No dia 5 de junho de 2020, o Plenário do STF julgou o RE nº 791.961 (representativo de controvérsia do tema 709) definindo que os trabalhadores que obtiveram o benefício de aposentadoria especial não poderão continuar trabalhando em condições nocivas ou perigosas à saúde. Caso continuem laborando, perderão o direito ao recebimento das parcelas de sua aposentadoria especial.
O referido tema foi julgado em Plenário Virtual, sob relatoria do Presidente do Supremo, Ministro Dias Toffoli, que, por maioria (7×4), deu parcial provimento a um recurso do INSS, validando o previsto no art. 57, parágrafo 8º, da Lei nº 8.213/91.
A decisão do STF ao menos definiu que o trabalhador só precisa sair da área de risco após a concessão judicial ou administrativa da aposentadoria especial, tendo direito a receber as parcelas atrasadas desde o dia em que entrou com o requerimento.
Em outras palavras, o trabalhador não perde o direito ao benefício em si. Caso ele siga trabalhando em áreas de risco, o recebimento do benefício ficará suspenso, até que deixe efetivamente o trabalho em condição adversa.
Assim, quando o trabalhador decidir se afastar definitivamente da atividade especial, a aposentadoria será reativada e as parcelas mensais pagas a partir da data de seu desligamento.
Mas, afinal, o que são atividades especiais?
O benefício de aposentadoria especial foi instituído pela Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, como medida protetiva do trabalhador destinado a compensar o desgaste resultante da sua exposição à agentes nocivos e prejudiciais à saúde ou integridade física, possibilitando que este se aposentasse e, portanto, se desligasse dessa função perigosa mais cedo.
A título de exemplo, podem ser considerados trabalhadores especiais os operadores de raio-X, os médicos ou enfermeiros expostos à agentes infecciosos, vigilantes e guardas armados, metalúrgicos que lidam com agentes químicos, óleos ou estão expostos a ruído constante, frentistas e motoristas que transportam combustível, os petroleiros em plataforma, entre outros.
O debate no STF e a decisão da maioria
Um dos argumentos centrais do entendimento do voto vencedor ressaltou a característica preventiva da saúde e da vida do trabalhador exposto às condições nocivas, afirmando:
“a aposentação é oportunizada em condições mais vantajosas, mas em contrapartida espera-se o afastamento do labor especial, uma vez que a presunção de incapacidade é absoluta e o que se busca é preservar a saúde provavelmente debilitada pelos esforços levados a cabo por meio de um descanso precoce. Note-se: aquele que se aposenta na modalidade especial não fica impedido de trabalhar em outras atividades. Caso necessite complementar sua renda, lhe é dado buscar fontes de proventos em outras ocupações que não aquelas demasiado danosas à saúde.
(…)
Adicionalmente, é de se ter em vista que, mesmo em relação ao labor especial, não há propriamente proibição, mas sim a colocação de uma escolha ao obreiro, o qual, optando por persistir na atividade, terá seu benefício suspenso.”
Por sua vez, os ministros que divergiram do Relator entenderam que a proibição é desproporcional e uma vedação ao livre exercício profissional. Nesse raciocínio, o Ministro Fachin afirmou no voto vencido:
“Estabelecer aos segurados que gozam de aposentadoria especial restrição similar aos que recebem aposentadoria por invalidez não encontra respaldo legal, considerada a diferença entre as duas modalidades de benefício, além de representar grave ofensa à dignidade humana e ao direito ao trabalho dos segurados.”
Esse, inclusive, foi o entendimento adotado pelo TRF 4 e combatido pelo recurso do INSS. O acórdão do Tribunal Regional afirmou em sentido similar:
“A concessão da aposentadoria especial, com tempo de serviço reduzido em relação à aposentadoria por tempo de contribuição, objetiva permitir que o segurado possa deixar de exercer a atividade prejudicial. Embora esse fim deva ser prestigiado, não se deve obrigar o segurado a se afastar da atividade para obter o seu benefício, sob pena de estar impedindo o livre exercício do trabalho.”
Análise crítica da decisão
Ao que parece, a preocupação da Corte Superior com a segurança e adequação do meio ambiente laboral e a prevenção da saúde do contribuinte não passa de artifício argumentativo, regado de positivismo e cego à realidade do trabalhador especial brasileiro.
Como poderá um trabalhador, após uma carreira exercendo atividades especiais, simplesmente se colocar no mercado de trabalho em outra atividade?
Como sustentará sua família com dignidade se o teto de benefícios do INSS (R$ 6.101,00) é, em muitos casos, significativamente inferior ao seu salário?
Haverá algum programa público de requalificação e readaptação profissionais para exercício desta outra atividade?
Algo é certo: o STF não se posicionou sobre isso.
O que se vê no posicionamento da maioria do Plenário é a repetição do argumento do Governo Federal para aprovação das idades mínimas na Reforma da Previdência: procure outro emprego na velhice!
Como visto em nosso artigo “O fim da Aposentadoria Especial na Reforma da Previdência”[1], ao longo do tempo este benefício passou por inúmeras alterações legais e regulamentares.
Entre elas, é importante recordar que, com a aprovação da Reforma da Previdência (Emenda Constitucional nº 103/19) em 12/11/2019, além do trabalho em atividades especiais pelos períodos já previstos em lei[2], a pessoa deverá cumprir um requisito constitucional de idade mínima para obtenção do benefício.
Aqui cabe um parêntese. Ainda que em rápida análise possa parecer razoável e até mesmo justa a fixação de idades mínimas para aposentadoria, esse requisito desvirtua o propósito do art. 201, §1º, inciso I, da Constituição Federal, que garante a fixação de critérios diferenciados para aposentadoria dos trabalhadores especiais.
A ideia do constituinte, em 1998, quando introduziu o parágrafo primeiro ao artigo 201, foi que aquele trabalhador sujeito à desgaste ou perigo à integridade física e mental pudesse se aposentar antes do desenvolvimento de alguma doença ou mesmo da morte acidental, além de garantir um benefício de maior valor financeiro (sem a aplicação do fator previdenciário à média contributiva) como forma de indenizá-lo por eventual redução ou perda da qualidade de vida por conta da atividade insalubre ou perigosa que desempenhou.
Dessa forma, a exigência de uma idade mínima de 55, 58 ou 60 anos[3] para aquisição da aposentadoria especial, introduzida na Emenda nº 103 de 2019 (Reforma da Previdência) não é compatível com a natureza preventiva e protetiva do benefício.
É de se notar que o argumento que prioriza a prevenção da segurança e da saúde do trabalhador não foi suficiente para afastar a fixação de idade mínima para aposentadoria na Reforma da Previdência.
No entanto, dessa vez, para afastar a possibilidade de o trabalhador especial receber de forma simultânea seu salário e o benefício de aposentadoria especial, o argumento da natureza preventiva “colou”!
Descolados da realidade, os Poderes da República parecem não viver no país de 12,9 milhões de pessoas desempregadas[4]. Ignoram o crescimento vertiginoso nos pedidos de seguro-desemprego, que, segundo dados do Ministério da Economia, sofreram um aumento de 12,4% de janeiro a março de 2020 em relação a igual período de 2019.
Ainda, a partir da segunda metade de março até maio de 2020 (quando se iniciam as políticas de isolamento social para enfrentamento da pandemia de Covid-19), houve um aumento percentual de 25% nos pedidos no mesmo período do ano de 2019.
Assim, o Pleno do Supremo, por maioria de votos, sem a necessária análise dos impactos socioeconômicos da decisão na vida dos segurados especiais e sob o enfoque de uma suposta prevenção à saúde, coloca um contingente de brasileiros e brasileiras em situação de desvantagem ao definir a vedação de recebimento conjunto de aposentadoria especial e salário, se o beneficiário permanecer laborando em atividade especial ou a ela retornar (seja essa atividade aquela que ensejou a sua aposentação precoce ou não).
Por esta razão, se você é segurado especial aposentado ou em vias de se aposentar e ainda trabalha exposto a algum agente nocivo à sua saúde procure um profissional da sua confiança para auxiliá-lo a buscar alternativas menos prejudiciais ao seu sustento digno.
Campinas, 9 de junho de 2020.
NOTAS
[1] https://lbs.adv.br/artigo/o-fim-da-aposentadoria-especial-na-reforma-da-previdencia
[2] 15, 20 ou 25 anos de tempo de contribuição, a depender da natureza do risco que o trabalhador está exposto.
[3] A depender do grau de risco da atividade:
15 anos de exposição – 55 anos de idade
20 anos de exposição – 58 anos de idade
25 anos de exposição – 60 anos de idade
[4] Dados PNAD/IBGE 1ª trimestre 2020
REFERÊNCIAS