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Impasses na negociação coletiva entre a Starbucks e o sindicato Workers United

As violações aos direitos de organização sindical dos trabalhadores ocorrem de maneira concertada nos países onde os trabalhadores ousam confirmar que a interação coletiva é o instrumento de luta há séculos. Onde a atuação sindical floresce, há imediata reação de grandes empresas. As reações podem ser as mais diferentes, mas a finalidade é única: desmobilizar os trabalhadores e enfraquecer a atuação sindical. É o que tem acontecido nos Estados Unidos diante dos recentes impasses no processo negocial entre os trabalhadores e a rede de café americana Starbucks.

A Starbucks emprega hoje 402.000[1] pessoas nos Estados Unidos em mais de 300 locais distintos. Desde o ano de 2021, ao menos 8.000 desses trabalhadores têm se organizado em torno do sindicato Workers United[2], que busca, por meio de uma primeira e grande negociação coletiva geral, estabelecer direitos mínimos para a categoria. Os trabalhadores querem a garantia de um salário-mínimo nacional, escalas de trabalho justas, jornada mínima de trabalho[3], além do estabelecimento de regras sobre eleições sindicais. A ideia é concretizar um acordo nacional mais genérico, deixando para serem negociados os aspectos específicos em cada região ou estabelecimento.[4]

O objetivo de estabelecer uma mesa de negociação única não agrada a empresa, que vem criando diversos obstáculos para realização da negociação nacional, especialmente ao expressar que prefere negociar presencialmente com os trabalhadores sindicalizados, das mais de 300 lojas. Tudo isso, a despeito de o sindicato ter proposto a realização das reuniões por meio da plataforma Zoom para facilitar o procedimento da negociação. Ainda assim, a empresa insiste que as reuniões devem ser presenciais porque são mais eficazes para a compreensão das demandas dos trabalhadores, e que essa forma é a requerida pela lei federal. [5]

De acordo com os procuradores do National Labour Relations Board – NRLB, a agência federal responsável por assegurar, entre outros, o direito de organização dos trabalhadores do setor privado, há acusações consistentes de práticas trabalhistas desleais cometidas pela Starbucks, o que inclui a recusa em negociar os direitos com a categoria via Zoom. Segundo a empresa, já houve mais de 423 reuniões de negociação individuais, no entanto, sem nenhum resultado prático, fato que prova que o intuito da empresa é prolongar a negociação, fragmentar a representação e finalmente enfraquecer a atuação sindical, uma vez que, diante da demora na negociação, os empregados passam a desacreditar a atuação sindical. [6]

Além do evidente comportamento protelatório da empresa, há outras condutas que já ensejaram 94 reclamações contra a empresa, que é acusada de demitir trabalhadores que apoiam o sindicato; de fechar lojas cujos empregados são sindicalizados; conceder aumento salarial somente para empregados não sindicalizados, entre outras práticas antissindicais. Até o momento, 14 casos analisados na seara administrativa confirmam a violação sistêmica da legislação por parte da empresa contra o direito de organização dos trabalhadores.[7]

Segundo Linne Fox, presidenta do Workers United, esses atos são parte de um grande plano da empresa, mas que o sindicato já estava preparado para essa ofensiva desde o início do movimento. A intenção da empresa é impedir a construção de um acordo nacional, com vistas a destruir a organização sindical dos trabalhadores da Starbucks. A despeito de tudo, Linne se diz “orgulhosa dos trabalhadores e acredita que eles estão chocados pela forma cruel com que a empresa que eles amam tem os tratado.” [8]

Traçando um paralelo entre Brasil e Estados Unidos, sem desconsiderar as peculiaridades de cada país, vale dizer que aqui há também consideráveis obstáculos criados pelas empresas e pelo Estado, os quais dificultam a livre organização e a atuação sindical. Há, por exemplo, a disseminação sistêmica de condutas antissindicais; a recusa injustificada à negociação coletiva; as dispensas discriminatórias de dirigentes sindicais; e a não concessão de gratificação pecuniárias, tal como acontece nos Estados Unidos.

Especificamente sobre a negativa do empregador em negociar, há que se ressaltar que o cenário de crise econômica enfraquece o poder de barganha dos trabalhadores e os coloca em postura defensiva de seus direitos.  Acresça a isso, a última alteração legislativa, a Lei nº 13.467/17, que prometeu fomentar e facilitar as negociações coletivas, mas que, na realidade, propiciou a queda instantânea de 16,7% nos índices de registros de acordo coletivo e de 12,7% nas convenções coletivas no ano de 2018.[9] Um outro fator agravante foi o fim da ultratividade, também resultante da “Reforma Trabalhista”, que, ao estabelecer a não obrigatoriedade da prorrogação automática do acordo ou da convenção coletiva, criou o ambiente confortável para o empregador não negociar.

Apesar dessas intempéries, o ambiente, hoje, é de busca por soluções capazes de reverter os prejuízos provocados pela “Reforma Trabalhista” e pela sequência trágica dos governos Temer e Bolsonaro. A chegada do governo Lula parece ter propiciado a abertura dos canais de discussão em favor da valorização da negociação coletiva, pois já se discute um projeto de fortalecimento dos sindicatos e de valorização da negociação coletiva.

Um dos desafios, também aqui no Brasil, é o de promover espaços de negociação mais amplos, com maior agregação. Esses âmbitos de negociação mais abrangentes, certamente, propiciam maior cobertura de proteção sindical. Algo que está na contramão das investidas neoliberais por negociações localizadas, onde a pressão empresarial é mais forte sobre as pessoas trabalhadoras.

 

Brasília, 14 de junho de 2023.

 

[1] STOCK ANALYSIS. Stock Analysis, © 2023. Análise de dados da bolsa de valores. Disponível em https://stockanalysis.com/stocks/sbux/employees/. Acesso em: 29 mai. 2023.

[2] WORKERS UNITED. Workers United, © 2023. Site de Organização Sindical no local de trabalho. O sindicato visa a organização no local de trabalho e abrange diversa empresas. Disponível em: https://workersunited.org/. Acesso em: 29 mai. 2023.

[3] GH CONTRACT – Guaranteed hours period. Trata-se de um contrato específico que garante ao empregado a oferta de um determinado número de horas de trabalho empregado em um determinado período no tempo.

[4] JAMIESON, Dave. Starbucks union demands company bargain a national contract. HUFFPOST, 2023. Disponível em: https://www.huffpost.com/entry/starbucks-union-bargaining_n_646d1e5ce4b0ab2b97eadccd?utm_campaign=share_email&ncid=other_email_o63gt2jcad4. Acesso em: 29, mai. 2023.

[5] JAMIESON, Dave. Starbucks union demands company bargain a national contract. HUFFPOST, 2023. Disponível em: https://www.huffpost.com/entry/starbucks-union-bargaining_n_646d1e5ce4b0ab2b97eadccd?utm_campaign=share_email&ncid=other_email_o63gt2jcad4. Acesso em: 29, mai. 2023.

[6] Idem.

[7] JAMIESON, Dave. Starbucks union demands company bargain a national contract. HUFFPOST, 2023. Disponível em: https://www.huffpost.com/entry/starbucks-union-bargaining_n_646d1e5ce4b0ab2b97eadccd?utm_campaign=share_email&ncid=other_email_o63gt2jcad4. Acesso em: 29, mai. 2023.

[8] JAMIESON, Dave. Starbucks union demands company bargain a national contract. HUFFPOST, 2023. Disponível em: https://www.huffpost.com/entry/starbucks-union-bargaining_n_646d1e5ce4b0ab2b97eadccd?utm_campaign=share_email&ncid=other_email_o63gt2jcad4. Acesso em: 29, mai. 2023. Tradução livre da autora.

[9] KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Veras de; FILGUEIRAS, Vitor Araújo (Org.); GALVÃO, Andréia. Reforma Trabalhista: efeitos e perspectivas para os sindicatos. Campinas: Curt Nimuendajú, 2019, p. 184.

José Eymard Loguercio

Sócio da LBS Advogados
E-mail: eymard@lbs.adv.br

Meilliane Pinheiro Vilar Lima

Sócia da LBS Advogados
E-mail: meilliane.lima@lbs.adv.br

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