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Reforma administrativa: entenda o que é o vínculo de experiência

Para fomentar o debate sobre a “Reforma Administrativa” e os impactos que poderá causar para toda sociedade, publicamos textos sobre alguns aspectos da PEC nº 32/2020. Neste, abordaremos o vínculo de experiência, uma inovação da PEC.

Além de alterar substancialmente a forma de ingresso no serviço público, flexibilizando a necessidade de concurso público[1], a “Reforma” pretende acabar com o estágio probatório, substituindo-o por nova etapa da seleção dos candidatos: o vínculo de experiência. 

Atualmente, após aprovação em concurso público, o servidor é submetido ao estágio probatório. Nesse período de aprendizagem e avaliações, caso aprovado, ele se torna servidor público estável, que só poderá ser demitido mediante processo administrativo disciplinar ou sentença judicial transitada em julgado.  

Alcançar a estabilidade é importante tanto para o servidor, que tem, a partir dela, a garantia de tomar decisões estritamente técnicas, sem medo de coação ou pressão política; como para a sociedade, que tem a garantia da continuidade da prestação do serviço público, de forma técnica e especializada.

Nos termos da PEC nº 32, o servidor aprovado em concurso público deverá cumprir o período de, no mínimo, um ano em vínculo de experiência, para as contratações por tempo indeterminado, ou dois anos, para as funções típicas de Estado.

Para ser detentor do vínculo definitivo com o Estado, o aprovado no concurso precisa apresentar desempenho satisfatório e estar entre os mais bem avaliados durante esse período mínimo, inexistindo previsão para período máximo. 

Chamam a atenção o tempo mínimo e a expressão “desempenho satisfatório”, termos bastante imprecisos.

Segundo o governo, essa foi a solução encontrada para o baixo número de servidores reprovados em estágio probatório.  

Na verdade, esse argumento é um falso problema. Nos últimos anos, o procedimento de avaliação durante o estágio probatório tem melhorado significativamente, podendo, ainda, ser aperfeiçoado. O baixo número de desligamento nesse período tem maior correlação com a dinâmica da preparação do concurseiro, pois, após tanta dedicação, o servidor em estágio probatório busca entregar o melhor para permanecer no cargo e alcançar a estabilidade. 

Essa mudança do vínculo de experiência poderá causar grande impacto na prestação do serviço público. A dinâmica da administração pública é pautada na cooperação: o servidor mais antigo passa a desenvolver e preparar os servidores mais novos. Não visa lucro, mas sim a prestação de uma demanda social. A experiência de “trainee” público, assim,  pode ser extremamente danosa em razão da extrema competitividade que fomenta. Vejamos alguns possíveis reflexos:  

1) O aprovado no concurso público poderá ser convocado, prestar um bom serviço no período do vínculo de experiência e não tomar posse efetiva.  

2) O critério de seleção, que pretende destacar os melhores, é inexistente. Não há qualquer previsão sobre como será esse processo de seleção, que poderá durar até dois anos e causar uma larga desvantagem para pessoas com deficiência, mulheres chefes de família, negros, LGBTQIA+, em razão dos preconceitos estruturais que existem na sociedade. 

3) Orientação ideológica para seleção dos servidores.

4) Há, ainda, questão técnica que envolve a validade dos atos praticados durante o vínculo de experiência. Como ainda não é um servidor público efetivo, não há menção sobre qual o papel e a extensão dos atos que a pessoa com esse vínculo poderá executar.

Os princípios da impessoalidade, da eficiência e da continuidade do serviço público estão em xeque. As mudanças causarão ampla rotatividade de pessoal, precarização da relação de trabalho, concorrência desleal e assédio entre os candidatos.

Como bem lembrou a Professora Graça Druck, da Universidade Federal da Bahia, em nosso seminário Reforma Administrativa: o alvo é você![2],  “servidores não estão subordinados diretamente à lógica da acumulação, da geração de lucros, da concorrência. Servidores públicos produzem bens coletivos”, por isso o vínculo de experiência, algo semelhante ao processo de trainee do setor privado, é estratégia que nasce fadada ao fracasso, pois não respeita a diversidade, privilegia a pessoalidade e não se compatibiliza com a finalidade do serviço público.

  

Brasília e Campinas, 8 de junho de 2021.

REFERÊNCIAS

[1] Leia mais em: https://www.migalhas.com.br/depeso/342511/concursos-publicos-o-inicio-do-fim

[2] Assista ao seminário: https://www.youtube.com/watch?v=QIXer3-iXCY 

Camilla Galdino Cândido

Advogada da LBS Advogados
E-mail: camilla.candido@lbs.adv.br

Matheus Cunha Girelli

Advogado da LBS Advogados
E-mail: matheus.girelli@lbs.adv.br

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