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O Decreto nº 11.411/23 e a regulamentação da licença para desempenho de mandato classista de servidores públicos federais

Muitas mãos unidas

Introdução

No dia 8 de fevereiro de 2023, foi publicado o Decreto nº 11.411, que regulamenta a licença para o desempenho de mandato classista de servidoras e de servidores públicos federais.

O Decreto prevê que o servidor licenciado para exercer mandato classista poderá optar por permanecer vinculado à folha de pagamento, desde que a entidade na qual esteja exercendo o mandato classista realize o recolhimento mensal em favor do ente público das parcelas que compõem a remuneração do licenciado.

O âmbito de aplicação do novo Decreto abrange somente os servidores públicos federais, pois regulamenta a licença para desempenho de mandato classista no art. 92 da Lei nº 8.112/90. Os servidores estaduais e municipais deverão ter a questão regulamentada conforme seu regime jurídico.

Trata-se de um avanço, pois o regramento anterior impossibilitava a permanência da servidora e do servidor na folha de pagamento, desestimulava o desempenho do mandato classista e causava efetivo prejuízo aos servidores em atuação sindical.

O Decreto também aumenta o limite de servidores para o exercício do mandato nas entidades: por exemplo, para entidades com mais de 30 mil associados, serão oito servidores, enquanto no Decreto anterior, revogado, eram apenas três; para entidades com 5.001 a 30 mil associados serão quatro servidores; para entidades com até 5 mil associados, serão dois servidores, enquanto na regulamentação anterior, para entidades com 1.000 a 10.000 associados era apenas um servidor.

 

Número de associdados

Decreto nº 11.411/2023

Decreto nº 2.066/1996

Entidades com mais de 30 mil associados

8

3

Entidades com 5.001 a 30 mil associados

4

2*

Entidades com até 5 mil associados

2

1**

 

Observações

*Não existia esse parâmetro, o Decreto nº 2.066/1996 previa parâmetro para entidades com 5.001 até 30.000 associados.

**Não existia esse parâmetro, o Decreto nº 2.066/1996 previa parâmetro para entidades com mil até 10.000 associados.

 

O Decreto nº 11.411/23 está em consonância com o art. 1º da Convenção nº 135 da Organização Internacional do Trabalho, que prevê o licenciamento como uma das medidas de proteção eficiente dos representantes dos trabalhadores, no qual o Estado não pode colocar entraves.  E ainda a Convenção nº 87 da OIT, que versa sobre liberdade sindical e proteção ao direito de sindicalização, prevê no art. art. 3º que as autoridades públicas deverão abster-se de qualquer intervenção que possa limitar esse direito ou entravar o seu exercício legal.

A Constituição federal de 1988, no art. 8º, inciso I,[1] garante a autonomia sindical e assegura aos servidores a livre associação sindical, nos termos do art. 37, inciso VI, da Constituição[2].

O novo Decreto soluciona problema que tem causado judicialização e prejuízo aos servidores públicos licenciados para mandato classista, especialmente no âmbito previdenciário. A Administração afirmava a responsabilidade direta do sindicato no pagamento das renumerações do licenciado, bem como a responsabilidade do servidor e da servidora em efetuar o recolhimento a seu cargo, já que esse não estava mais sendo operado automaticamente na folha. Em consequência, o recolhimento das contribuições, por vezes, não era realizado, pois o servidor ficava em dúvida sobre quem deveria recair essa obrigação, tendo sua previdência prejudicada pela falta dos recolhimentos.

Além da interrupção da contribuição previdenciária, os servidores licenciados ficavam fora da folha, passando por outras dificuldades além dos prejuízos à contribuição previdenciária, como a ausência de folha de pagamento, interrupção do pagamento de crédito consignado e do desconto em folha por decisão judicial, a exemplo da pensão alimentícia.[3]

 

Breve histórico

Em breve resgate histórico, em 1997, a partir da Medida Provisória nº 1.522, editada em 11 de outubro de 1996, que resultou na Lei nº 9.527, de 10 de dezembro, sem qualquer negociação prévia com as entidades sindicais e associativas, o art. 92 da Lei nº 8.112, de 1990, passou a vigorar com a redação de que a licença para o desempenho de mandato classista seria sem renumeração.

A jurisprudência passou a entender que, em relação ao servidor afastado em virtude de licença para mandato classista, após o advento da Lei nº 9.527/97, a Administração estaria desobrigada de qualquer ônus remuneratório relativo aos servidores licenciados para tal fim[4], pois a lei trouxe a previsão de que essa licença seria sem renumeração.

Contudo, com fundamento no Ofício-Circular nº 08/SRH/MP, de 16 de março de 2001 (ato administrativo posteriormente revogado), era comum que as remunerações relativas aos servidores públicos licenciados para o exercício de mandato classista fossem mantidas em folha de pagamento, mas as entidades delas beneficiárias eram obrigadas a ressarcir ao erário os valores despendidos com tais remunerações, de modo a conciliar o caráter não-remuneratório desta.

Passados 15 anos, com a edição do Ofício-Circular nº 605/2016/MP, de 9 de setembro de 2016, revogou-se o referido Ofício-Circular n.º 08/SRH/MP de 2001 e, consequentemente, a prática de “ressarcimento” das despesas realizadas com a remuneração dos dirigentes sindicais

Assim, a prática de “ressarcimento” das despesas realizadas com a remuneração dos dirigentes sindicais passou a não mais ser realizada como antes, bem como o procedimento de inserção na folha de pagamento do órgão ou entidade de lotação e o desconto da contribuição previdenciária.

A Administração Pública passou a entender que a modalidade de “reembolso” era uma mera liberalidade da Administração.

Tal posicionamento violava princípio da confiança (o procedimento de ressarcimento se realizava há mais de 15 anos[5]), restringia o exercício pleno do direito constitucional de livre associação sindical e inviabilizava o automático recolhimento da contribuição previdenciária do licenciado.

Nesse contexto, a jurisprudência entendia que o encargo para a manutenção do vínculo com a Seguridade do Servidor seria exclusivo do servidor e que caberia à Administração somente viabilizar, pelo modo mais efetivo possível, que o servidor continue a contribuir para o RPPS.[6]

Tecnicamente, discordávamos desses julgados do TRF 1ª Região, que atribuíam os encargos da contribuição para a manutenção do vínculo com a Seguridade do Servidor ao licenciado, por violação às garantias fundamentais à liberdade e organização associativa e como a Lei 8.112/9, art. 102, inciso VIII, alínea “c”, garante que esse afastamento é efetivo exercício no cargo, não havia sentido na exclusão desses servidores da folha de pagamento.

 

O que muda com o Decreto nº 11.411/23

Com o novo Decreto, o servidor pode fazer opção por ser mantido na folha de pagamento do órgão ou entidade de sua lotação, caso em que haverá recolhimento mensal da contribuição previdenciária.

A opção e compromisso do servidor com a anuência ao recolhimento mensal da contribuição previdenciária deverá ser feita de forma expressa.

Também é importante mencionar que o Decreto nº 11.411/23 revogou o anterior, que regulamentava sobre a licença para desempenho de mandato classista, o Decreto nº 2.066/1996.

A principal mudança de um Decreto para o outro foi o aumento dos limites do número de servidores para desempenhar o mandato para as entidades.

 

Conclusão

As alterações promovidas pelo Decreto nº 11.411/23 representam avanço na promoção das normas da OIT e da Constituição federal, especialmente com o incentivo ao licenciamento para desempenho de mandato classista.

Contudo, há possibilidade de maiores avanços. Até hoje ainda é utilizada uma lei de 1997 (Lei nº 9.527/97), que alterou o art. 92 da Lei nº 8.112/90, sem qualquer negociação prévia, para atualmente afirmar que a licença para o desempenho de mandato classista das servidoras e dos servidores públicos federais é sem renumeração[7], e concluir pela responsabilidade das entidades sindicais em renumerar diretamente a servidora e o servidor público licenciado de seu cargo com dedicação exclusiva à entidade, inclusive lançando o entendimento de que a modalidade de “reembolso” seria uma mera liberalidade da Administração e causando grande prejuízo à previdência dos licenciados.

Registra-se que o período de afastamento para o desempenho do mandato classista não será contado para fins de promoção, a despeito do que ocorre nas carreiras dos Defensores Públicos da União e Magistrados[8] em que não há perda de direitos para exercício de mandato classista.

É necessário que o licenciamento seja incentivado a todas as servidoras e a todos os servidores públicos, igualmente, e que se assegure a independência no exercício do mandato sindical, de forma que os direitos e vantagens funcionais permaneçam garantidos, sem subordinação a superiores hierárquicos de seu cargo ou prejuízos à vida funcional.

O novo Decreto avança em direção à valorização do papel desempenhado pelos dirigentes sindicais, pois finalmente há um ato normativo que traz a opção de que o servidor possa ser vinculado à folha de pagamento do órgão/entidade, com recolhimento mensal da contribuição previdenciária, mediante sua anuência expressa.

É importante destacar, que o licenciado deve buscar o órgão/entidade de sua lotação e solicitar expressamente a vinculação à folha, pois o Decreto não aplica essa nova sistemática automaticamente para quem não fizer a opção expressa.

Veja a tabela comparativa entre os Decretos aqui. 

 

Brasília, 9 de fevereiro de 2023.

 

REFERÊNCIAS 

[1] Constituição Federal, Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;

[2] Constituição Federal, Art. 37, VI – é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical.

[3] Disponível em: <https://www.gov.br/gestao/pt-br/assuntos/noticias/2023/fevereiro/ministra-esther-dweck-encaminha-minuta-de-decreto-que-altera-regra-de-licenca-de-servidor-para-mandato-classista#:~:text=De%20acordo%20com%20o%20regulamento,representativo%20da%20categoria%20ou%20entidade>  Acesso em 09/02/2023.

[4] TRF 4, AC 5034901-14.2011.404.7100, QUARTA TURMA, Relator CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 14/05/2014

[5] O princípio da confiança legítima informa que comportamentos adotados pela Administração Pública, em razão da presunção de legitimidade, geram no particular a confiança de que são atos legais e, portanto, uma expectativa de legalidade. Assim essas expectativas são legítimas, portanto, dignas de proteção.  Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/120/edicao-1/principio-da-protecao-da-confianca-legitima> Acesso em 09/02/2023.

[6] AGRAVO DE INSTRUMENTO_1005924-72.2021.4.01.0000, Decisão Monocrática, Desembargador Federal JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, PJe 22/02/2021.

[7] Enquanto a licença para desempenho de mandato classista de servidor público federal em geral é sem renumeração, para servidores da Defensoria Pública da União há tratamento diverso dado pela Lei Complementar nº 132, de 2009, que inseriu o art. 42, responsável por prever que o direito à licença classista se dará sem prejuízo dos vencimentos, vantagens ou qualquer direito inerente ao cargo. E o afastamento deve ser computado como tempo de serviço “para todos os feitos”, ou seja, sem prejudicar, inclusive, em tese, a promoção por merecimento. De igual forma, a Lei Orgânica da Magistratura – Lei Complementar nº 35, de 1979, modificada pela LC nº 60, de 1989, a qual autoriza, sem explicitar o prejuízo dos subsídios, os magistrados dirigentes classistas se afastarem para exercer mandato classista. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7256591&disposition=inline. Acesso em 09/02/2023.

 

Camilla Cândido

Sócia da LBS Advogados 

Mádila Barros

Advogada da LBS Advogados

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