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28 de janeiro: Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo e a necessária disputa de consciência em tempos de conflito

Para grande parte das pessoas, a discussão sobre trabalho escravo remete às aulas de história, nas quais aprendemos que a escravidão foi abolida e extinta no Brasil em 1888 a partir do ato da Princesa Isabel, que, de bom grado, instituiu a Lei Áurea. Nessa curta explicação, nos deparamos com duas falsificações.

Uma delas é a abolição formal da escravidão enquanto um presente do Estado ao povo negro. Essa narrativa apaga o protagonismo dos movimentos abolicionistas, de pessoas como Zumbi dos Palmares e Dandara, negros e escravizados que deram suas vidas ao processo pela libertação desses trabalhadores que eram submetidos a condições desumanas. Esse apagamento se dá justamente com o intuito de desmobilizar setores explorados e oprimidos, não deixando com que esses conheçam o potencial que existe quando se organizam para combater as mazelas às quais são submetidos. A abolição formal da escravidão foi uma conquista popular.

A segunda falsificação é a extinção do trabalho escravo na realidade social de nosso país. Ainda que com a proibição formal da escravidão, o Brasil é marcado por uma consciência racista e escravagista. Isso ocorre em parte por conta do histórico de políticas públicas implementados ao longo do tempo para a conscientização sobre o assunto.

Na maioria das medidas tomadas pelo Estado – em diferentes tempos históricos –, aqueles que violam os direitos fundamentais, humanos e trabalhistas não são devidamente responsabilizados. Foi o que ocorreu com a Lei Áurea, que permitiu que os antigos donos de escravos fossem liberados de qualquer obrigação de indenizar aqueles que tiveram sua liberdade roubada. Nos tempos recentes, nos víamos avançando na consciência sobre os direitos trabalhistas e a dignidade da pessoa humana, entretanto, passamos por um desgoverno que nos fez lembrar o quão profunda são as marcas da consciência escravagista em nosso país.

Durante o governo Bolsonaro, o ex-presidente afirmou que não regulamentaria a Emenda Constitucional nº 81, de 2014, que permite a expropriação de terras onde haja exploração de trabalho escravo. Nas palavras dele, a medida tornaria “vulnerável” a questão da propriedade privada no Brasil. O que seria punição excessiva para quem não vê problema em ferir direitos fundamentais de terceiros? Ainda que extremamente ignorantes as palavras de Bolsonaro, sua fala expressa uma real barreira para a punição efetiva daqueles que se utilizam do trabalho escravo como meio de expandir suas riquezas: o conflito capital versus trabalho.

Como afirmado pela Oxfam[1], geralmente, o trabalho escravo moderno começa com a informalidade e com a precarização do trabalho. A partir disso, as situações podem envolver ambientes insalubres, perigosos, falta de água e equipamentos de proteção, falta de alimentação apropriada, retenção de documentos, descontos ilegais no salário, servidão por dívida, sequestro, violência, dentre outras situações.

É impossível que seja feito um real combate ao trabalho escravo ou análogo à escravidão quando a discussão sobre direitos humanos e do trabalho é submetida ao imperativo do lucro. Ao longo dos últimos anos, presenciamos diversos ataques aos direitos dos trabalhadores, com a alta cúpula do governo criticando direitos conquistados por meio das lutas dos movimentos sociais e de trabalhadores e os encarando enquanto barreira para a potencialização dos lucros de grandes empresários.

O ex-presidente Bolsonaro chegou a dizer que as Normas Regulamentadoras, que objetivam proteger a vida e a saúde dos trabalhadores, atrapalham a vida do empresariado. Em mesma oportunidade, criticou multas aplicadas pelo Ministério Público do Trabalho.

E não apenas no discurso o ex-presidente se colocou contra ações de combate ao trabalho escravo. Em 2021, alterou o destino de recursos arrecadados mediante a punição de infrações trabalhistas e que eram utilizados para fortalecer a fiscalização realizada pelo MPT. Antes, os recursos arrecadados a partir de aplicação de multas ou Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) em empresas que descumprissem a legislação trabalhista eram direcionados para reforçar a fiscalização. Dessa forma, a medida debilitou ainda mais a fiscalização, que já era carente de recursos. Não à toa, mais de 1,5 mil brasileiros foram libertados de trabalhos em condições análogas à escravidão em 2022.

Começamos 2023 assistindo a um novo governo tomar posse, governo esse muito diferente do anterior. Desde o começo, em discursos de diversos de seus representantes, ouvimos os direitos sociais sendo tratados de outra maneira, sendo reivindicados e valorizados. Ao mesmo tempo, sabemos que o conflito capital versus trabalho não desapareceu apenas porque a alternativa que pensa e se preocupa com os problemas sociais venceu.

Para avançar no combate ao trabalho escravo, para além de investimento em fiscalização, desapropriações, incentivos em políticas públicas, é também necessário o fortalecimento dos setores que defendem os direitos sociais e a dignidade humana. Apenas dessa forma uma nova narrativa pode se estabelecer e os interesses do trabalho se sobreporem aos do capital em tempos tão difíceis, em que vemos que nossas conquistas muitas vezes são fragilizadas.

Neste dia 28 de janeiro, Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo, que nossa tomada de consciência seja coletiva e organizada para construir um novo Brasil.

Campinas, 28 de janeiro de 2023.

[1] A Oxfam International é uma confederação de 19 organizações e mais de 3000 parceiros, que atua em mais de 90 países na busca de soluções para o problema da pobreza, desigualdade e da injustiça, por meio de campanhas, programas de desenvolvimento e ações emergenciais.

Taís Roldão

Assistente Jurídica da LBS Advogados

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