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STF declara a constitucionalidade a Lista Suja do Trabalho Escravo

A parcela civilizada da sociedade brasileira e o mundo do Direito, em especial dos ramos dos direitos humanos e do trabalho, têm o que comemorar nesta semana do mês de setembro.  Às 24 horas do dia 14 foi finalizado o julgamento virtual da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 509, pelo qual o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, a “Lista Suja do Trabalho Escravo”.

Clique aqui para ver a lista:

https://sit.trabalho.gov.br/portal/images/CADASTRO_DE_EMPREGADORES/CADASTRO_DE_EMPREGADORES.pdf

Instituída pela Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nº 4/2016 e com alguns institutos revistos pela Portaria MTB nº 1.129/2017, a lista suja foi amplamente legitimada pela maioria dos ministros que compõem o STF, a qual acompanhou o Relator, o Ministro Marco Aurélio — o Ministro Alexandre de Moraes sequer admitia a ação, conforme ajuizada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

Por seu voto, o Ministro Relator considerou ser a Lista Suja do Trabalho Escravo meio próprio para “dar publicidade a decisões definitivas em processos administrativos, observadas as garantias do contraditório e da ampla defesa, referentes a ações fiscais em que for constatada relação abusiva de emprego, similar à de escravidão”. Ressaltou também que, “ao divulgar o resultado de inspeções de interesse coletivo, o cadastro sinaliza o monitoramento da razoabilidade das condições de trabalho, pois o nome do empregador infrator é mantido na lista por dois anos”.

Admitida como amicus curiae nos autos da ADPF, a Central Única dos Trabalhadores, representada por nós, sustentou ser inadmissível que, em pleno século XXI, às portas do dia 28 de janeiro deste ano de 2020, data em que se celebra o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, como marco do aniversário da vergonhosa “Chacina de Unaí” — em que três auditores fiscais do trabalho e um motorista foram executados em uma fiscalização de rotina, em 2004 —, já havia sido totalizada, desde 2019, a libertação de 1.054  trabalhadores em situação análoga à escravidão, em 267 estabelecimentos fiscalizados. Desse total, 934 pessoas estavam em estabelecimentos rurais e 120 em urbanos — dos quais 46 estrangeiros. De 1995 a 2019, 54.686 pessoas foram resgatadas dessas condições![1]

O julgamento era aguardado com grande expectativa pelos agentes sociais progressistas, os quais exerceram forte pressão sobre a Corte Constitucional, para que o fiasco de 2015 não se repetisse.  Naquele ano, por decisão emanada dos autos da ADI nº 5209, o STF determinou a suspensão da divulgação da lista, sob o inexcusável fundamento de que, “para a expedição de tais atos, faz-se necessária a preexistência de uma lei formal apta a estabelecer os limites de exercício do poder regulamentar” (art. 87, inciso II, da Cf). Esse fundamento, agora, foi facilmente superado no julgamento da ADPF nº 509, pelo fato de a Portaria Interministerial nº 4/2016 ter sido editada como meio de dar concretude à Lei nº 12.537/2011 (Lei de Acesso à Informação).

Esta Lei de Acesso à Informação, esclareceu o Relator, tem por princípio a “transparência ativa”, ao determinar aos órgãos e entidades públicas o dever de promover a divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitação, tudo com vistas à realização do direito fundamento de acesso à informação, o qual compreende, inclusive, o direito de obter informações relativas “ao resultado de inspeções, auditorias, prestações e tomadas de contas realizadas pelos órgãos de controle interno e externo…” (arts. 3º, incisos I e II, e 7º, incisos VII, alínea “b”, da LAI).

A importante vitória obtida com o julgamento da ADPF nº 509, com a preservação intacta da Lista Suja do Trabalho Escravo — para além das consequências administrativas dela advindas —, não pode servir de motivo, todavia, para a desmobilização dos agentes sociais, em sua  busca por uma sociedade plena na realização dos direitos humanos e do trabalho, na qual não se permita um milímetro sequer de retrocesso histórico, a um tempo em que a escravidão de pessoas figurava como pilar de uma política econômica perversa.

REFERÊNCIA

[1] Dados do Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) – Ministério da Economia.

Ricardo Quintas Carneiro

Sócio da LBS Advogados
E-mail: ricardo.carneiro@lbs.adv.br

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