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Suprema Corte dos EUA decide que pessoas LGBTs não podem ser discriminadas no trabalho

Em decisão histórica, no dia 15 de junho de 2020, a Suprema Corte dos Estados Unidos afirmou que empregadores não podem demitir trabalhadores exclusivamente por sua identidade de gênero ou orientação sexual, sob pena de violação à legislação federal que regulamenta os direitos civis.

A Corte entendeu, em placar confortável de seis votos a três, que a proposição “Civil Rights Act”, datada de 1964 e conhecida como “Título VII” (Proíbe a discriminação no ambiente de trabalho em razão de raça, religião, origem ou  sexo biológico), também se aplica às questões relacionadas à identidade de gênero ou orientação sexual dos trabalhadores.

A decisão envolveu três casos distintos, porém relacionados: dois deles sobre homens gays e um sobre mulher transexual. A reclamante, Aimee Stephens, foi demitida de uma empresa funerária após finalizar seu processo de transição de gênero.

A Corte afirmou que, apesar de o “sexo biológico” ser uma característica própria, ele é indissociável dos conceitos de orientação sexual e orientação de gênero.

Até o julgamento, em mais da metade dos estados norte-americanos, era legal que trabalhadores fossem demitidos exclusivamente por serem gays, lésbicas, bissexuais ou transexuais.

Os representantes dos movimentos LGBTQI+ avaliam que a decisão terá duplo efeito: prático e simbólico.

Por um lado, o entendimento permitirá que trabalhadores ingressem com demandas judiciais contra seus ex-empregadores, caso sejam dispensados por discriminação, por outro, representará uma das mais significativas afirmações dos direitos LGBTQI+ desde 2015, quando a Suprema Corte reconheceu o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Para o advogado da UCLA (União Americana pelas Liberdades Civis) Chase Strangio, que é transexual e representou a transexual Aimee Stephens no caso, “Todas as pessoas trans e LBGTQs que viveram e morreram para que nós tivéssemos essa vitória não tiveram chance de presenciá-la, mas nós estamos aqui e continuaremos a lutar.”[1]

O Juiz Neil Gorsuch, indicado à Corte Suprema pelo Presidente Donald Trump, em surpreendente voto, destacou: “É impossível discriminar uma pessoa por ser homossexual ou transexual sem discriminá-la com base no sexo/gênero.”[2]

A decisão foi recebida com surpresa pelos apoiadores de Trump, que, após a nomeação de dois juízes conservadores, esperavam vitórias nas pautas contrárias aos direitos civis de minorias sexuais e raciais.

A letra T e o retrocesso Trump

Estima-se que a decisão poderá afetar até 1,4 milhões de cidadãos norte-americanos que se identificam como transexuais ou transgêneros (indivíduos cujo sexo designado biologicamente não se compatibiliza com o sentimento inato de ser homem, mulher ou nenhum dos gêneros).

Com exceção da aparente e recente aceitação da comunidade trans nos meios artísticos, dados concretos sobre a situação socioeconômica desta população ainda são escassos.

O que se pode afirmar é que pessoas transexuais, travestis e demais expressões de gênero não binário possuem menos acesso à educação formal e estão mais expostas ao desemprego e à pobreza[3].

Para além dos dados, o cenário de reconhecimento dos direitos civis da população LGBTQI+ nos EUA é controverso.

Sobre a decisão, afirmou o Presidente Donald Trump em sua conta no Twitter: “Essas decisões horríveis e com viés político saindo da Suprema Corte são um tiro na cara das pessoas que se orgulham de serem chamadas de republicanas ou conservadoras. Vocês têm a impressão de que a Suprema Corte não gosta de mim?”.[4]

Apenas três dias antes do julgamento, o Departamento de Saúde e Serviço Sociais (ligado ao Poder Executivo), emitiu um regulamento revogando as proteções implementadas pela administração Obama contra discriminação de transexuais por médicos, hospitais e convênios médicos.

Até o final de seu mandato, assim como o presidente Bolsonaro, Trump tem ao menos dois assentos para preencher na Suprema Corte e prometeu explicitamente que nomeará juízes que obedecerão com rigor sua agenda ideológica. Algo como a promessa brasileira, feita por Bolsonaro, de um ministro do Supremo Tribunal Federal “terrivelmente evangélico”.

Fascismo verde-amarelo

No Brasil, em recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 11 de maio de 2020, foi declarada a inconstitucionalidade de Portaria do Ministério da Saúde que impedia que homens homossexuais e bissexuais pudessem doar sangue.

Assim como na decisão estadunidense, o STF entendeu que não é plausível impor vedação desproporcional à doação de sangue por um cidadão ser quem é, especialmente nesse momento de pandemia e crise do sistema de saúde.

Apesar de o Poder Judiciário ter julgado processos inéditos reconhecendo alguns direitos da comunidade LGBTQIA+ nos últimos anos, no Brasil e nos EUA seus Poderes Executivos compartilham ideologia conservadora.

Por aqui, em 14 de maio de 2020, apenas três dias após o julgamento do STF e a despeito da decisão judicial, a ANVISA e o Ministério da Saúde expediram ofício aos laboratórios mantendo o veto da doação de sangue por homens gays e bissexuais.

Ao STF, a Anvisa afirmou estar promovendo discussões internas, com o objetivo dar “máxima transparência, buscar o aperfeiçoamento do conhecimento sobre o gerenciamento dos riscos sanitários envolvidos, as responsabilidades dos doadores e os benefícios aos pacientes atendidos”[5].

Gerenciamento de risco sanitário? Responsabilidade dos doadores?

O STF não estabeleceu nenhuma condicionante ao cumprimento da decisão!

A atuação do Governo é clara no sentido de estigmatizar pessoas LGBTQIA+ como doentes e promíscuas, tolhendo o livre exercício de direitos civis básicos.

Resistiremos e exigiremos que nossos direitos sejam garantidos!

Campinas, 23 de junho de 2020.

REFERÊNCIAS

https://www.washingtonpost.com/politics/recent-supreme-court-decisions-show-it-can-be-hard-for-presidents-to-dictate-its-direction/2020/06/18/30498388-b178-11ea-8758-bfd1d045525a_story.html

https://www.nytimes.com/2020/06/15/us/gay-transgender-workers-supreme-court.html

https://theconversation.com/what-the-supreme-courts-decision-on-lgbt-employment-discrimination-will-mean-for-transgender-americans-140878

https://www.hhs.gov/about/news/2020/06/12/hhs-finalizes-rule-section-1557-protecting-civil-rights-healthcare.html

https://abcnews.go.com/Politics/supreme-court-makes-historic-ruling-lgbt-employment-discrimination/story?id=71254749

https://time.com/5853736/lgbt-workplace-discrimination-supreme-court/

https://especiais.estadao.com.br/noticianoseutempo/2020/06/16/suprema-corte-americana-emite-decisao-para-proteger-trabalhadores-lgbt/

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/06/15/suprema-corte-dos-eua-decide-que-profissionais-lgbti-nao-podem-ser-discriminados-no-trabalho.ghtml

https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/11/anvisa-nega-ter-descumprido-decisao-do-stf-que-permite-doacao-de-sangue-por-homens-gays.ghtml

http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/rn-ainda-na-o-aceita-doaa-a-o-de-sangue-de-lgbtq-apesar-de-decisa-o-do-stf/482220

NOTAS

[1] Tradução livre: “All the trans people and LGBTQ people that lived and died so that we could have this win didn’t get to see it, but we are here and we will keep fighting.”

[2] Tradução livre: “It is impossible to discriminate against a person for being homosexual or transgender without discriminating against that individual based on sex.”

[3] Pesquisa do “Centre for Disease Control and Prevention’s Behavioral Factor Survellance Survey”, com 400.000 estadunidenses no período entre 2014-2015, mostra que: 28% das pessoas cisgêneras tiveram acesso ao ensino superior contra 14% das pessoas transgêneras, 32% das pessoas cisgêneras não estavam trabalhando contra 42% das pessoas transgêneras, 17% das pessoas cisgêneras estão em condições de pobreza contra 31% das pessoas transgêneras.

[4] Tradução livre: “These horrible & politically charged decisions coming out of the Supreme Court are shotgun blasts into the face of people that are proud to call themselves Republicans or Conservatives.” “Do you get the impression that the Supreme Court doesn’t like me?”

[5] https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/11/anvisa-nega-ter-descumprido-decisao-do-stf-que-permite-doacao-de-sangue-por-homens-gays.ghtml

Matheus Cunha Girelli

Advogado da LBS Advogados
E-mail: matheus.girelli@lbs.adv.br

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