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TR x IPCA-E: decisão final é adiada em respeito à cláusula de reserva de plenário

Neste dia 27 de agosto de 2020, ao retomar o julgamento das ações que tratam sobre as alterações impostas pela “Reforma Trabalhista” quanto aos índices de correção monetária do débito trabalhista e dos depósitos judiciais, o Supremo Tribunal Federal protagonizou um espetáculo de contradições.

De um lado, os Ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e a Ministra Cármen Lúcia reafirmaram o entendimento do Ministro Gilmar Mendes já proclamado no dia 26/08, quanto ao critério de remuneração dos débitos trabalhistas. Para eles, o critério correto é aquele que corresponde à pretensa sistemática das condenações cíveis em geral: na fase pré-judicial, a incidência do IPCA-E, já a partir da citação, a adoção unicamente da taxa SELIC, como índice único correspondente à correção monetária e aos juros.

Do outro lado, não escondendo a sua decepção, os Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e a Ministra Rosa Weber bradaram a grande injustiça que se estava a praticar contra os trabalhadores e as trabalhadoras, que, vendo-se lesados em seus básicos direitos trabalhistas, buscam na Justiça do Trabalho a devida reparação.

De forma constrangedora para os demais, os Ministros dissidentes evidenciaram que a sistemática proposta pelo Ministro Gilmar Mendes não atenderia ao princípio constitucional de propriedade (inciso XXII do art. 5º da Carta da República), por confundir os institutos da correção monetária e dos juros de mora, amalgamando-os em uma só taxa, a SELIC, a pretexto do art. 406 do Código Civil. Até mesmo a própria sistemática do art. 406 do Código Civil foi posta em dúvida pela divergência, por representar apenas um dos vários critérios previstos na própria Lei nº 10.406/2002.

Como bem se sabe, com previsão nos arts. 883 da CLT e 39, § 1º, da Lei nº 8.177/1991, os juros visam indenizar aquilo que o credor perdeu em virtude da mora do ex-empregador. Já a correção monetária nada mais é do que um instrumento para se devolver ao crédito o seu valor nominal, corroído pelo fenômeno inflacionário.

Não bastasse, os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio ressaltaram que a questão de fundo já está resolvida no âmbito do STF, desde ao menos 1992, quando na ADI nº 493 fora declarado que a TR, por não representar a inflação, não pode servir como índice de correção monetária. Entendimento que foi reiterado em 2015, com o julgamento das ADIs nºs 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425. Também em 2019, no julgamento do RE nº 870.947 (TRG nº 810), a questão fora inclusive ratificada sob o referido ponto de vista do direito constitucional de propriedade, inscrito no inciso XXII do art. 5º da Carta da República, por orientação do Ministro Luiz Fux — o qual, todavia, declarou-se impedido para atuar, agora, nestes feitos. 

Ante a ausência justificada do Ministro Celso de Mello e impedido o Ministro Luiz Fux, presentes no Plenário apenas nove ministros e ministras, o empate a quatro votos forçou o Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, a suspender a sessão de julgamento, em respeito à cláusula de reserva de plenário.  O art. 97 da Constituição de 1988 determina que “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. O que significa dizer que, para a consagração da tese definitiva, serão necessários os votos convergentes dos ministros que ainda não os declaram: o próprio Ministro Dias Toffoli e o Ministro Celso de Mello — ou de quem venha a substituí-lo, caso novo julgamento não seja pautado até novembro, data da sua aposentadoria compulsória.

Causa desconforto ver o trabalhador amplamente prejudicado por rasa interpretação dos institutos do Direito do Trabalho, justo pela Corte Constitucional do Brasil. Interpretação a qual, para além de não levar em conta a natureza alimentar dos créditos trabalhistas, confunde as figuras jurídicas da correção monetária e dos juros de mora, como também os seus papeis na quitação do débito resultante das condenações judiciais.

Ademais, beira a crueldade afirmações, por exemplo, de que os índices ou taxas a serem adotados não devem privilegiar nem o trabalhador, nem o empregador. Isso, quando os autores e amici curiae das Ações Diretas de Constitucionalidade postas a julgamento, juntos, coincidentemente, são os grandes devedores nas estatísticas da Justiça do Trabalho — mesmo levando em conta os índices e taxas já praticados. Imagine o que acontecerá caso o entendimento do Ministro Gilmar Mendes prevaleça?

Ainda não se quer acreditar que o Supremo Tribunal Federal tirará o alimento do prato do trabalhador para engordar rentistas.

Brasília, 27 de agosto de 2020.

Ricardo Quintas Carneiro

Sócio da LBS Advogados
E-mail: ricardo.carneiro@lbs.adv.br

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