O Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da Universidade de Brasília (UnB) realizou assembleia (17/10) na qual se aprovou a criação de cotas para pessoas transexuais no processo de ingresso à universidade. A medida prevê a reserva de 2% das vagas em todas as formas de entrada na graduação, o que corresponde a uma vaga por curso. Assim, caso o candidato trans não consiga se classificar pela ampla concorrência, poderá acessar as vagas destinadas às pessoas trans.
A iniciativa tem como finalidade ampliar o acesso de grupos minoritários que se identificam como transexuais, incluindo travestis, mulheres e homens trans, pessoas transmasculinas e não binárias. Além disso, o Comitê Permanente de Acompanhamento das Políticas de Ação Afirmativa (Copeaa) será responsável por definir os critérios de heteroidentificação e receber denúncias relacionadas à política. Com essa aprovação, a UnB passa a ser a 11ª universidade federal a implementar uma política inclusiva voltada para a comunidade LGBTQIA+.
É importante destacar a relevância da notícia para a população trans, pois, de acordo com uma pesquisa realizada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), no ano de 2022, a partir de dados sobre a situação educacional das pessoas trans, estima-se que cerca de 70% da população trans não concluiu o ensino médio. Ainda, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) em 2018 apurou que, entre os 1,2 milhão de estudantes universitários no Brasil, apenas 3.379 são pessoas trans, o que representa 0,2% do total. Além disso, somente seis instituições de ensino no país oferecem cotas para pessoas trans: a Universidade Estadual da Bahia (UNEB), a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), a Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), a Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC) e a Universidade Estadual do Amapá (UEAP).
Analisando esse cenário, a Deputada Federal Erika Hilton apresentou um Projeto de Lei que visa constituir uma reserva legal de 5% de cotas para pessoas trans nas universidades brasileiras, o que represente avanço na luta pelos direitos das pessoas trans, visto que o Brasil é um dos países com mais arcabouço de proteção à população LGBTQIA+, porém, nenhuma dessas proteções é legislativa, o que causa insegurança jurídica para a comunidade.
A Universidade Federal Fluminense (UFF) foi a primeira instituição federal a implementar cotas para pessoas trans nos cursos de graduação. A medida, aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, reflete o compromisso da universidade em atender as reivindicações de grupos marginalizados e fomentar um ambiente acadêmico mais inclusivo e incentivar tantas outras universidades federais a seguir o mesmo caminho.
A partir do cenário acima delineado, a implementação de políticas de acesso, como é o caso das cotas, tem o potencial de, gradualmente, transformar as oportunidades de inserção dessas pessoas no mercado de trabalho, onde ainda enfrentam marginalização.
Não é demais ressaltar que, ao julgar a ADPF nº 186 DF, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional atos que instituam sistema de reserva de vagas com base em critério étnico-racial, sob fundamento de que o Princípio da Igualdade Material, previsto no caput do arti. 5º da Constituição permite ao Estado a adoção de políticas afirmativas para permitir às populações minoritárias e marginalizadas a superação de desigualdades decorrentes de situações histórias particulares. Partindo dessa premissa, sendo o Brasil o país que mais mata pessoas trans no mundo por 14 anos consecutivos, resta inquestionável a desigualdade suportada pela população transexual, cabendo ao Estado a adoção e promoção de mecanismos para salvaguarda dos direitos fundamentais dessa população, como é o caso do direito à educação.
Ainda, além das cotas para pessoas trans, existem as cotas raciais e socioeconômicas, nas quais a população trans também pode concorrer caso preencha os requisitos estabelecidos pelo edital ou pelas Leis nº 12.711/12 (cota socioeconômica) e nº 12.990/14 (cotas raciais), sendo de responsabilidade do Ministério da Educação, na qualidade de supervisor ministerial, a avaliação e o monitoramento da execução da política de cotas, atuando como órgão responsável pela regulamentação da política, com estabelecimento de critérios equitativos de seleção.
A denúncia de fraude ou descumprimento da legislação pode ser feita na própria universidade por meio de abertura de sindicância ou processo administrativo disciplinar (PAD), ou, por meio do site: https://observatoriocotasraciais.dpu.def.br/observatorio/hotsite/, de responsabilidade da Defensoria Pública da União em parceira com a OAB Maranhão e a Defensoria Pública do Estado do Maranhão.
Por fim, caso o candidato trans tenha seu direito à vaga cotista negada de forma arbitrária e ilegal, é possível também o ajuizamento de ação na Justiça Federal, em se tratando de universidades públicas, ou na Justiça Comum, na hipótese de universidades privadas, para assegurar judicialmente o cumprimento da legislação e dos editais de concorrência para vagas no ensino superior.
Brasília e Campinas, 22 de outubro de 2024.
Isabella Gomes Magalhães
Advogada da LBS Advogados
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Luana Emanuele de Souza
Advogada da LBS Advogados
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