O Supremo Tribunal Federal retomou, no dia 14 de abril, o julgamento de embargos de declaração no ARE nº 1.018.459 do Tema de Repercussão Geral nº 935, sobre a necessidade de autorização individual para desconto de contribuição decorrente de negociação coletiva, também chamada de assistencial ou equivalente.
A tese, fixada em 2017, estava em descompasso com as decisões proferidas posteriormente pelo próprio STF, em especial após o fim do imposto sindical e a prevalência dos acordos coletivos e convenções coletivas de trabalho aprovadas em assembleia, de aplicação obrigatória para toda a categoria. Além disso, a tese também não estava condizente com a linha jurisprudencial de valorização da negociação coletiva como ferramenta de diálogo social, que pressupõe necessariamente um modelo sindical que habilite as entidades representativas a exercerem as suas funções, inclusive com a arrecadação de recursos materiais para tanto.
O voto do Ministro Barroso reconhece essas alterações fáticas e jurídicas e promove – ainda que ressalvando o direito relativo e condicionado de oposição de não filiados a contribuir com o custeio sindical – a correção da tese, a restauração, mesmo que parcial, da capacidade de financiamento do sistema sindical, dotando de maior segurança jurídica os instrumentos coletivos, de modo a evitar o que, corretamente, chama de “efeito carona” das vantagens decorrentes dos acordos e convenções coletivas.
Os votos das ministras e demais ministros ainda serão colhidos até o dia 24/04, junto ao Plenário Virtual.
Destacamos os seguintes trechos do voto:
“(…)
- Após o julgamento, ocorreram alterações nas premissas fáticas e jurídicas da demanda, que justificam a mudança da conclusão do entendimento jurídico firmado, com a consequente concessão de efeitos infringentes em sede de embargos de declaração.
- A Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), aprovada após o julgamento, promoveu uma importante alteração na forma de custeio das atividades dos sindicatos. De acordo com a nova redação do art. 578 da CLT, a contribuição sindical só pode ser cobrada ‘desde que prévia e expressamente autorizadas’
- Com a alteração legislativa, os sindicatos perderam a sua principal fonte de custeio. Caso mantido o entendimento de que a contribuição assistencial também não pode ser cobrada dos trabalhadores não filiados, o financiamento da atividade sindical será prejudicado de maneira severa. Há, portanto, um risco significativo de enfraquecimento do sistema sindical.
- A valorização da negociação coletiva na jurisprudência do STF
- O enfraquecimento dos sindicatos, todavia, vai na contramão da jurisprudência deste tribunal. Em diversos precedentes, o STF reconheceu a importância da negociação coletiva.
(…)
- A contribuição assistencial é mecanismo essencial para o financiamento da atuação do sindicato em negociações coletivas. Assim sendo, vislumbro uma contradição entre prestigiar a negociação coletiva e esvaziar a possibilidade de sua realização.
- Ponderando todos os elementos em jogo, considero válida a cobrança de contribuição assistencial, desde que prevista em acordo ou convenção coletivos, assegurando-se ao empregado o direito de oposição (opt-out). Assim, é possível evitar os efeitos práticos indesejados mencionados acima e, ao mesmo tempo, preservar a liberdade de associação do trabalhador.
- Portanto, deve-se assegurar ao empregado o direito de se opor ao pagamento da contribuição assistencial. Convoca-se a assembleia com garantia de ampla informação a respeito da cobrança e, na ocasião, permite-se que o trabalhador se oponha àquele pagamento.” (grifos nossos)
O voto recoloca o tema em termos lógicos e coerentes com a jurisprudência da Corte, ainda que possamos divergir quanto à pertinência do chamado direito de oposição. O direito à oposição seria garantido, conforme proposta de voto, mediante prévia assembleia, com método a ser estabelecido pela categoria. A cobrança não é impositiva (como era o imposto sindical) uma vez que depende da atuação sindical (ação sindical efetiva) e do resultado da negociação (cobertura de proteção). De outro lado, decorre de autorização de assembleia na qual se aprova ou não tanto as reivindicações como o conteúdo de um acordo coletivo ou convenção coletiva cuja obrigatoriedade de aplicação não se discute.
As convenções e os acordos coletivos são instrumentos únicos, cujas cláusulas podem variar de natureza e intensidade, mas determinam cobertura protetiva, de um lado, e segurança jurídica, de outro.
Na sequência, ainda na data de hoje (14/04), o voto do Ministro Gilmar Mendes foi disponibilizado e, diante do voto de divergência, também reconheceu evolução no tratamento da matéria, acolhendo a sugestão de dar efeitos infringentes (modificativos) para acolher a tese do desconto de sócios e não sócios, assegurado o direito de oposição.
Nesse caso, sequer haveria falar-se em “oposição” a uma das cláusulas, quando o que se examina é o conteúdo de todo o instrumento. No entanto, no contexto de uma jurisprudência absolutamente restritiva, o reconhecimento, em estágio de evolução, da possibilidade de constar cláusula aprovada em assembleia para custeio solidário das atividades sindicais que, ao fim e ao cabo, serve para cobertura de negociação coletiva, deve ser considerada atualização interpretativa de grande importância e alcance.
Brasília, 14 de abril de 2023.
José Eymard Loguercio
LBS Advogadas e Advogados
Mauro de Azevedo Menezes
Mauro Menezes & Advogados