por terra o princípio constitucional da primazia da vontade coletiva – manifestada nas normas coletivas, conforme inscrito no art. 7º, XXVI, da CF —, o que é prejudicial a quem trabalha, geralmente parte mais frágil na relação de trabalho.

Conscientização e mobilização das mulheres trabalhadoras são fundamentais para que o Programa seja de fato adotado e inserido nos acordos nas e convenções coletivas de trabalho, pois, a depender de acordos individuais e da boa intenção dos empregadores, a Lei será um novo bibelô na prateleira das legislações não cumpridas.

Clique aqui para conferir saber mais da tramitação da MP nº 1.116.

 

Brasília e Campinas, 28 de setembro de 2022. 

 

[1] A Lei nº 14.457, de 21 de setembro de 2022, institui o Programa Emprega + Mulheres e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, resultado da conversão da Medida Provisória nº 1.116, de 4 de maio de 2022, que incluía diversas mudanças também na contratação de jovens aprendizes. O programa era denominado Emprega + Mulheres e Jovens, mas o substitutivo apresentado pela Relatora da matéria na Câmara dos Deputados, Deputada Celina Leão (PP/DF), alterou o seu nome.

[2] “Art. 21. A opção por acordo individual para formalizar as medidas previstas no art. 3º, no § 2º do art. 8º, no § 1º do art. 15 e no § 1º do art. 17 desta Lei somente poderá ser realizada:

I – nos casos de empresas ou de categorias de trabalhadores para as quais não haja acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho celebrados; ou

II – se houver acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho celebrados, se o acordo individual a ser celebrado contiver medidas mais vantajosas à empregada ou ao empregado que o instrumento coletivo vigente.” 

 

Ricardo Carneiro

Sócio da LBS Advogados 

E-mail: ricardo.caneiro@lbs.adv.br

Luciana Barretto

Sócia da LBS Advogados
E-mail: luciana.barretto@lbs.adv.br

Antonio Fernando Megale

Sócio da LBS Advogados
E-mail: antonio.megale@lbs.adv.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *