O Supremo Tribunal Federal decidiu que servidoras e servidores públicos municipais e estaduais – cuidadores de pessoas com deficiência – têm direito à redução de 30 a 50% da jornada de trabalho.[1]
O caso
O recurso foi interposto por uma servidora pública estadual contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que havia negado a redução de sua jornada para cuidar da filha com transtorno do espectro autista (TEA), sob alegação de que não há lei que conceda esse direito.
A redução da jornada já era garantida aos servidores públicos e às servidoras federais pela Lei nº 8.112/90, que prevê a redução de jornada ao servidor e à servidora que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência, independentemente de compensação de horário.
Por meio da decisão, o Tribunal decidiu que esse direito, previsto na lei federal, deve ser estendido aos servidores e às servidoras municipais e estaduais, independentemente da existência de legislação local.
O julgamento
O relator do processo, Ministro Ricardo Lewandowski, explicou que a falta de legislação local não pode servir como justificativa para a violação ao princípio da dignidade humana, do direito à saúde, do melhor interesse das crianças e das regras e diretrizes previstas na Convenção Internacional sobre Direito das Pessoas com Deficiência.
O Ministro afirmou que “as famílias de pessoas com deficiência, por um lado, precisam do trabalho para a manutenção de existência digna e, de outro, necessitam de tempo para se dedicarem ao desenvolvimento do filho atípico, portanto, adaptação razoável à controvérsia é a redução da jornada de trabalho dos servidores públicos, sem a redução de vencimentos.”
Citou que historicamente as mães são “as heroínas protagonistas das histórias de cuidado e da luta pelos direitos dos filhos atípicos”, mas que “o heroísmo não pode servir para romantizar a realidade e mascarar a obrigação que todos têm, sobretudo o Estado, em garantir que as PcDs e suas famílias possam criar a ajudar seus filhos a se desenvolver com dignidade.”
A CUT ingressou na ação como amicus curiae, “amigo da corte”, e apresentou sustentação oral representada pela advogada da LBS Advogados, Camilla Louise Galdino Cândido.
Relevância do julgamento
Trata-se de uma decisão muito importante para os servidores e as servidoras municipais e estaduais responsáveis por pessoas com deficiência. Muitas vezes esse direito era negado às pessoas com deficiência e aos servidores, sob alegação de ausência de legislação.
A redução da jornada de trabalho da trabalhadora ou do trabalhador que tem sob responsabilidade uma pessoa com deficiência está centrada na proteção dessa pessoa, de forma que é inadmissível a omissão do Estado pela não concessão do direito à redução da jornada aos servidores públicos estaduais e municipais.
Os tribunais deverão seguir a decisão do STF em casos semelhantes, sendo favoráveis à redução da jornada, pois a decisão possui repercussão geral.
A decisão abrange somente cônjuge, filho ou filha com deficiência?
Não. Além de cônjuge, filho ou filha, a decisão abrange qualquer que seja o dependente com deficiência.
O art. 98, § 3º, da Lei nº 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União) assegura ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência o direito à redução da jornada de trabalho.
Pode ser enteado/enteada, pai/mãe, irmão/irmã, avô/avó, bisavô/bisavó e outros, desde que dependente do servidor ou servidora.
Sou servidor(a) público(a) estadual/municipal, responsável pelo cuidado de pessoa com deficiência e preciso reduzir minha carga horária, o que faço?”[2]
Primeiramente, o servidor ou a servidora pode protocolar um requerimento administrativo ao órgão ou entidade que trabalha, com o pedido da redução. Havendo a negativa do pedido administrativo, é possível recorrer ao Poder Judiciário para a concessão desse direito.
Sou empregado celetista, tenho o mesmo direito?
A decisão do STF trata sobre a redução de jornada para servidores públicos estaduais e municipais, pois esse era o objeto do recurso, contudo, isso não significa que empregados e empregadas responsáveis por pessoas com deficiência não tenham o mesmo direito.
Para esses, o direito à redução da jornada pode estar garantido tanto em acordos e convenções coletivas quanto nas normas internas da empresa. Para se informar sobre a existência de acordos ou convenções coletivas, você pode buscar o seu sindicato.
Contudo, mesmo se não houver acordo, convenção coletiva ou normas da empresa nesse sentido, ainda assim o referido direito pode ser garantido.
O fundamento aqui é o mesmo, sem diferenciações entre servidores públicos e empregado(a)s: a proteção da dignidade da pessoa humana, o direito à saúde e os direitos das pessoas com deficiência, garantidos tanto pela Constituição quanto pela legislação internacional.
Além disso, o Tribunal Superior do Trabalho tem reconhecido esse direito aos empregados e empregadas, aplicando por analogia a Lei nº 8.112/90.[3]
Portanto, os empregados e empregadas responsáveis por pessoas com deficiência possuem o mesmo direito que os servidores públicos quanto à redução de jornada de trabalho, sem alteração remuneratória e sem compensação de horário.
Brasília e São Paulo, 26 de dezembro de 2022.
REFERÊNCIAS
[1] Decisão no Recurso Extraordinário (RE) nº 1.237.867, com repercussão geral reconhecida (Tema nº 1.097), na sessão virtual de 16/12/2022.
[2] Caso hipotético.
[3] Exemplos de decisões do TST que reconhecem o direito à redução de jornada de empregado e empregada responsável por cuidado de pessoa com deficiência: https://www.tst.jus.br/-/enfermeiro-obt%C3%A9m-redu%C3%A7%C3%A3o-de-jornada-para-cuidar-de-filho-com-autismo e https://www.tst.jus.br/-/decis%C3%B5es-garantem-redu%C3%A7%C3%A3o-de-hor%C3%A1rio-para-m%C3%A3es-de-crian%C3%A7as-autistas%C2%A0