Violação aos princípios e bases do ensino no Brasil como prática de assédio moral contra docentes

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) conceitua violência e assédio no mundo do trabalho como o “Conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou de suas ameaças, de ocorrência única ou repetida, que visem, causem ou sejam suscetíveis de causar danos físico, psicológico, sexual ou econômico, e inclui a violência e o assédio com base no gênero”. [1]

São exemplos de práticas de assédio moral:

  • retirada da autonomia;
  • isolamento da pessoa assediada (seja por evitar comunicação direta, seja pela retirada de atividades);
  • tratamento desrespeitoso, aos gritos;
  • imposição de práticas vexatórias ou antiéticas;
  • desproporcional sobrecarga de trabalho;
  • restrições a tratamento médico;
  • restrições à utilização de banheiros;
  • tratamento anti-isonômico,
  • atos de discriminação, em geral, como racismo, etnismo, machismo, capacitsmo, lgbtfobia e etarismo.

Há, contudo, atos de assédio moral que acontecem de forma específica na categoria docente. Estão, em síntese, relacionados à quebra de princípios basilares da atividade educacional no Brasil e à alienação do educador e da educadora de seu papel social, prática que reduz e desqualifica a pessoa enquanto profissional da área de ensino.  

São princípios constitucionais que regulam a atividade docente no Brasil, dentre outros, a liberdade de ensino e aprendizagem, o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e a valorização dos profissionais da educação quando violados.

A lei que trata as diretrizes e bases da educação nacional (LDBE – Lei nº 9.394/96) estabelece que o ensino será ministrado com base em:

 

(..) II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância;

VII – valorização do profissional da educação escolar;

(…) XII – consideração com a diversidade étnico-racial.            

(…)

XIV – respeito à diversidade humana, linguística, cultural e identitária das pessoas surdas, surdo-cegas e com deficiência auditiva.   

 

São elementos essenciais na caracterização da atividade docente. Princípios que garantem que a atividade alcance sua função social.

A violação aos preceitos acima citados afasta a pessoa docente de sua função social, descaracterizando a própria atividade e reduzindo quem a exerce ao mero tecnicismo. No campo do Direito do Trabalho, pode caracterizar assédio moral, na medida em que atinge a autoestima da pessoa trabalhadora enquanto profissional da educação.

Logo, atos que visam limitar a liberdade de ensino e aprendizagem, que desconsideram a diversidade étnico racial e desrespeitam a diversidade humana, como a gravação ilícita e não permitida de aulas, a proibição de discussões sobre diversidade, a retirada de autonomia pedagógica na definição de conteúdo e restrições à apresentação e à discussão de ideias e concepções diferentes sobre um dado tema são atos que podem caracterizar assédio moral no trabalho.

É importante considerar que as professoras e os professores podem sofrer assédio moral por parte da própria instituição de ensino, do corpo discente e até dos familiares desses últimos. A expansão do ensino remoto também traz a possibilidade de novos meios de assédio. Além do espaço escolar, o assédio pode acontecer no espaço digital. Vale considerar, nesse sentido, o aumento da vigilância da pessoa docente e a velocidade e amplitude das informações que circulam por meio digital como catalisadores das práticas de assédio.

Se “o livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos”[2], o enfrentamento ao assédio moral contra docentes faz-se essencial tanto por proteção à dignidade humana da pessoa docente, quanto por garantir que a função social do ensino seja alcançada, o que beneficia a toda a sociedade.

Diante da atual conjuntura, faz-se necessária a defesa dos princípios constitucionais de liberdade na educação, que consideram a liberdade de ensinar, de aprender, de pesquisar e de divulgar o pensamento e trabalhar pelo pluralismo de ideias e concepções. Contrapor-se à liberdade de cátedra é uma maneira de incentivar o medo e a censura em sala de aula e contribuir para uma sociedade antidemocrática.

 

 

Brasília, 14 de outubro de 2022.

 

REFERÊNCIAS 

[1] Cartilha de Enfrentamento ao Assédio Moral, Assédio Sexual e Discriminação no trabalho Bancário. Revisão de Isabelle Grangeiro e Antonio Megale. Disponível em https://lbs.adv.br/pdf/noticias/f94c4eaff9e558e3d43c493d0702f2b28d211f46.pdf

[2] Marx e Engels apud Lyra Filho, 2012 p. 104. O que é Direito: Coleção Primeiros Passos. Editora Brasiliense

Luara Borges Dias

Advogada da LBS Advogados
E-mail: luara.dias@lbs.adv.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *